Acórdão nº 0751/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Abril de 2010
Magistrado Responsável | EDMUNDO MOSCOSO |
Data da Resolução | 14 de Abril de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA PRIMEIRA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA (2ª Subsecção): 1 – C… e sua filha D…, interpuseram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, acção com processo ordinário contra o B’…, hoje B… pedindo, com fundamento em deficiente prestação de serviços médicos, a condenação do R. no pagamento aos autores do montante de 35.350.000$$00 (176.325,056 €), por todos os danos sofridos com a morte da esposa do A. e mãe da A., bem como com a morte do feto de que estava grávida.
+ 2 – Por despacho proferido a fls. 709/710, foi julgada improcedente a excepção da prescrição pelo que e inconformado com tal decisão dela veio o B’… interpor recurso jurisdicional (fls. 711 - vol. III), tendo, em sede de alegações, no que respeita à prescrição, formulado as seguintes CONCLUSÕES (fl. 780/786): I - No que concerne à prescrição do direito à indemnização, tendo os factos de que emerge o eventual direito dos AA. ocorrido em 27 de Junho de 1992, só em 16 de Dezembro de 1999 fizeram entrar a acção em tribunal, portanto decorridos muito mais de três anos.
II – Mesmo que se entendesse que o pedido cível contra o recorrente podia ser feito na acção penal, o certo é que os assistentes, tendo deduzido esse pedido cível, não o fizeram contra o recorrente o que implicou a sua caducidade.
III – Mas, mesmo que tal não se entendesse, tendo as partes sido remetidas para os meios comuns, em 2 de Julho de 1996, só apresentaram o pedido cível neste Tribunal, no dia 16 de Dezembro de 1999, estando por isso já prescrito o eventual direito à indemnização reclamada.
IV – Pelas razões apontadas, a douta decisão recorrida, violou o disposto nos artº 26º, 30º, 31º, 325º, 326º, 329º nº 2, 664º, 666º, 668º nº 1 al. c) e d), 671º e 672º todos do Cód. Proc. Civil; artº 2º nº 2, do DL 48.051; 498º do Cód. Civil; artº 22º e 471º nº 4 da CRP e artº 77º do Cód. Proc. Penal.
Termos em que a decisão deve ser revogada e substituída por outra que declare extinto o direito à indemnização reclamada pelos AA.
2.1 – No que respeita ao aludido recurso, não foram apresentadas contra-alegações.
+ 3 – Por sentença de 29 de Novembro de 2006 (fls. 1848/1885), o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, julgou a acção parcialmente procedente e em conformidade condenou o “B… a pagar aos AA. a título de indemnização, os seguintes montantes: - Ao A. C…, pelo dano da perda da vida da grávida, 20.000€ (40.000€: 2); a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4; - À A. D…, pelo dano moral da perda da vida da grávida 20.000€ (40.000€ : 2); a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4; - Ao A. C… , pelo dano moral do sofrimento da E… anterior à sua morte, 5.000€ (10.000€ : 2); a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8. 4; - À A. D…, pelo dano moral do sofrimento da E…é anterior à sua morte, 5.000€ (10.000€:2); a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4; - Ao A. C…, pelo dano do sofrimento decorrente da morte do seu cônjuge, 25.000€; a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4; - À A. D…, pelo dano moral do sofrimento decorrente da morte da sua mãe, 20.000€; a este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4 (...)“.
- Ao C…, pelas despesas do funeral, 1.745,79 Euros. A este montante acrescem juros de mora desde a data da citação (22.12.1999) de acordo com as taxas fixadas pelas Portarias 263/99 de 12.4, e n° 291/2003 de 8.4“.
- Ao A. pela perda da ajuda mensal dada pela mãe para o sustento da filha, 11.536,00 Euros”.
3.1 – Não se conformando com tal decisão, dele veio o B…, interpor recurso jurisdicional que dirigiu a este STA tendo, em sede de alegações (fls. 1910/1938), formulado as seguintes CONCLUSÕES:
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As respostas à matéria de facto que ficou evidenciada não são sustentadas pela prova produzida nos autos, devendo, por isso, ser alteradas segundo a versão proposta.
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A falecida foi acompanhada durante a gravidez pelo seu médico assistente.
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Foi internada com o tempo de gestação de 36 semanas e 4 dias, apresentando um quadro clínico de dores abdominais e ameaça de parto, tendo vomitado antes.
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Trazia consigo os exames que lhe haviam sido prescritos pelo seu médico assistente, mas não trazia qualquer recomendação do mesmo.
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Sendo observada pelo médico que a atendeu no Serviço de Urgência, a quem facultou os exames que trazia consigo este, face aos sintomas, ordenou o internamento em Unidade de Risco para grávidas e prescreveu-lhe os exames e medicação que, acrescidas àqueles que trazia consigo, eram os necessários ao controle da sua situação clínica.
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Porque já vinha medicada com “Dilum-Retard”, cuja função é evitar as contracções uterinas, tal medicamento foi substituído por ”Prepar” cuja função é idêntica.
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Como vomitasse por três vezes, entre as 22 horas do dia 17 e as 8 horas e 30 minutos do dia 18, foi-lhe administrado um comprimido de "Gelomina" e outro de “Pepsamar”, para conter os vómitos.
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Como voltasse a vomitar pelas 14 horas e 45 minutos do dia 18, foi-lhe prescrito “Buscopan” e Primperan” para conter os vómitos, o mesmo acontecendo pelas 17 horas desse mesmo dia.
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Enquanto esteve internada, foi assistida e medicada adequadamente e em tempo útil; j) Pese embora o tempo de gravidez, segundo a prática seguida pelos médicos que a assistiram, além de outros, o parto devia ocorrer apenas quando estivesse completo o tempo de gestação.
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A idade e saúde da parturiente não sugeriam outros cuidados, para além dos que foram prestados.
1) Tendo o exame cardiotocográfico efectuado a partir das 7 horas e 45 minutos do dia 19, revelado taquissistolia e sofrimento fetal, foi decidida cesariana que teve lugar pelas 9 horas.
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Até ser conhecido o resultado desse exame, não foram revelados sinais preocupantes, sendo certo que pelas 7 horas e 30 minutos, desse dia, se deslocou pelos seus próprios meios à casa de banho para fazer a sua higiene diária.
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Quando entrou no Bloco Operatório, os sinais vitais que apresentava foram considerados normais, e mostrava-se calma.
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Só expeliu vómitos identificados como fecalóides quando foi entubada no Bloco Operatório.
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Após intervenção cirúrgica em que foi extraído o feto morto, apresentou 40,5 graus de febre e coma profundo de que nunca mais recuperou.
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Não foi apurada em que medida a anestesia e os produtos administrados e a própria intervenção cirúrgica poderiam ter contribuído para tal situação.
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A parésia intestinal que terá estado na origem dos vómitos fecalóides, pode ter várias origens quer de ordem mecânica quer funcional.
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O vómito fecalóide, sendo persistente, tem como efeito a desidratação que deverá ser compensada mediante a aplicação de soro.
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A falecida esteve sempre a soro durante o internamento e, quando lhe foi reposta a volémia, após a intervenção cirúrgica, apresentava uma perda de líquido de apenas cinco por cento, pelo que não estava desidratada.
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Sendo a parésia intestinal atribuída a reacção adversa aos medicamentos “Prepar” “Primperan” e “ Buscopan”, os vómitos que apresentou antes de os tomar, se tal acontecesse, teriam necessariamente outra origem.
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Os medicamentos referidos não eram susceptíveis de provocar parésia intestinal e, mesmo que tal acontecesse, é evidente que tal não poderia acontecer antes de serem administrados.
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A prova produzida, conduziria a dois tipos de vómitos como sejam aqueles que ocorreram antes da medicação e os que tiveram lugar depois dela, quando a sentença perfilha um processo evolutivo que culminou nos vómitos fecalóides.
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Sendo a morte atribuída a “Sépsis” não foi identificada a razão que lhe esteve subjacente, sendo certo que a parésia intestinal não tipifica um quadro clínico de “Sépsis”.
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De resto, outras razões conhecidas poderiam estar na origem da mesma, como os miomas que tinha no útero e uma possível reacção à anestesia e intervenção cirúrgica, não sendo também avaliado, o período em que a falecida esteve medicada com “Dilum-Retard”, cujos efeitos são semelhantes ao “Prepar”.
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Não ficou determinada a causa da morte do feto.
a
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A indemnização por danos materiais e não materiais é manifestamente excessiva.
bb) A responsabilidade da R. implica necessariamente a responsabilidade dos chamados.
cc) A douta sentença viola o disposto nos art°s 483°, 486°, 487°, 495°, 496° e 500º, do Cód. Civil, e art°s 22° e 271°, da C.R.P., na parte em que derrogaram o disposto no art° 2° (in fine) do Dec. Lei 48.051, de 21/11/1967, e ainda os art° 149°, n° 3, do Cód. Proc. Trib. Adm., e art° 668°, n° 1, als. c) e d), do Cód. Proc. Civil.
3.2 – Contra-alegando (fls. 2007/2022) os AA. (recorridos) formularam as seguintes CONCLUSÕES: I - As respostas à matéria de facto estão correctamente dadas.
II - A falecida E… no momento do internamento não se encontrava em trabalho de parto.
III - Não existe explicação científica médica para a administração do medicamento “Trepar” e restantes que causaram efeitos adversos.
IV - Tal medicação interferiu com o normal funcionamento do intestino delgado.
V - Tal interferência gerou parésia intestinal e vómitos fecalóides.
VI - Para a ciência médica o início do trabalho de parto às 36 semanas e 4 dias não pode ser inibida com medicação.
VII - Os médicos e funcionários do Recorrente não praticaram actos médicos tendo em vista diagnosticar as causas das dores abdominais, vómitos repetitivos, vómitos escuros e todo o quadro de degradação da...
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