Acórdão nº 876/06.8TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução27 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O contrato atípico de venda à consignação, também designado por venda à condição ou contrato estimatório, traduz-se no fornecimento de produtos ao retalhista destinados à venda, obrigando-se este, decorrido certo prazo, a restituí-los ao fornecedor ou tradens ou, se o não fizer, a pagar o valor que for devido.

II - Neste contrato, de natureza mista em que se reúnem essencialmente elementos de dois negócios – o mandato sem representação (art. 1180.º e segs. do CC) e a compra e venda (art. 874.º e segs. do CC) – a prevalência de um ou outro dos elementos decorre do que tiver sido estipulado entre as partes.

III - Reclamando o autor o preço, previamente fixado, de venda ao público da mercadoria entregue já deduzida a comissão fixada – situação em que no tipo contratual concreto prevalece o elemento compra e venda –, cumpre ao retalhista, se assim for, o ónus de provar que a pagou ou que a restituiu ou que ainda a detém por não a ter vendido (art. 342.º, n.º 2, do CC).

IV - No entanto, se, face aos termos estipulados, a determinação do montante devido pela venda dos produtos consignados, ou a própria percentagem da comissão a aplicar, estiver dependente de outros elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, designadamente o preço pelo qual foi realizada a venda ao público, então o autor não pode deixar de exigir o saldo que vier a apurar-se no âmbito de acção de prestação de contas (arts. 1161.º, al. d), do CC e 1014.º e segs. do CPC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Pcs. AA Lda. demandou BB - Representação e Acessórios de Moda Lda. pedindo a sua condenação no pagamento de 56.570,96€ (sendo 53.902,02€ 0 valor de capital e 2668,94€ o valor de juros vencidos) com juros de mora vincendos sobre o capital em dívida, à taxa legal anual para operações comerciais em vigor, até integral e efectivo pagamento, montante correspondente a duas facturas (164/2005 e 284/2005) emitidas em 15-6-2005 e 21-8-2005, vencidas, respectivamente, em 15-7-2005 e 28-8-2005 e que não foram pagas apesar de interpelada ré para tal efeito.

  1. A ré contestou e deduziu reconvenção, requerendo a final nestes termos:

    1. Que seja julgada provada e provada a excepção peremptória de pagamento e, em consequência, absolvida do pedido.

    2. Que, a não se entender assim, seja a acção julgada improcedente por não provada e, em consequência, absolvida do pedido.

    3. Que, quando assim se não entenda, seja julgado improcedente o pedido de juros.

    4. Que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional e, consequentemente, a reconvinda condenada a pagar à reconvinte a quantia de 2.539,16€.

    5. Que seja julgado nulo por falta de forma o mútuo de 21.000,00€ e reconhecido o crédito que a reconvinte detém sobre a reconvinda para efeitos de compensação de tal crédito com créditos da autora sobre a ré que eventualmente venham a ser apurados.

    6. Que seja a reconvinda condenada a restituir à reconvinte a quantia de 21.000,00€ com base no artigo 473.º do Código Civil.

    7. Que seja a reconvinda condenada a juntar os recibos de quitação com validade fiscal do valor por ela recebido e pago pela reconvinte.

    8. Que seja a reconvinda condenada a pagar à reconvinte juros sobre os montantes peticionados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    9. Que seja a A. condenada como litigante de má fé, nos termos do disposto no artigo 456.º e 457.º do C.P.C. em multa e indemnização à ora ré, consistente esta no reembolso das despesas a que a má fé da autora obrigou a ré, incluindo os honorários do seu mandatário, a liquidar em execução de sentença.

  2. CC - Comércio e Representação de Acessórios da Moda Lda. demandou BB -Representações e Acessórios da Moda Lda. pedindo a sua condenação no pagamento à autora de 29.726,74€ (sendo 27.709,42€ o valor de capital e 2.017,32€ o valor de juros vencidos) com juros de mora vincendos sobre o capital em dívida, à taxa legal anual para operações comerciais em vigor, até integral e efectivo pagamento, montante correspondente à factura n.º 222/2005 emitida no dia 21-8-2005 e vencida a 28-8-2005 no quantitativo de 37.594,54€ do qual a ré apenas pagou 9.885,12€ apesar de interpelada para efectuar o pagamento total.

    A ré finalizou a contestação pedindo o seguinte: - Que seja a acção julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvida a ré do pedido.

    - Que seja a A. condenada, como litigante de má fé, em multa e indemnização à ora ré, consistente, esta, no reembolso das despesas que a má fé da autora obrigou a ora ré, incluindo os honorários do seu mandatário, a liquidar em execução de sentença.

    As duas acções foram apensadas sendo o processo principal aquele em que é autora PCS AA Lda. e o apenso aquele em que é autora CC - Comércio e Representação de Acessórios de Moda, S.A.

  3. Foi proferida sentença, decidindo-se nestes termos: - Julgar a acção n.º 876/06.8TBPVZ (processo principal) e a reconvenção parcialmente procedentes e condenar a ré BB - Representação e Acessórios da Moda Lda. a pagar à A. PCS-AA Lda. a quantia de 43.013,44 euros acrescida de juros de mora, à taxa legal, conforme o supra exposto, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré e a reconvinda do demais pedido.

