Acórdão nº 462/06.2TBTNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCEC
Data da Resolução16 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório.

A...

e mulher, B....

, residentes na ...., intentaram contra C...

e mulher, D....

, residentes na ...., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário pedindo: - o encerramento do estabelecimento de café X...., ou, subsidiariamente, a realização das obras necessárias ao isolamento acústico e vibrátil do estabelecimento, exaustão dos cheiros emitidos e substituição das portas da casa de banho e cadeiras; - a sua condenação a respeitar o horário de funcionamento do café das 10 às 21 horas, abstendo-se de qualquer actividade fora desse período; - a sua condenação a pagar-lhes indemnização pelos danos não patrimoniais, no valor de 7.500,00 euros para o marido e no valor de 15.000,00 euros para a mulher e a esta, ainda, no que se liquidar em execução de sentença e a uma indemnização de 289,92 euros a título de danos patrimoniais e no mais que se liquidar em execução de sentença.

Alegam para tanto que são donos da fracção autónoma constituída por 1º andar direito, destinado a habitação, composto de 4 divisões assoalhadas, uma cozinha, duas casas de banho, um hall e uma varanda, com a área útil de 108,60 m2, do prédio urbano, sito na .., descrito na matriz sob o artigo 1.268º e inscrito no registo predial a seu favor sob a descrição 465, ap. G-2. Fracção que compraram para nela habitarem e nela habitam desde 8 de Dezembro de 2000 até à presente data. No rés-do-chão desse edifício exploram os réus um café, onde se produzem ruídos que impedem que os autores de dormir, repousar e viver tranquilamente. Aqueles ruídos causam à autora mulher grande transtorno. Juntaram documentos.

* Contestaram os réus excepcionando a sua ilegitimidade, porquanto o café é explorado pela sociedade “Café X...., Sociedade Unipessoal, Lda.”, em nome da qual o estabelecimento se encontra licenciado. A circunstância de os dois estarem no estabelecimento resulta dele ser o único sócio e ela ser funcionária. Em Junho de 2003, realizada uma avaliação ao ruído resultante do café, concluiu-se que os ruídos não excediam os limites legais. Ainda assim foram efectuadas algumas obras de isolamento, que especificaram, e a porta da casa de banho agora só funciona com um dos lados. Opõem que os autores têm na varanda da sua fracção, a escassos centímetros da janela do seu quarto, um aparelho de ar condicionado e com o qual se não incomodam. Não confeccionam quaisquer refeições no café, ressalvados alguns dias do ano de 2002. Impugnaram a pretensão indemnizatória dos autores.

Juntaram documentos.

* Os autores replicaram defendendo a improcedência da arguida ilegitimidade, ao contraporem que os gerentes respondem nos termos gerais para com terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.

* Realizada a audiência preliminar, foi saneado o processo e julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva. Seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, sem reclamação, procedeu-se à instrução dos autos com a realização de perícia colegial.

* Os autores deduziram incidente de intervenção principal provocada da sociedade “Café A X..., Unipessoal, Lda.”, E...

e esposa, F....

, alegando que, na pendência da acção, os demandados deixaram de explorar o café e o réu marido cedeu a sua quota a terceiros. Mais alegaram que, na sessão da audiência de julgamento marcada para 13 de Junho de 2008, o proprietário do imóvel, o chamado E...., mostrou disponibilidade para levar a cabo as obras necessárias ao isolamento, e o seu chamamento e da sociedade impunha-se para que a decisão produza o seu efeito útil normal.

Os réus propugnaram pelo indeferimento do incidente.

Incidente que foi rejeitado liminarmente.

* Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto sem reclamação, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação e, circunscrevendo as alegações, apresentaram as conclusões subsequentes: 1. O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei, ao decidir a presente acção com base no D.L. 292/00, de 14 de Novembro, quando deveria ter considerado designadamente os arts. 25° da C.R.P., 70° e 483° do C.C.

2. Os direitos dos autores recorrentes ao repouso, à tranquilidade, ao sono e ao silêncio são direitos de personalidade.

3. Ao considerar indispensável para a procedência da acção “a prova de que o ruído provocado por aquelas fontes era superior ao permitido por lei”, a decisão recorrida ignora que os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, tendo-se por consubstanciada a gravidade do dano.

4. A actividade comercial exercida pelos réus recorridos não estava licenciada pela Câmara Municipal, mas ainda que estivesse, e na esteira do que vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores, designadamente os Ac. do S.T.J. de 06/05/1998 e o Ac. deste Tribunal da Relação de 16/05/2005, tal não afastaria o carácter ilícito do ofensa e nem assim o facto de a emissão de ruído estar contida nos limites legalmente fixados.

5. Em face dos factos provados, nomeadamente nas alíneas: 0) - A laboração diária do estabelecimento referido em 1) produz barulhos, que se propagam ao interior do prédio referido em A), onde são audíveis.

