Acórdão nº 105/04.9TANLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução14 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado, no qual são arguidos: RR Lda, pessoa colectiva n.º …., Canas de Senhorim T, filha de A e de M nascida em .57, casada, doméstica, residente …, em Canas de Senhorim; A, filho de A e de E, nascido em ----54, casado, empregado de escritório, residente… em Canas de Senhorim; Foi proferida sentença na qual se decidiu: 1. Julgar a pronúncia improcedente, e em consequência,

  1. Declarar a extinção do procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. pelo art.º 107.º, e 105.º, n.º1, do RGIT, em virtude da descriminalização operada pela Lei 64-A/2008, de 31.12.

  2. Declarar extintas as medidas de coacção de TIR aplicadas aos arguidos T e A 2. Declarar o pedido de indemnização civil procedente, por provado e em consequência: c) Condenar os demandados RR Lda, T e A i. no pagamento do capital de €4.765,24 (quatro mil setecentos e sessenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos) à Segurança Social, demandante; ii. no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento, calculados à taxa de 1%, contados a partir do termo do prazo para a sua entrega à demandante; Inconformado, o Magistrado do Mº Pº apresenta recurso para esta Relação.

    Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso.

    1- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, concretamente da parte em o Tribunal a quo decidiu "declarar a extinção do procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107 e 105, nº 1, do RGIT, em virtude da descriminalização operada pela Lei 64-A/2008, de 31.12".

    2- O artigo 113 da Lei n.º 54-A/2008, de 31 de Dezembro, não alterou o artigo 107 do RGIT, cujo n.º 1 define (rectius, continua a definir) todos os elementos, objectivos e subjectivos, do crime de abuso de confiança contra a segurança social, sendo que a remissão que opera para o artigo 105, n.ºs 1 a 5 refere-se (rectius, continua a referir-se) somente às penas aplicáveis.

    3- Assim, a interpretação segundo a qual o limite de €7.500,00, previsto no n.º 1 do artigo 105 do RGIT para a incriminação da conduta aí prevista, aplica-se também ao crime de abuso de confiança contra a segurança social é uma interpretação contra legem.

    4- A favor dessa interpretação não procede o argumento da similitude dos regimes das infracções fiscais e das infracções contra a segurança social, não só porque não encontra sustentação na letra da lei, mas ainda porque essa similitude não é plena, não impondo, desta forma, que os crimes em apreço, que são autónomos, sejam tratados de forma idêntica.

    5- O tratamento diferenciado do crime de abuso de confiança em relação à segurança social relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal não viola o princípio da igualdade, já que as incriminações em causa protegem bens jurídicos distintos, sendo que, em cada momento, a necessidade de tutela dos mesmos pode fazer-se sentir com maior ou menor intensidade, justificando, assim uma solução diferenciada para cada uma das situações.

    6- Desta forma, o Tribunal a quo, ao proferir a decisão citada na conclusão 1, violou o disposto no artigo 113, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, bem como o disposto no artigo 107, do RGIT.

    Deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser substituída por outra que condene os arguidos pela prática dos crimes por que foram julgados.

    Respondem os arguidos T e A, concluindo: 1- A Senhora Juiz andou bem no que concerne à fundamentação de direito.

    2- Andou igualmente bem ao decidir pela descriminalização da conduta pela qual os arguidos foram julgados.

    3- Da prova produzida e registada em sistema áudio resulta que a gerência da empresa e bem assim a sua administração e a gestão de pagamentos não esteve adstrita à arguida T, no período a que os autos se reportam, nem noutro qualquer.

    4- Resulta outrossim que a respondente T nunca exerceu a gerência de facto, só ou juntamente com o arguido A.

    5- Mais resulta que os aqui respondentes não ficaram com os meios de pagamento destinados à Segurança Social, como não os utilizaram em proveito próprio nem os integraram no seu património.

    6- Resulta ainda que os aqui respondentes não tinham conhecimento da existência das dívidas à Segurança Social, nem da obrigação legal da sua entrega.

    7- Como resulta que os aqui respondentes não gastaram nem utilizaram em seu proveito próprio os montantes que pertenciam à Segurança Social, nem quiseram obter como efectivamente não obtiveram qualquer benefício que lhe era vedado por lei.

    8- Assim como resulta que os aqui respondentes não agiram de forma deliberada livre e consciente, no seu próprio interesse nem no da sociedade RR Ldª, nem procuraram nem conseguiram obter enriquecimento indevido à custa da Segurança Social.

    Deve ser confirmada a douta sentença recorrida.

    Quando assim não se entenda, deve ser dada como não provada a factualidade vertida nos pontos 2, 3, 8, 9, 11 e 12 de C. MOTIVAÇÃO e, em consequência, serem os aqui respondentes absolvidos da prática dos crimes pelos quais vinham acusados.

    Responde a arguida RR, Lda, concluindo:

    1. A SENTENÇA RECORRIDA FEZ UMA CORRECTA E CRITICA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LEI, DEVENDO MANTER-SE A NÃO CONDENAÇÃO DA AQUI ARGUIDA; B) A SENTENÇA CONTEM UMA EXAUSTIVA E CRITERIOSA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO, DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA EM RELAÇÃO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA; C) O TRIBUNAL ABORDOU DE FORMA CRITICA AS VÁRIAS TESES QUE SÃO DEFENDIDAS PARA ESTE TIPO DE FACTUALIDADE, E CONCLUIU DE FORMA JUSTA PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA; D) O TRATAMENTO QUE AO LONGO DOS ANOS TEM SIDO FEITO PELO LEGISLADOR DE FORMA EQUILIBRADA E IGUALITÁRIA EM RELAÇÃO AOS FACTOS QUE PREENCHEM OS DOIS TIPOS DE CRIME EM ANALISE E A LIGAÇÃO QUE SEMPRE FOI FEITA DE UM PRECEITO COM O OUTRO, CONDUZ À DECISÃO TAL COMO FOI TOMADA; E) NENHUMA RAZÃO HÁ QUE JUSTIFIQUE UM DIFERENTE TRATAMENTO A DAR AOS VALORES DAS CONTRIBUIÇÕES/ DOS IMPOSTOS EM FALTA NO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA À SEGURANÇA SOCIAL E DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL; F) OS BENS E INTERESSES PROTEGIDOS COM AQUELES DOIS PRECEITOS SÃO OS MESMOS E COMO TAL DEVEM SER IGUALMENTE TRATADOS; G) A DESCRIMINALIZAÇÃO OPERADA PARA O CASO DO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL TEM DE SE CONSIDERAR POR RAZÕES DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO E DE RACIONALIDADE DO MESMO MODO PARA O CRIME DE ABUSO CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL; H) O LEGISLADOR ASSIM O QUIS E TAL RESULTA DA PRÓPRIA RATIO LEGIS DA ALTERAÇÃO DO PRECEITO QUE TEM DE SER INTERPRETADO DE FORMA EXTENSIVA E APLICADO TAMBÉM AO TIPO DE CRIME EM APRECIAÇÃO NOS AUTOS; I) ALIÁS A PRÓPRIA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E ESTUDOS QUE TÊM VINDO A DESENVOLVER-SE APONTAM PRECISAMENTE NO SENTIDO DE UMA CADA VEZ MAIOR E MAIS EXTENSIVA DESCRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS DESTE TIPO - E MAIS CEDO OU MAIS TARDE TAL DESCRIMINALIZAÇÃO VAI TER LUGAR INDEPENDENTEMENTE DO VALOR DE CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS, PASSANDO A TRATAR-SE TODO ESTE COMPORTAMENTO E AINDA QUE DE VALOR SUPERIOR AO HOJE INDICADO NA LEI COMO CONTRA-ORDENAÇÃO E NÃO EM CASO ALGUM COMO CONDUTA CRIMINOSA; J) lN CASU, A RECORRIDA CONSIDERA QUE BEM ANDOU A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO AO CONSIDERAR QUE A CONDUTA DA ARGUIDA ESTAVA COMO ESTÁ DESCRIMINALIZADA E ASSIM DECLARANDO EXTINTO O PROCEDIMENTO CRIMINAL.

    DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E MANTER-SE A DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.

    Nesta Relação, a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    Foi cumprido o art. 417 do CPP.

    Não foi apresentada resposta.

    Colheram-se os vistos e foi realizada a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    *** É a seguinte a matéria de facto apurada e a fundamentação de direito: A. FACTOS PROVADOS Com interesse para a boa decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. A RR Lda” é uma sociedade por quotas, que iniciou a sua actividade em 04.03.91, dedicando-se à actividade de construção civil e à compra e venda de propriedades.

    1. A gerência da sociedade durante o período contributivo compreendido entre os meses de Novembro de 2001 a Junho de 2004, esteve adstrita à arguida T, incumbindo-lhe a administração da empresa e a gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social.

    2. O arguido A, durante o período contributivo referido, exerceu a gerência de facto, juntamente com a arguida T.

    3. Como firma empregadora de pessoal assalariado a arguida “RR Lda” era obrigada a entregar à Segurança Social as folhas de remunerações pagas no mês anterior aos trabalhadores ao seu serviço, com indicação dos tempos de trabalho prestado e das remunerações processadas, devendo, e para tanto na altura desse pagamento proceder ao desconto prévio dos valores devidos à Segurança Social, na percentagem de 11 e 10% da retribuição que constitui base de incidência constitutiva em relação, respectivamente, aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários da sociedade.

    4. O Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, delegação de Viseu, Serviços de Inspecção, procedeu a uma fiscalização mediante análise dos dados contabilísticos, verificando que os arguidos, não obstante terem deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas, no valor global de €4.765,24 (quatro mil setecentos e sessenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), correspondente aos salários pagos a estes no período compreendido entre Novembro de 2001 e Junho de 2004, não efectuaram, até à data, a sua entrega nos serviços da Segurança Social.

    5. Assim, os arguidos deveriam ter entregue e não entregaram: a) a quantia de €28,68 referente às contribuições do salário do gerente e a quantia de €108,16 referente às contribuições dos salários pagos aos trabalhadores, relativas a Novembro de 2001.

  3. a quantia de €43,02 referente às contribuições do salário...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT