Acórdão nº 2340/07.9TBPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Abril de 2010

Data12 Abril 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA.

Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 412 - FLS. 17.

Área Temática: .

Sumário: I- A relação contratual estabelecida entre o emitente do cartão de crédito e o seu titular é tradicionalmente enquadrada no regime de contrato de mandato sem representação: a entidade emitente actua por conta do titular mas em nome próprio, assumindo as dívidas daquele e procedendo ao respectivo pagamento mediante a antecipação das necessárias somas, de que ulteriormente vem a ser reembolsado pelo titular.

II- O risco inerente à utilização do cartão deve ser repartido pelos seus diferentes momentos e entre cada um dos sujeitos que nela intervêm e dela retiram benefícios, levando para tanto em linha de conta o sentido da respectiva participação ao longo da actuação e desenvolvimento do mecanismo próprio do cartão de crédito.

Reclamações: Decisão Texto Integral: CartãoCred-2340-07.9TBPNF-1448-09TRP Trib Jud Penafiel - ….ºJ Proc. 2340-07.9 TBPNF Proc. 1448-09 -TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo Vasconcelos Soares Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho *** ** Acordam neste Tribunal da Relação do PortoI. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo sumário em que figuram como: - AUTOR: B…………., casado, economista, residente na Rua ………., ….. – ….ºA, 4 560 Penafiel; e - RÉ: ………… pessoa colectiva nº 500 960 046, com agência em ………, …/…., 4 560-481 Penafiel pede o Autor a condenação da Ré: - a reconhecer que nada lhe deve; - a dar sem efeito todos os montantes debitados na conta do Autor; - a retirar o nome do Autor da lista negra e a comunicar esse facto ao Banco de Portugal; - a indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais que lhe causou no montante de € 2 500,00, acrescido de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

Alega para o efeito e em síntese, que era cliente da agência de Penafiel da Ré e nessa qualidade aderiu ao cartão de crédito ……... Foi-lhe atribuído um cartão com o nº …….1052489824, que tinha a sua fotografia e a assinatura impressa, com um saldo de € 4 000,00.

Mais refere que em 18.09.2004 o cartão foi utilizado, por terceiros, sem o conhecimento do Autor, em duas transacções, na cidade de Milão, em Itália, que esgotaram o saldo do cartão.

Alega que na data em que ocorreram as transacções, o Autor encontrava-se em Itália, mas não deu pela falta do cartão, pois nem sequer o utilizou.

O Autor refere que tomou conhecimento da utilização abusiva do cartão em 20.09.2004, quando foi contactado por D………. dos Serviços Caixa Directa que o informou que o Banco tomador italiano tinha entrado em contacto com a Ré, com vista a pedir-lhe a confirmação da transferência e nessa data, quando procurou o cartão na carteira, constatou a sua falta.

A funcionária D…………. comunicou-lhe que iria dar instruções de recusa de pagamento.

Em 21 de Setembro de 2004 o Autor formalizou por escrito, a reclamação verbal apresentada, pela transacção fraudulenta com utilização do cartão de crédito e comunicou à seguradora a ocorrência, pois o cartão beneficiava de um pacote de seguros que garantia o reembolso por débitos em caso de utilização ilegítima do cartão.

Mais refere que os pagamentos foram efectivamente debitados na conta do Autor e passou a constar da lista negra do Banco de Portugal. A seguradora comunicou que não procedia ao pagamento, porque a participação tinha que ser canalizada através da Ré e a Ré não comunicou à seguradora, apesar da insistência do Autor.

Considera o Autor que por se verificarem as condições previstas na apólice, o pagamento é exigível à Ré e não ao Autor.

Alega, por fim, que a atitude da Ré tem prejudicado o Autor, pois não consegue obter crédito, por constar o seu nome da lista negra do Banco de Portugal e tal facto tem afectado o seu bom nome profissional, pois o Réu é economista e gestor de empresas. Sente-se envergonhado e desgostoso com a situação criada, o que motiva o pedido de indemnização por danos morais.

-Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação.

Alega, em síntese, que a responsabilidade pelas transacções com o cartão Gold cabe, em exclusivo, ao autor, que negligenciou a guarda do cartão, permitindo a terceiro a sua utilização abusiva.

Por outro lado, a participação à C……….. do desaparecimento do mesmo cartão ocorreu decorridas mais de 48 horas depois dessas transacções, pelo que, por força da clausula 11 apólice de seguro, a seguradora E……….. não está obrigada a indemnizar o autor, apesar da existência do contrato de seguro.

Conclui por referir que o Autor é responsável pelo pagamento do débito e juros, ascendendo o montante global em divida à quantia de € 6 617,71.

A Ré formula, ainda, o pedido de intervenção acessória da Companhia E………….., S A, ao abrigo do art. 330º CPC.

-Proferiu-se despacho que admitiu a intervenção da Companhia E…………, S A.

-Citada a interveniente, contestou fazendo seus os argumentos da Ré.

-Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, com selecção da matéria de facto, o qual foi objecto de reclamação que não foi atendida.

-Realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo.

O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 224-227.

-Proferiu-se sentença que julgou a acção provada e procedente e condenou a Ré C………, S A: - a reconhecer que o Autor não lhe deve a quantia relativa às transacções debitadas no valor de € 4 000,00 (quatro mil euro ) retirando tal débito e respectivos juros da conta do Autor; - a comunicar ao Banco de Portugal a regularização do débito e a pagar ao Autor a quantia de € 1 000,00 ( mil euro ) a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora, contados da citação e até o seu efectivo pagamento.

-A Ré C……….., S A veio interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentou a Ré-recorrente formulou as seguintes conclusões: “ 1) De acordo com a douta decisão recorrida a actuação (contratualmente) ilícita da Recorrente adviria do facto de não ter comunicado á entidade seguradora, a interveniente acessória E……….. S A, o extravio do cartão de crédito, por parte do autor, não accionando, assim, o seguro anexo a esse cartão de crédito, em que é tomador a C………., segurado o Autor e seguradora a interveniente acessória.

2) Considerou, pois, a Ex.ma Juiz a quo, que, ao abrigo desse contrato de seguro, o Autor teria direito a ser reembolsado dos valores decorrentes da utilização fraudulenta, por terceiros, do seu cartão de crédito, no montante global de 4.000,00 e que a obrigação da seguradora indemnizar o Autor exigia e pressupunha que a respectiva participação do evento ou sinistro (o furto do cartão de crédito e a sua utilização fraudulenta) fosse efectuada pela C………., tomadora de seguro.

3) Ao invés da conclusão a que chegou a Ex.ma Juiz a quo a cláusula 11ª (Gastos Abusivos) dessa apólice de contrato de seguro relativo a cartões de crédito ….. Gold, prescreve duas condições cumulativas para que se verifique a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora; que a participação do sinistro (extravio e subsequente movimentação abusiva), seja efectuada no prazo de 48 horas a contar da utilização abusiva do mesmo cartão ou do momento em que o titular tenha conhecimento dessa utilização; que as transacções cujo valor deverá ser reposto pela seguradora tenham ocorrido no prazo de 48 horas contadas até ao momento da participação.

4) Com essa dupla exigência, considerou-se que o titular do cartão depois de uma ocorrência que lhe é contratualmente censurável, ainda que com base numa presunção (ao não guardar convenientemente o seu cartão de crédito com a tal se obrigara aquando da sua atribuição) estava obrigado à celeridade na detecção e participação do extravio do cartão e impôs-se que, para beneficiar da cobertura do seguro, fosse célere na detecção do extravio, diminuindo, assim, os riscos que a seguradora iria assumir com a outorga do contrato.

5) No caso concreto, apenas se provou que a participação do sinistro ocorreu em 20 de Setembro e que em 18 desse mês ocorreram as movimentações fraudulentas do cartão, ignorando-se a hora em que ocorreram umas e outra, por não terem sequer sido alegadas pelo A, sendo que as horas em que, segundo a Ré, tais movimentações teriam ocorrido, situavam-se para além das 48 h contadas até à participação.

6 ) A alínea d) do art. 279º do CC dispõe que é havido como prazo de dois dias o designado por 48 horas.

7) Todavia, esse art. 279º deixa claro que tal critério só vale em caso de dúvida.

8) Face à redacção daquela cláusula contratual (11ª da apólice do contrato de seguro) a sua interpretação não oferece qualquer dúvida, no sentido de que o prazo de 48 horas deve ser contado literalmente ou seja, 48 horas que antecederam a participação do sinistro e não os dois dias que antecederam o dia em que ocorreu essa participação 9) Incumbia ao A a alegação e prova de que as movimentações fraudulentas de cujo valor pretende ser reembolsado ocorreram dentro das 48 h contadas até ao momento da participação, pelo que desinteressa apurar se as mesmas ocorreram nas horas indicadas pela Ré já que tais horas se situariam para além daquele período temporal 10) Assim, a recusa da C.......... em participar à Seguradora nenhum dano acarretou na esfera jurídica do Autor, pelo que inexiste qualquer fundamento para com base em responsabilidade civil seja contratual seja aquiliana se condenar a recorrente 11) Ainda que assim não fosse e, por conseguinte se considerasse que a simples participação, pelo Autor, do desaparecimento do cartão no prazo de 48 h a contar do momento do seu conhecimento implicava a obrigação da Seguradora de, á luz do contrato de seguro, reembolsar o Autor de todas as movimentações fraudulentas verificadas a partir do extravio/furto do cartão ou, pelo menos, dentro dos dois dias (das zero às 24 h) que antecederam a participação, nem assim a C.......... estaria obrigada a indemnizar o Autor pois que, por força do contrato de...

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