    - Julgar a acção n.º 1804/06.6TBPVZ (apenso A) parcialmente procedente e condenar a ré BB- Representações e Acessórios da Moda, Lda. a pagar à A. CC - Comércio e Representação de Acessória Moda,S.A. a quantia de 27.709,42€ acrescida de juros de mora, à taxa legal, conforme o supra exposto, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais pedido.

  4. A ré reconvinte interpôs recurso para o Tribunal da Relação.

    O recurso foi julgado procedente, tendo sido revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a ré dos pedidos contra ela deduzidos pelas autoras e condenando- -se as recorridas PCS AA Lda. e CC a entregar à recorrente/ reconvinte os recibos de quitação correspondentes aos pagamentos que lhes foram efectuados pela ré, ora recorrente, sendo 3.240,46€ respeitantes a pagamentos efectuados à PCS, 36.698,86€, pagamentos (transferências) efectuados à CC e o valor de 10.000,00€ (6.000,00€+4.000,00€) respeitante a pagamentos efectuados a esta recorrida através do desconto do empréstimo efectuado.

  5. Recorrem, de revista, as autoras para o Supremo Tribunal, finalizando a minuta com as seguintes conclusões: A ) Em resultado do contrato celebrado entre as partes a recorrida devia ter efectivamente devolvido às recorrentes, nas condições acordadas e conforme os usos do comércio, os produtos que estas lhe entregaram e que aquela eventualmente não tivesse vendido.

    1. Donde decorre que a recorrida ao ter efectuado, no final da relação comercial com as recorrentes, apenas a devolução de mercadoria no valor de 13.996,30€, é lícito presumir - a qualquer normal destinatário - que vendeu toda a restante mercadoria que lhe havia sido entregue pelas recorrentes, ficando assim devedora para com esta do respectivo valor, correspondente à diferença entre a mercadoria que lhe foi entregue e aquela que devolveu no final da relação comercial.

    2. Pelo que as recorrentes têm, assim, direito a receber da recorrida as quantias em que esta foi condenada na sentença.

    3. Não sendo, portanto, no caso em apreço, exigível às recorrentes peticionarem a devolução da mercadoria que a recorrida se não devolveu nem nada comunicou em contrário - não tendo sequer permitido a entrada nas suas lojas das funcionárias das recorrentes nem do seu legal representante - se tem de presumir que foram vendidas pela recorrida.

    4. Já que foi a própria recorrida que, com o seu referido comportamento, impediu que as recorrentes soubessem o valor correspondente às vendas efectivamente realizadas ou sequer que pudessem proceder ao levantamento da mercadoria eventualmente não vendida pela recorrida, conforme aquelas estavam contratualmente obrigadas.

    5. É igualmente inequívoco que o contrato de consignação tanto permite ao consignatário vender a mercadoria a terceiros como ficar com ela para si, estando obrigado, em qualquer dos casos, a pagar o respectivo preço acordado com o consignante.

    6. Quer isto dizer que a recorrida estava obrigada a entregar o preço da mercadoria vendida ou então a devolver a mercadoria não vendida, ou seja, ou paga, ou devolve.

    7. Sendo que, com o seu referido comportamento, a recorrida não cumpriu o contrato celebrado com as recorrentes, não permitindo que estas entrassem nas suas lojas para retirar qualquer mercadoria ou sequer ter conhecimento das vendas efectuadas nas mesmas lojas, procedendo apenas, no final das relações comerciais, à devolução de uma parte da mercadoria que lhe havia sido fornecida pelos recorrentes, pelo que está inequivocamente obrigada a pagar às mesmas o preço dos restantes produtos que lhe foram entregues e que não foram restituídos a final.

    8. Pelo que se conclui que o acórdão objecto do presente recurso fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial e 1180.º e segs. do Código Civil.

  6. Factos provados: 1. A A. dedica-se ao comércio de acessórios de moda.

  7. Autora, Pcs - AA Lda. e BB Representações de Acessórios de Moda Lda. estabeleceram um acordo nos termos do qual a A. entregava à Ré produtos para serem vendidos nas lojas desta, pagando a Ré à A. o valor correspondente ao resultado da venda ao público (PVP) deduzido de uma margem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 846/07.9TBFAR de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Junho de 2011
    • Portugal
    • 2 de junho de 2011
    ...uma compra e venda, porque este prazo também existe na venda à consignação. Neste sentido Acórdão do STJ de 27/05/010, proc. 876/06.8TBPVZ.P1.S1. O Juiz “a quo” não tomou em consideração que a 1ª factura era datada de 13.02.03, com vencimento, nesse caso, em 13/04/03; a segunda factura era ......
1 sentencias
  • Acórdão nº 846/07.9TBFAR de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Junho de 2011
    • Portugal
    • 2 de junho de 2011
    ...uma compra e venda, porque este prazo também existe na venda à consignação. Neste sentido Acórdão do STJ de 27/05/010, proc. 876/06.8TBPVZ.P1.S1. O Juiz “a quo” não tomou em consideração que a 1ª factura era datada de 13.02.03, com vencimento, nesse caso, em 13/04/03; a segunda factura era ......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT