Acórdão nº 046/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2010
Magistrado Responsável | BRANDÃO DE PINHO |
Data da Resolução | 16 de Junho de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A..., SA vem recorrer, por oposição de acórdãos, do aresto do TCAS, de 26-05-2009, que negou provimento aos que aquela interpusera, tanto da sentença como do despacho de fls. 219, a qual, por sua vez, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 1997 a 1999.
A recorrente formulou as seguintes conclusões: “ 1. Para a relevância fiscal de um custo, porque indispensável, basta a verificação da afectação empresarial da operação (venda do activo), ainda que a mesma seja qualificada como insólita, anormal, arriscada ou ruinosa. O custo só não será indispensável caso se trate, afinal, de gasto não empresarial (embora inscrito nas contas da empresa), porque apenas beneficia um terceiro (por regra, um sócio ou gerente).
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O art. 23.° do CIRC (interpretação do termos "indispensabilidade") não faz depender a aceitação fiscal do custo de acrescidas exigências, requisitos ou condicionalismos, como a análise das circunstâncias do negócio e do mercado - e recusando a dedução fiscal do custo real e efectivo, na alegada ausência de racionalidade económica, ou por se tratar de uma operação arriscada, incongruente ou anormal.
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A menos valia com a venda das acções B... assumem-se como um custo fiscal indispensável: trata-se de uma operação empresarial real e efectiva (não se arguiu simulação [absoluta ou relativa]), em valores indisputáveis (não se aplicam métodos indirectos) e sem benefícios de terceiros (não se invoca um preço de transferência). Ocorreu um gasto empresarial, inserido numa operação económica não sucedida, com contornos económicos arriscados e inusuais (enorme menos valias, na suposição de valorização de terreno contíguo aos da recorrente, na posse da B...).
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O Acórdão recorrido advoga uma errónea e inválida interpretação do art. 23.°, do CIRC e do requisito de "indispensabilidade" nele ínsito. As invalidades sistematizam-se em três tópicos: de cariz negativo; de pendor positivo; e de natureza dedutiva.
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Cariz negativo: a Administração fiscal, na interpretação do conceito de indispensabilidade, não possui qualquer margem de discricionariedade para recusar a aceitação fiscal de um custo empresarial real e efectivo, com base num alegado critério de oportunidade ou sindicância da decisão concreta do empresário (ainda que se trate de um negócio ruinoso, arriscado ou inusual).
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A interpretação válida do art. 23.° do CIRC tem de preservar a liberdade do empresário e proibir a sindicância de custos à luz de critérios administrativos de oportunidade e mérito. Isso só é conseguido, com a aceitação fiscal dos gastos empresariais reais e efectivos (verdadeiros custos económicos da empresa), embora inseridos em operações inusuais, ruinosas ou insólitas (o caso dos autos), sob pena de ilegítima interferência na liberdade de gestão do empresário e ilegal ingerência nas opções económicas do sujeito.
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Pendor positivo: A menos valia dos autos é indispensável: i) constitui um custo real económico - contrapartida de um factor de produção da empresa (capital); ii) encontra-se expressamente inscrita no elenco exemplificativo do art. 23.° do CIRC (al. i)); iii) e a dedução fiscal não estava (à época) expressamente excluída ou limitada pela lei tributária (cfr. actualmente, o art. 42.°, n.º 3, do CIRC). O carácter insólito, arriscado ou ruinoso da operação é um dado totalmente irrelevante para a desconsideração fiscal da menos valia, porque se trata de um efectivo e incontestável gasto empresarial, em termos económicos e fiscais.
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Aliás, só esta interpretação do art. 23.° do CIRC - e do conceito de indispensabilidade nele ínsito - se coaduna com os princípios gerais, com assento constitucional, que regem esta matéria (ínsitos no Estado de Direito Democrático inscrito no art. 2.° da CRP): a legalidade e a capacidade contributiva (e rendimento real) - art. 103.°, n.º 2 e 104.°, n.º 2, da CRP; a igualdade e proporcionalidade (e reciprocidade) - art. 13.° e 18.°, da CRP; e a liberdade de gestão, propriedade e iniciativa privada (art. 61.°, 62.° e 86.°, da CRP).
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A norma constante do art. 23.° do CIRC, interpretada no sentido de que o custo é indispensável se além de inserido na actividade da empresa (afectação empresarial), tiver ainda em conta “as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica”: é nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 18.°, 61.°, 62.°, 86.°, 103.° e 104.°, n.º 2, da CRP.
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Argumento dedutivo: se o custo é real e efectivo - como sucede no caso dos autos (ninguém invoca a existência de simulação absoluta ou relativa, ou a existência de um preço de transferência) - o contribuinte nada mais tem que provar acerca da alegada oportunidade ou razoabilidade da operação donde brotou a menos valia em causa.
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O ónus da prova da indispensabilidade do custo do art. 23.° do CIRC não compete ao contribuinte, por 4 razões essenciais: 12. A exegese da lei: pela regra geral, o ónus da prova compete à Administração fiscal; e a lei fiscal não inverte (nem reparte) o ónus da prova nos casos de indispensabilidade dos custos, situação que nada tem que ver com a simulação ou com os métodos indirectos (situações em que a lei inverte o ónus da prova - cfr. art. 100.°, n.º 2 do CPPT, e art. 39.°, n.º 2 e 74.°, n.º 3, da LGT). ln casu, a menos valia é real e efectiva (sem simulação) e foi apurada por métodos directos. Donde, o ónus da prova da não indispensabilidade do custo compete em exclusivo à Administração fiscal (cfr. art. 100.°, n.º 1, do...
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