Acórdão nº 0275/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução08 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A…EPE, veio interpor recurso de revista ao abrigo do n.º 1 do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 4.2.10, que, em acção de contencioso pré-contratual proposta pela ora Recorrida B… SA, contra aquela e outros contra-interessados, (C…, S.A., D…, Lda., E…, S.A., F…, S.A. G…, S.A., H…, S.A., I…, S.A., e J…), concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a decisão do TAF de Sintra, de 19.10.09, e anulou a deliberação impugnada de 3.4.09 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.4.10), e demais actos cuja validade delas dependa, todas no âmbito do concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública, condenando, ainda, a ora Recorrente a praticar novo acto que inclua a aqui Recorrida entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o lote n.º 1 e habilitada a celebrar o respectivo contrato-quadro.

Para tanto alegou, concluindo como segue: 1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA SUL) de 04.02.2010, Proc. N.° 05832/10, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela aqui Recorrida, “B…, S.A.”, revogou a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), de 19.10.2009, de fls. dos autos, proferida no processo de contencioso pré-contratual que ali correu termos sob o n.° 550/09.3BESNT.

  1. As questões jurídicas que carecem de apreciação por parte desse Venerando Supremo Tribunal, e que, segundo cremos, pela primeira vez se colocam nesta sede, prendem-se com a interpretação e aplicação do novo regime previsto no art. 86.° do CCP (Não apresentação dos documentos de habilitação), e as consequências que do mesmo decorrem para o(s) adjudicatário(s), conjugado com o nova regulamentação instituída pela Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho (doravante Portaria), designadamente no que concerne ao disposto nos seus arts. 36.° e segs. relativos aos requisitos exigidos para efeitos de acesso à (e manutenção na) actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas.

  2. Saliente-se ainda que, por força do disposto no art. 4º, n.° 3, da Portaria, a aquisição de serviços de uma plataforma electrónica para a tramitação de procedimentos de contratação pública, obriga a que no respectivo programa de procedimento se exija ao adjudicatário que apresente, como documento de habilitação, um relatório de segurança, nos termos do art. 36.° ou do art. 37.° da Portaria, consoante o caso, que esteja válido e actualizado e que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas previstas na Portaria.

  3. Nos presentes autos, e a propósito das referidas normas que foram interpretadas e aplicadas, quer pela 1ª e 2ª instâncias (em sentido divergentes), quer pela ora Recorrente no aludido Concurso (mas não só), suscitam-se várias questões jurídicas, a saber - À luz do art. 86,° do CCP (na redacção originária dada pelo Decreto-Lei n.° 18/2008 de 29 de Janeiro), a decisão de considerar caducada a adjudicação, por falta de entrega dos documentos de habilitação, deve ser precedida de audiência prévia, mesmo não prevendo aquela norma a realização dessa audiência? - À luz dessa mesma disposição (sempre na redacção originária) é “possível conceder a um adjudicatário um prazo suplementar para apresentar esclarecimentos e suprir lacunas ou irregularidades de documentos de habilitação?” - Em caso afirmativo, esse prazo adicional pode ser concedido mesmo nas situações em que os motivos determinantes da caducidade da adjudicação são “imputáveis ao adjudicatário?” - À luz dos arts. 36°, 37.° e 38.° da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho, o prazo de 30 dias concedido às entidades gestoras das plataformas electrónicas para corrigirem eventuais falhas detectadas pelo auditor de segurança, e que motivem um parecer negativo ou condicionado por parte deste, só é aplicável para efeitos de manutenção na actividade em apreço, aquando da elaboração do relatório anual de segurança (cfr. artigo 37° da citada Portaria), ou, ao invés, aplica-se igualmente para efeitos de acesso à referida actividade, momento em que deve ser emitido o documento de conformidade (artigo 36° da citada Portaria e exigido no presente Concurso)? - Sempre que, no âmbito de um procedimento pré-contratual, se verifique uma situação que caiba na estatuição contida no art. 86°, n.° 1, do CCP, constitui a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado? - Em caso afirmativo, ou seja, constituindo a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado, pode assumir relevância anulatória do acto a violação dos princípios gerais de direito, reguladores da actividade administrativa, designadamente o da igualdade 5. As questões acima enunciadas revestem-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social.

