Acórdão nº 03439/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução08 de Julho de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A..., Investimentos Imobiliários e Turísticos, SA, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dele vem recorrer, concluindo como segue: a. O Acórdão recorrido não se pronuncia sobre a violação do princípio da concorrência, muito embora a Recorrente invoque esse vício quer no ponto D. da sua p.i., quer no ponto IV das suas alegações, bem como nas alíneas s) a w) das conclusões; b. Deste modo, é forçoso concluir que o Acórdão ora recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668.°, n.° 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art. 1° do CPTA.

c. Em todo o caso, o Acórdão recorrido sempre deveria ser revogado, uma vez que, ao contrário do que decidiu o Tribunal "a quo", existe, de facto, uma lacuna na Lei n° 12/2004 em matéria de modificação de conjuntos comerciais, o que, só por si, determinaria uma decisão diversa da questão submetida ajuízo.

d. O Tribunal "a quo" limitou-se, no entanto, a constatar a falta de previsão normativa daquela situação na Lei n° 12/2004 para concluir, sem maiores desenvolvimentos, que a mesma resultava de uma intenção deliberada do Legislador em não regular a matéria.

e. Ora, quando há lacuna, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes.

f. Pedia-se, assim, ao Tribunal que fosse para além do elemento literal, procurando determinar a ratio da própria Lei, de forma a poder concluir se a modificação de conjuntos comerciais ainda se poderia considerar abrangida pelo âmbito do diploma.

g. E nem se diga, como no Acórdão recorrido que, no quadro da Lei n° 12/2004, não existem referências (inclusivamente no próprio texto legal) que suportem a tese da Recorrente de que a modificação de conjuntos comerciais está compreendida na ratio da Lei.

h. Basta atentar no art. 2° em que são definidos como objectivos daquele diploma "regular à transformação e o desenvolvimento das estruturas empresariais de comércio, de forma a assegurar a coexistência e equilíbrio dos diversos formatos comerciais e a garantir a respectiva inserção espacial de acordo com critérios que salvaguardem uma perspectiva integrada e valorizadora do desenvolvimento da economia, da protecção do ambiente e do ordenamento do território e urbanismo comercial, tendo por fim último a defesa do interesse dos consumidores e a qualidade de vida dos cidadãos, num quadro de desenvolvimento sustentável e de responsabilidade social das empresas" - sublinhado nosso.

i. Mais. Basta compulsar a exposição de motivos da Lei n° 12/2004, onde se afirma que "a continuação da intervenção dos poderes públicos em matéria de regulação da implantação das unidades comerciais de que resultam impactes significativos, constitui uma solução imprescindível no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, tendo em atenção as enormes implicações que esta temática assume em termos de estrutura do aparelho comercial, com evidentes reflexos a nível da mesma, dos consumidores em geral, dos próprios trabalhadores do sector e, consequentemente, da economia nacional", j. Afirmando-se, a propósito dos conjuntos comerciais, que "é inegável que essas estruturas, algumas delas de enorme dimensão e qualquer que seja a respectiva designação, têm um enorme impacte, quer em termos de acessibilidades, quer no que se refere ao restante comércio instalado nas respectivas áreas de influência, quer mesmo nas vertentes ambiental e de ordenamento do território" para concluir que existe, de facto, uma omissão juridicamente relevante na Lei n° 12/2004 em matéria de modificação de conjuntos comerciais.

k. Com efeito, parecem não restar dúvidas de que estamos perante uma verdadeira lacuna da Lei n° 12/2004 quando se admite a transformação de um conjunto comercial com 7.595 m2 numa enorme superfície de 19.935 m2, acompanhada da sua mudança de localização, sem sujeição a prévia autorização das entidades competentes, não obstante o impacto que semelhante modificação pode ter (e tem) ao nível do desenvolvimento da economia, da concorrência, da protecção dos consumidores, das acessibilidades, do emprego e do ambiente, interesses que justificam, precisamente, a intervenção pública, prevista na Lei n° 12/2004, em matéria de regulação da implantação de unidades comerciais.

l. Estamos, assim, perante aquilo que a doutrina denomina de "lacunas teleológicas", as quais se determinam "em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo" (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 8a reimpressão, Almedina, Coimbra, 1995, p. 196).

m. Efectivamente, e citando aqui o Professor Rui Medeiros e o Dr. Gonçalo Matias no Parecer junto à p.i., "a simples possibilidade de deslocação exige a reponderação dos critérios urbanísticos e de ordenamento do território aplicáveis, uma vez que a ponderação feita momento da instalação pode revelar-se, para efeitos de modificação, totalmente imprestável. E o mesmo se diga relativamente aos critérios ambientais. O impacte ambiental de uma unidade de 6000 m2 é, seguramente, muito inferior ao de uma unidade com uma tripla dimensão. Basta, para tal, pensar no volume de tráfego que uma e outra unidade são susceptíveis de movimentar. Se estas considerações parecem evidentes em face dos interesses de urbanismo, ordenamento do território e ambiente, revelam-se manifestas quando confrontadas com as preocupações de mercado subjacentes à decisão de implantação de unidades comerciais. Na verdade é muito diferente a consideração do impacto no mercado de um pequeno conjunto comercial ou de uma unidade de grandes dimensões. (...) Não é possível, a pretexto de uma anterior apreciação de uma realidade diferente, pretender que estes aspectos se encontrem já acautelados por tal decisão. É evidente que, em função da deslocação e substancial aumento de área, aqueles aspectos não só não foram considerados como exigem essa consideração autónoma, sob pena do completo desprezo pela teleoloqia da lei" (cfr. pp. 19 e 20 do Parecer citado) - sublinhado nosso.

n. Acresce que não assiste também razão ao Tribunal "a quo" quando afirma, no Acórdão recorrido - em favor da sua tese de que não existe qualquer lacuna na Lei -, que "a Lei n° 12/2004, sujeitou a modificação de conjuntos comerciais que envolva intervenção urbanística, ao procedimento administrativo de licenciamento" previsto no Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização (cfr. fls. 446 do Acórdão recorrido).

o. Por um lado, deve ter-se presente que tais autorizações (as da Lei n° 12/2004 e as do RJUE) obedecem a requisitos diversos e a critérios de decisão só parcialmente coincidentes.

p. Por outro lado, atentos os objectivos da Lei n° 12/2004 em matéria de regulação de conjuntos comerciais, o que releva para este efeito são, designadamente, as consequências que a instalação/modificação de um conjunto comercial pode ter sobre as condições concorrenciais da estrutura comercial envolvente, sobre os consumidores e sobre o meio urbano, aspectos que não são, no entanto, objecto de análise quer quando do procedimento de autorização dos estabelecimentos comerciais que integram o conjunto comercial modificado, quer quando do licenciamento municipal da operação urbanística de modificação do conjunto comercial.

q. Finalmente, o argumento do princípio da tipicidade e do princípio da legalidade em matéria contra-ordenacional, invocado pelo Tribunal "a quo", também não pode proceder. E não pode proceder porque estamos, manifestamente, perante duas coisas distintas.

r. Com efeito, uma coisa é o procedimento de licenciamento comercial previsto na Lei n° 12/2004, o qual não tem, obviamente, natureza contra-ordenacional, tratando-se de um procedimento administrativo, submetido a normas e princípios próprios do Direito Administrativo. Nada impede, por isso, o recurso à analogia como forma de integrar eventuais lacunas que sejam detectadas nestes procedimentos (administrativos). E é disto que se trata nos autos. Outra coisa, necessariamente diferente, é aquela mesma lei prever um quadro sancionatório, para os casos em que sejam violadas algumas das suas normas.

s. Deste modo, não só é possível, neste caso, integrar a lacuna existente na Lei n° 12/2004 com recurso à analogia, como a não previsão de uma contra-ordenação para as situações de inexistência de prévia autorização à modificação de conjuntos comerciais não pode, naturalmente, constituir um impedimento à aplicação, nestes casos, por analogia, do regime da modificação de estabelecimentos comerciais previsto naquele diploma, tal como defendido pela Recorrente na sua p.i.

t. Eventualmente, poder-se-á discutir aqui a coercibilidade de semelhante obrigação, face à ausência de sanção para o seu incumprimento, mas não se pode duvidar da sua existência e consequente aplicabilidade.

u. Pelo exposto, e ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, outra não pode ser a conclusão senão a de que, atendendo à teleologia imanente à Lei n° 12/2004 existe uma lacuna (teleológica) nesse diploma em matéria de procedimento administrativo de modificação de conjuntos comerciais.

v. Deste modo, o acto impugnado, ao decidir pelo arquivamento do pedido de apreciação da modificação do conjunto comercial Modelo Évora - requerido pela C..., Centro Comercial, S.A., com base numa leitura a contrario do art. 4.°, n° 3 da Lei n° 12/2004, violou a teleologia imanente à própria Lei n° 12/2004.

w. De todo o modo, a entender-se, como no Acórdão recorrido, que o Legislador não quis sujeitar a modificação de conjuntos comerciais ao procedimento administrativo previsto na Lei n° 12/2004, sempre teria então de se concluir que a norma do art. 4.°, n° 3 daquele diploma ao contemplar certas situações (instalação), esquecendo outras que preenchem os mesmos pressupostos de facto (modificação) é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, o que determina, por sua vez, a...

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