Acórdão nº 25/08.8GTLRA-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução28 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO Decisão: AUTORIZADA A REVISÃO Sumário : I - O recurso extraordinário de revisão, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo n.º 6 do art. 29.º da CRP, é o meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça. A estabilidade da decisão judicial transitada em julgado e a paz que isso possa trazer aos cidadãos, associadas à necessidade de evitar o perigo de decisões contraditórias, não podem colidir com a noção de justiça, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, sob pena de sermos postos face «a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, tomo I, pag. 44).

II - Em consonância com esse objectivo, o n.º 1 do art. 449.º do CPP, estabeleceu taxativamente os fundamentos deste recurso, entre os quais prevê, na al. c), o de os factos que serviram de fundamento à condenação serem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

III - A concretização deste fundamento, tal como, de resto, a de idêntica norma do n.º 1 do art. 673.º do CPP29, basta-se com a circunstância de a inconciliabilidade dos factos resultante de sentença, proferida ou não em processo penal, suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação e não já, como no domínio da legislação anterior ao CPP29, quando fosse de presumir a inocência do condenado. O que significa, desde logo, que, hoje, a revisão será de conceder tanto no caso de as graves dúvidas recaírem sobre a própria condenação como sobre a justiça da pena aplicada.

IV -No caso dos autos, figura como acusado, como tendo sido julgado na ausência e como tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem para tal estar legalmente habilitado, o cidadão que se identificou como sendo A; todavia, noutro processo, foi julgado provado que o autor desse facto foi B que, no acto da fiscalização pela GNR e no de prestação de TIR, forneceu os elementos identificativos do seu irmão – A – vindo então a ser condenado, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, em concurso real com um crime de condenação sem habilitação legal.

V - A situação desenhada nos autos não é, materialmente, a do julgamento e condenação de duas pessoas diferentes pelos mesmos factos. Em ambos os processos, o arguido foi o cidadão B quem conduzia naquele dia, hora, local e circunstâncias o automóvel, foi ele quem foi autuado e detido por não estar legalmente habilitado a conduzi-lo, foi ele quem foi constituído arguido, foi ele quem prestou o TIR, foi ele quem foi pessoalmente notificado para comparecer para ser julgado em processo sumário, com a advertência de que o julgamento se faria mesmo que não comparecesse. Só que, então, declinou identificação que não era a sua, atribuindo a si próprio a identificação do sujeito A.

VI -Por causa deste seu procedimento, e também porque o julgamento se realizou na respectiva ausência é que os factos julgados provados e a condenação decretada foram reportados ao A que, assim, ficou a constar no processo como arguido e consequentemente, como seu sujeito.

VII - Pressuposto do recurso extraordinário de revisão é efectivamente que a sentença revidenda tenha transitado em julgado.

VIII - Saber se uma decisão judicial transitou ou não em julgado constitui questão de direito que o tribunal deve resolver, independentemente ou mesmo contra o que tiver sido eventualmente certificado.

IX - A afirmação feita pelo oficial de justiça de que determinada sentença transitou ou não transitou em julgado, sem apoio em prévia decisão judicial nesse sentido, não vale mais do que um simples juízo pessoal e, como tal, desprovido de força probatória plena, nos termos do n.º 1 do art. 371.º do CC e como questão de direito que é, pode/deve o STJ dela conhecer.

X - A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação – art. 677.º do CPC – dela tendo legitimidade para recorrer em processo penal, o MP, o arguido, o assistente, as partes civis e aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.

XI - No caso concreto, além do MP, também o cidadão nominalmente condenado e contra quem foi formalmente dirigido o procedimento criminal foi pessoalmente notificado da sentença, vindo a liquidar a multa da condenação, razão por que a pena foi declarada extinta, não tendo nenhum deles recorrido ou contestado a sentença.

XII - Destarte, a circunstância de o cidadão A, ao ser dela notificado, ter denunciado o irmão B, acusando-o de ter sido ele quem praticou os factos é circunstância inócua para o efeito. A abertura de um novo processo a partir dessa denúncia é estranha ao primeiro e, como tal, não suspendeu nem interrompeu o seu prazo para a interposição de eventual recurso.

XIII - Assim, não constando dos autos formalmente outros arguidos ou outras pessoas com legitimidade e/ou interesse em recorrer, terá de se concluir que essa sentença transitou em julgado em relação a todos os sujeitos nele formalmente envolvidos (admitindo-se que em processo sumário, quando o arguido é julgado na ausência, tendo sido advertido de que o julgamento assim se faria, como aqui aconteceu, o prazo para o recurso da sentença condenatória se conta da sua notificação pessoal e não do seu depósito – orientação jurisprudencial que não é pacífica, como se vê, por exemplo do decidido no Ac. de 17-10-2007, Proc. n.º 238/06.7).

XIV - No domínio do CPP29, a jurisprudência divergia sobre o modo de resolver os casos em que o arguido, condenado em processo penal, havia usado identificação falsa: tanto considerava que o recurso de revisão era o meio processual adequado, como entendia que a questão devia ser resolvida no âmbito do próprio processo, através do incidente a que aludia o art. 626.º desse compêndio legal. O § único do art. 626.º, introduzido pelo DL 185/72, de 31-05, veio pôr termo a essa divergência jurisprudencial, adoptando a segunda daquelas orientações.

XV - Não contendo o CPP actual disposição expressa idêntica, o STJ tem seguido esta orientação, como, se vê, por exemplo, nos Acs. STJ de 30-04-2009, Proc. n.º 243/06.3SILSB-A.S1, de 11-05-06, Proc. n.º 1171/06 e de 24-02-05, Proc. n.º 654/05, todos da 5.ª Secção.

XVI - Por outro lado, relativamente aos requisitos da sentença, o CPP actual, no seu art. 374.º, n.º 1, al.a), em vez de, como antes, exigir a identificação do arguido (nome, idade, profissão, naturalidade e residência – arts. 450.º, n.º 1 e 452.º, do CPP29), contenta-se com «as indicações tendentes à sua identificação», compreendendo-se que, a correcção desses elementos se deva fazer por via do expediente previsto no art. 380.º n.º 1, como nele, aliás, está previsto.

XVII - Mas já entendemos que não poderá ser adoptada essa via, impondo-se então o recurso de revisão (se verificados os respectivos pressupostos) quando o recorrente, mais concretamente o MP ou o assistente (cf. art. 450.º do CPP), precisamente por causa da falsa identificação, atacam a justiça da condenação porque, referida a pessoa diferente do verdadeiro arguido, relevou factos pessoais que lhe são estranhos (eventuais alibis, antecedentes criminais, percurso e modo de vida, condições pessoais, comportamento, que podem ter sido ou terão mesmo sido deturpados enquanto referidos a outra pessoa).

XVIII - No caso dos autos, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 134/08.3GBOVR-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2011
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 14 Julio 2011
    ...No sentido de que nestes casos cabe recurso de revisão já se pronunciou o STJ recentemente, nos acórdãos de 28-04-2011, proc. 25/08.8GTLRA-A.S1 e de 23-09-2010, proc. 82/08.7PFAMD-A.S1 Outra questão que suscita o actual recurso é o de saber se estamos ou não perante “novos factos” ou “novos......
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT