Acórdão nº 0996/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2010
Magistrado Responsável | SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.
Relatório A..., recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no TAF do Porto, que julgou improcedente o RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do DIRECTOR DO CENTRO NACIONAL DE PENSÕES de 22-4-2002, terminando as alegações com as seguintes conclusões: “1° - Ao contrário do defendido na D. Sentença Recorrida, - a resposta à questão “sub judice” tem a ver com os efeitos da anulação do 2° casamento da recorrente; - existe uma lacuna no DL nº 322/90 de 18 de Outubro que cabe ao intérprete preencher quanto à figura jurídica da retoma do direito à pensão de sobrevivência nas situações de anulação do facto que determinou a respectiva cessação no caso o 2° casamento.
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- O Decreto-Lei n.º 322/90 de 18 de Outubro estabeleceu como causa de cessação da pensão de sobrevivência o casamento dos pensionistas - cônjuges ou ex-cônjuges dos beneficiários (art. 41° a).
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- Mas não se pode afirmar, como faz a D. Sentença recorrido, que as vicissitudes que essa relação matrimonial - o novo casamento do pensionista - venha a sofrer são “estranhas à relação jurídica estabelecida entre o pensionista de sobrevivência e a Segurança Social” já que - por um lado, o próprio Decreto-Lei n° 322/90 fala de divórcio (art 11º), nulidade ou anulação de casamento (art 9º n° 1), de cônjuges e de ex-cônjuges (art. 7°) e o que são essas figuras senão vicissitudes do casamento?!!!! - por outro se não as considerasse estaria a violar princípios gerais pelos quais se rege, como os da igualdade, da equidade social e da diferenciação positiva.
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- In casu, a Recorrente foi casada com B..., beneficiário n.° ..., que faleceu em 14/03/1980, tendo, desde então, passado a receber a respectiva pensão de sobrevivência. Em 24/2/1996 casou civilmente com C... mas, por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo, em 30/5/2000, transitada em julgado, foi este casamento anulado, retomando a Recorrente o estado civil de viúva do referido B....
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- Tanto a nulidade, como a anulação do casamento, fundadas em vícios originários do casamento, implicam a destruição retroactiva do vínculo conjugal... Se os cônjuges eram solteiros - ou viúvos -, à data em que casaram, a declaração de nulidade ou a anulação do casamento farão com que retomem à condição de solteiros - ou de viúvos (vide Antunes Varela, in Direito da Família, 1993, pág.s 469 e 470).
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- Em consequência da decisão judicial que anulou o casamento da recorrente com C... este vínculo matrimonial foi destruído retroactivamente, tudo se passando como se ela não se tivesse casado segunda vez e permanecesse sempre viúva de B....
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- O art. 9 n° 2 do Decreto-Lei n° 322/90 de 18 de Outubro estabelece que “em caso de casamento nulo ou anulado têm direito às prestações as pessoas que tenham celebrado o casamento de boa fé com o beneficiário e à data da sua morte recebessem pensão de alimentos ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido para a prestar” (negrito e sublinhado nosso), ou seja remete para os efeitos putativos do casamento pois exige que o casamento tenha sido nulo ou anulado e que o casamento tenha sido celebrado de boa fé e exige ainda, para se ter direito à pensão de sobrevivência, a verificação de outro requisito: que o ex-cônjuge recebesse, à data da morte do beneficiário, pensão de alimentos do falecido.
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- O caso “sub iudice” não cai no disposto a respeito do casamento putativo mas nos efeitos retroactivos da anulação do casamento porque - a D. Sentença que declarou anulado o casamento da Recorrente com C... nada disse quanto à boa fé de qualquer dos cônjuges, sendo certo que o conhecimento daquela, compete exclusivamente aos tribunais; - relativamente ao Centro Nacional de Pensões - que é terceiro o direito da Recorrente à pensão de sobrevivência do seu falecido marido não é um mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges - aqueles cujo casamento foi anulado - - a anulação do casamento da Recorrente com C... recoloca-a no estado de viúva de B..., 9° - e não só ainda não faleceu C... (com quem a Recorrente casou, em segundas núpcias e cujo casamento foi anulado) como a Recorrente não se encontra a receber dele qualquer pensão de alimentos, 10° - a ele não se aplica, por conseguinte, o n° 2 do art. 9° do DL n° 322/90 de 18 de Outubro.
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- Diz-se na D. Sentença «que o legislador não previu intencionalmente a figura da retoma da pensão relativamente às pensões de sobrevivência que cessaram pelo facto da superveniência de novo casamento, seja qual for a “vida jurídica” deste».
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Ora - se o legislador não fez essa previsão - e se o n° 2 do art. 9º do DL 322/90 não pode ter aplicação neste caso concreto (cf. supra) e este normativo abrange apenas e especialmente as situações em que, antes do casamento declarado nulo ou anulado, os cônjuges eram solteiros e não viúvos pois no primeiro caso os efeitos retroactivos da declaração de nulidade ou anulação do matrimónio colocam o ex-cônjuge como solteiro e ele não teriam direito a qualquer pensão de sobrevivência pela morte do outro e no segundo caso, como aquele retoma o estado civil de viúvo do anterior cônjuge tem direito à pensão de sobrevivência deste; - forçoso é concluir que existe uma lacuna na lei quanto a esta hipótese.
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- A existência de lacunas na legislação da segurança social é admitida pelo preâmbulo do próprio DL n° 322/90 de 18/10: “... o diploma é, sobretudo, rico em alterações para aperfeiçoamento de normas incompletas e desarticuladas actualmente em existentes, preenchendo-se algumas lacunas do sistema e aperfeiçoando-se globalmente o conjunto normativo. Procura-se, deste modo (...) codificar legislação de segurança social, que se encontra ainda nalguns aspectos excessivamente automizada e dispersa.” 14° - Assim, como não existe no DL n° 322/90 de 18 de Outubro qualquer preceito que preveja expressamente a retoma ou que minimamente aponte nesse sentido - nem a proíba - deverá recorrer-se às técnicas jurídicas gerais que se aplicam para preenchimento das lacunas do direito.
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- “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”, entendendo-se que “ há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso...
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