Acórdão nº 2521/03.4TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução15 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1.Celebrado um contrato complexo de prestação de serviços – envolvendo , de um lado, a utilização de estruturas urbanísticas por um dos contraentes e, por outro, a prestação de serviços de vigilância e segurança – e tendo sido transferidas tais tarefas para entidades perfeitamente diferenciadas – as primeiras, para empresa pública municipal, as segundas para outra sociedade, mediante cessão parcial da posição contratual – está irremediavelmente prejudicada qualquer possível incindibilidade da originária relação contratual, em que se pudesse fundar a impossibilidade de denúncia do módulo contratual referente à prestação de serviços de segurança, sem concomitante denúncia do núcleo contratual essencial, reportado à utilização de infra-estruturas urbanísticas.

  1. É lícita a denúncia do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância celebrado por período temporalmente indeterminado, de modo a respeitar a liberdade contratual dos outorgantes, incompatível com uma vinculação perpétua, desde que se mostre respeitado o prazo razoável para a produção de efeitos do pré-aviso, endereçado por um dos contraentes ao outro.

  2. Não pode considerar-se celebrado também no interesse do prestador de serviços e de terceiro - para o efeito de impossibilitar o exercício do direito de denúncia, nos termos previstos no art.1170, nº2, do CC - o contrato oneroso de prestação de serviços, apenas pela circunstância de o interessado invocar, em termos genéricos, que os padrões de homogeneidade e qualidade urbanística que devem caracterizar os empreendimentos em causa, apesar da sua autonomia, impõem a prestação de serviços de segurança e vigilância por parte de uma mesma empresa.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA – Prevenção e Segurança, Lda intentou contra BB – Sociedade de Desenvolvimento Turístico, SA , acção condenatória, na forma ordinária, alegando ter prestado, no âmbito da sua actividade comercial, serviços de segurança à R. que por ela não foram pagos , peticionando a quantia de €87.989,17 e respectivos juros.

    A R. contestou, invocando, desde logo, ter denunciado o contrato existente com a A. em 9/6/03, dando-lhe o prazo de 60 dias para operar a produção de efeitos da denúncia, tendo a A., na réplica, ampliado o pedido e a causa de pedir: sustenta, no essencial, a inadmissibilidade da denúncia do contrato em causa, já que o mesmo , ao reportar-se à prestação de serviços de segurança, no interesse não apenas da R. , mas de todo o empreendimento denominado Q.....do L ...., faria parte do originário contrato de utilização de infra-estruturas, celebrado anteriormente à cessão da posição contratual a favor da A., no concernente à prestação de serviços de segurança, sendo consequentemente inadmissível a denúncia, meramente parcial, da relação originária, complexa, unitária e incindível.

    Após saneamento e condensação do processo e julgamento, foi proferida sentença em que se julgou parcialmente procedente a acção: considerando lícita a denúncia do contrato, mas entendendo que o prazo razoável para esta operar os seus efeitos seria o termo do ano em curso, condenou a R. a pagar as facturas que correspondiam aos serviços prestados nesse período temporal, absolvendo-a dos demais pedidos formulados.

    Inconformada, apelou a A. para a Relação que, todavia, confirmou inteiramente, por mera remissão, o essencial da decisão de 1ª instância, apenas a modificando no que diz respeito à taxa aplicável aos juros moratórios devidos.

  3. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista que a A. encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe definem o objecto: A. Considera a Recorrente que não existe qualquer contrato autónomo entre a Recorrente e Recorrida, passível de ser denunciado, mas apenas uma cessão parcial da posição contratual do «Contrato de Utilização de Infra-estruturas», celebrado com a Q.....do L ...., S.A: B. A cessão de posição contratual consiste, apenas, numa modificação subjectiva de um contrato existente, não operando qualquer modificação objectiva do mesmo, pelo que não se traduz numa relação jurídica autónoma, contrariamente àquilo que o tribunal recorrido pretende; C. Admitir que a cessão de posição contratual pode dar origem a uma renovação contratual é compactuar com uma verdadeira contradictio in terminis, na medida em que se o que é cedido são direitos e obrigações de um contrato existente, será uma contradição afirmar que, com essa cedência se constituem prestações novas e totalmente independentes das primeiras; D. Assim, não poderia a cessão da posição contratual ser denunciada, sem que o tivesse sido o «Contrato de Utilização de Infra-estruturas», por aquela cessão não ter qualquer autonomia contratual e estar intrinsecamente ligada ao “Contrato de Utilização de Infra-estruturas”; E. Certo é que, em momento algum, manifestou a Recorrida a intenção de denunciar os restantes serviços previstos no «Contrato de Utilização de Infra-estruturas»; F. Ainda que assim não se entendesse, teria sempre de ser reconhecido estarmos na presença de uma união de contratos entre ambos, estando tais contratos interligados, com uma total dependência; G. Os serviços de segurança e vigilância apenas foram prestados à Recorrida porque a mesma contratou não apenas esses serviços, mas outros que constavam do «Contrato de Utilização de Infra-estruturas», tendo esta relação base o objectivo de garantir a unidade, homogeneidade e qualidade dos empreendimentos que viessem a ser integrados, de uma perspectiva toponímica, na urbanização da Q.....do L .....

    H. Ao ter cedido parcialmente a sua posição num serviço do «Contrato de Utilização de Infra-estruturas», a Q.....do L ...., S.A. não pretendeu separar qualquer contrato daquele inicialmente celebrado: apenas e tão-só criou empresas subsidiárias que se dedicassem a determinados serviços com vista a continuar com os objectivos previstos no contrato inicial; I. Pelo que o «Contrato de Cessão Parcial de Posição Contratual» e o «Contrato de Utilização de Infra-estruturas» se encontravam estruturalmente interligados entre si, numa união de contratos, o que vedaria à Recorrida a possibilidade de proceder unicamente à denúncia do contrato com a Recorrente, pelo que tal denuncia seria sempre inválida e ineficaz.

    J. Sem prejuízo do exposto supra, o caso sub iudice é precisamente um dos casos em que não deverá ser aceite a denúncia por via unilateral de uma das partes, ao abrigo do disposto no artigo 1170º, nº 2, aplicável ex vi artigo 1156º, ambos do CC, por o mesmo ter sido feito igualmente no interesse da Recorrente e, em particular, de terceiros (tais como a Q.....do L ...., S.A.); K. Como resulta dos factos provados, a prestação de serviços encontrava-se em linha com o conceito da Q.....do L .... enquanto unidade funcional, pretendendo salvaguardar a homogeneidade da qualidade do empreendimento.

    L. A celebração do “Contrato de Utilização de Infra-Estruturas” teve em vista garantir a uniformidade, homogeneidade e tratamento unitário do perímetro da urbanização da Q.....do L ...., características que permitiram e continuam a assegurar o prestígio e qualidade associadas à mesma.

    M. O vínculo contratual entre as partes não se reporta apenas a uma prestação de serviços, onde a contraprestação da Recorrente é unicamente a remuneração ou uma vantagem patrimonial. O mesmo mas tinha em vista uma outra relação mais abrangente entre Recorrente, a Recorrida e a Q.....do L ...., S.A, que partia da inserção da Recorrida no perímetro da Q.....do L .... e do aproveitamento, por parte desta, das qualidades e prestígio com ele associadas; N. A Recorrida, ao publicitar o seu empreendimento como parte integrante da Q.....do L ...., beneficiou desse enquadramento, do prestígio associado ao local, o qual foi conseguido à custa da qualidade dos serviços e das infra-estruturas acessórias, e da segurança das áreas envolventes; O. A continuação da prestação dos serviços de segurança por uma empresa do seu grupo, é condição do direito da Q.....do L .... a manter a sua imagem de prestígio e qualidade, conseguida à custa do tratamento unitário e uniforme dos serviços prestados no âmbito do perímetro da Q.....do L ....; P. Foi isso que determinou a celebração do “Contrato de Utilização de Infra-Estruturas” e é isso que continua a justificar que os serviços de segurança, tal como os restantes serviços previstos naquele contrato e que não são postos em causa pela Recorrida, continuem a ser prestados pela mesma entidade; Q. É inaceitável que a Recorrida tenha beneficiado dos serviços enquanto deles necessitou para criar em terceiros uma imagem de homogeneidade e continuidade face à urbanização da Q.....do L .... e agora, após ter-se tornado irreversível o seu reconhecimento público como empreendimento integrante da Q.....do L ...., se venha desvincular dos mesmos, pondo em causa a unidade, homogeneidade e uniformidade que foram essenciais na criação da imagem de prestígio do perímetro da Q.....do L ....; R. Mais ainda, quando essa desvinculação não será reconhecida nem compreendida pelo público, uma vez que, hoje em dia, o público não distinguirá a autonomia da Urbanização BB face à urbanização da Q.....do L ....; S. Ora, a obrigação assumida pela Q.....do L ...., SA de integração da Recorrida no empreendimento da Q.....do L ...., SA, não pode, atenta a sua natureza, ser denunciada ou terminada; T. A Recorrida não podia, assim, denunciar a prestação de serviços de segurança e vigilância, por tal contrato fazer parte de um contrato base que contém prestações que, elas próprias, também não podem ser denunciadas pela Q.....do L ...., SA.

    U. Ora, no limite, não pode aceitar-se que a Recorrida se possa abster de cumprir as suas obrigações, quando a contraparte não pode fazer terminar as suas contraprestações; V. Mesmo que não se considerasse que o contrato tinha sido celebrado no...

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