R) - Esses barulhos provêm essencialmente da cortina eléctrica colocada no porta de entrada do estabelecimento, do bater do manípulo da máquina de café e das máquinas flippers instaladas no estabelecimento.

T) - O arrastar das cadeiras também provoca ruído.

U) - As vozes dos clientes “ X...”", quando em quantidades elevadas, também provocam ruído e V) - O exaustor quando ligado, provoca ruído da ordem dos 34,5 dB(A) no interior do apartamento; não pode deixar de se concluir que os réus provocam efeitos nocivos.

6. E, atentos os danos causados aos autores recorrentes, que comprovadamente aqueles ruídos provocam: Z) - O barulho proveniente do estabelecimento “ X...” causa à autora transtorno.

AA) - A autora sofre de um quadro depressivo.

AS) - Em consequência dos barulhos provenientes do estabelecimento referido em 1), os autores andam incomodados.

AC) - Quando a autora anda mais nervosa por causa dos barulhos vai dormir a casa de pessoas amigas.

AD) - A autora chegou a dormir em casa de uma irmã; dúvidas não subsistem acerca da sua elevada gravidade, que justifica a tutela do direito.

7. A violação dos direitos de personalidade dos autores, pelos réus, não estava a coberto de qualquer licença camarária, era injustificada e ultrapassava largamente os limites do socialmente tolerável.

8. É devida uma indemnização por danos morais aos autores, que deverá ser fixada equitativamente, e não segundo critérios de simbolismo ou miserabilistas.

9. Deverá igualmente ser ordenado o isolamento do estabelecimento comercial dos réus, de onde provêm os ruídos, uma vez que os direitos de personalidade dos autores são violados pelo não direito dos réus.

10. Em suma, não se aceita a decisão recorrida, por frontalmente se discordar da exigência de prova de que os ruídos ultrapassaram determinado número de decibéis, para que os ofendidos adquiram o direito à tutela da sua personalidade.

11. A Constituição e a Lei não fazem depender a protecção dos direitos fundamentais de uma violação com grau ou intensidade preestabelecida. Basta o critério da gravidade, e esse, nos autos, está sobejamente preenchido.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso.

* Contra-alegaram os réus defendendo a improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões: 1. Deve ser mantida a sentença, não reconhecendo os argumentos aduzidos nessas mesmas alegações pelos motivos, entre outros, certamente considerados, que infra se discriminam.

2. Com a entrada em vigor do Decreto–Lei nº 292/2000 de 14 de Novembro, pretendeu o legislador enquadrar e dar resposta ao problema da poluição sonora, alargando o seu âmbito de aplicação, designadamente, por via da regulação do ruído de vizinhança, que constituiu uma inovação em relação ao regime anterior, verificando o aumento de casos análogos ao que se discute nos presentes autos.

3. Pelo que é de toda a pertinência a aplicação daquele diploma ao caso em apreço e nos moldes em que é feito, não recaindo, no entender dos recorridos, qualquer tipo de censura sobre o texto recorrido, aliás douto. Sem prescindir; 4. Foi dado como provado – cfr. resposta ao quesito 34º da base instrutória – que “O estabelecimento referido em 1) é explorado por uma sociedade comercial denominada “Café X..., Unipessoal, L.da” – cfr. resposta q. 34 a fls 8 da sentença.

5. E portanto, os réus recorrentes, não exploraram nem exploram o café, não laboravam sem a necessária licença, não persistiram em violar o direito ao repouso, ao sono e tranquilidade dos autores e muito menos a sua actividade provoca qualquer ruído.

6. Daí a invocada ilegitimidade e, por isso, nenhuma responsabilidade individual lhes pode ser imputada. Ainda assim; 7. O café tinha licença emitida pela entidade competente para o efeito, e o processo de contra-ordenação foi instaurado à sobredita sociedade, conforme resulta dos documentos juntos aos autos e da al. G) dos factos dados como provados, sendo certo, que as condições de licenciamento sofreram significativas alterações com a entrada em vigor do referido Decreto – Lei nº 292/2000 de 14 de Novembro.

8. O que a Câmara Municipal de ...fez, foi avaliar as circunstâncias em função das novas normas em vigor. Mais; 9. Os recorrentes lançam mão do processo de contra-ordenação instaurado pela Câmara Municipal de ...– Proc. nº1.469/2001 – para vincarem a ausência de licença, no entanto, mais uma vez esquecem que os relatórios de avaliação acústica efectuados, tiveram como referência os valores constantes no DL nº9/2007 de 17 de Janeiro que veio alterar o DL nº292/2000 de 14 de Novembro, cuja aplicação ao caso em apreço motivou o recurso interposto.

10. E o mesmo se...

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