  4. No que respeita à sua relevância jurídica, é evidente que, atenta a novidade do regime jurídico em causa, se exige ao interprete e também ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas e, por conseguinte, do caso dos autos, sendo ainda seguro que existe forte capacidade de expansão da controvérsia (indo além dos limites da situação em apreço e podendo repetir-se num número não determinado de situações futuras).

  5. No que respeita ao novo regime jurídico instituído pelo CCP, as alterações introduzidas na actividade contratual pública foram muito profundas, o que se apreende, desde logo, pela leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, onde se encontram bem patentes as preocupações do legislador do CCP em introduzir mudanças substanciais na modernização, simplificação e celeridade na tramitação procedimental, o que passa pela desmaterialização dos actos relativos aos procedimentos de formação de contratos.

  6. Deste modo, as questões que agora se colocam à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal decorrem do modo como os motivos enunciados pelo legislador foram vertidos no CCP (em cumprimento também do direito comunitário), isto é, na forma como ali se “uniformizou a nomenclatura e regras procedimentais aplicáveis”, o que determinou, na nova coordenação sistemática, que fosse instituído um momento único e comum a todos esses procedimentos denominado de “Habilitação” (cfr. art. 81.º e segs); que fosse criado um novo figurino para o procedimento de concurso público (eliminando-se a “fase do acto público” e, com esta, a admissão condicional dos concorrentes, bem como das respectivas propostas), e, sobretudo, que obrigou a que se procedesse a uma verdadeira e inovadora revolução na tramitação procedimental, criando-se “um sistema alternativo ao clássico papel” através da utilização de plataformas electrónicas para a condução dos respectivos procedimentos concursais.

  7. Sendo certo que, com a aprovação do CCP, foram ainda aprovados outros diplomas com vista à plena concretização das suas disposições, sendo disso exemplo o Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de Julho, e a citada Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho.

  8. As enunciadas alterações legislativas reflectiram-se obrigatoriamente no Concurso lançado pela ora Recorrente, com vista à “selecção de plataformas electrónicas para contratação pública” e, por conseguinte, à celebração de um Acordo Quadro com os adjudicatários ali escolhidos, destinado a servir a Administração Pública.

  9. Na verdade, o presente Acordo Quadro tem por objecto a prestação de serviços que, por força da entrada em vigor do CCP, passaram a ser de uso corrente, necessários, por natureza, ao normal e regular funcionamento da Administração Pública, por constituírem ferramentas tecnológicas indispensáveis à moderna contratação pública desmaterializada.

  10. Com efeito, é do interesse público dotar a Administração Pública de plataformas electrónicas de contratação, em conformidade com o disposto no CCP, no Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de Julho, e na Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho, uma vez que, a partir de 30 de Julho de 2009 (cfr. art. 9°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro), as compras públicas passaram a ser efectuadas, obrigatoriamente, através daqueles meios electrónicos.

  11. O presente Acordo Quadro encontra-se igualmente enquadrado pelas disposições nacionais e comunitárias que apontam no sentido da desmaterialização dos procedimentos electrónicos, como garante da concorrência, transparência e obtenção das melhores condições de contratação pública.

  12. O presente Acordo Quadro contribui para o reequilíbrio das contas públicas, pois, como se disse, permite assegurar um melhor controlo e optimização das despesas de compras, especialmente no que diz respeito a este tipo de serviços que satisfazem necessidades transversais a toda a Administração Pública.

  13. Acresce que este Acordo Quadro é instrumental à implementação do Modelo Tecnológico das Compras Públicas pela Recorrida, conforme dispõe o art. 6.° dos seus estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro (diploma que, entre o mais, procede à definição do Sistema Nacional de Compras Públicas [SNCPJ e cria a Recorrente), uma vez que permitirá disponibilizar às Unidades Ministeriais de Compras, aos organismos da administração directa do Estado e aos institutos públicos, ferramentas interoperáveis com as demais componentes do Modelo, permitindo que a Recorrente e demais organismos integrados no SNCP passem a dispor de meios fiáveis para realização dos procedimentos aquisitivos e para obtenção de informação de gestão das compras públicas.

  14. O supra referido Modelo Tecnológico prevê ainda que as aquisições a efectuar ao abrigo dos diversos acordos quadro celebrados pela Recorrente, nesta altura a corresponderem a cerca de 80% do total da despesa em bens e serviços transversais à Administração Pública, passem a ser...

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