Acórdão nº 109/2002.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: 13-04-2010 Indicações Eventuais: WWW.DGSI.PT Doutrina: - Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, 72; - Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l-571; -Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, págs. 183, 501.

Legislação Nacional: - ARTIGOS 236º, Nº1, E 238º, 483º, Nº1, 487º, 496º, 497º, N.º1, 500º, 524º, 566º,Nº3, 661º 799º,N.º1, 1207º , 1208.º, 1348º, DO CÓDIGO CIVIL. Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 1.7.2003 – RELATOR AZEVEDO RAMOS; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA– RELATOR ARAÚJO DE BARROS – DE DE 25.2.2002; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RELATOR SALVADOR DA COSTA; DE 12.6.2003; - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RELATOR NUNO CAMEIRA – DE 10.1.2006, TODOS ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT. - ACÓRDÃO DE 25.3.2003, IN CJSTJ, ANO XXVII, TOMO I, PÁG.140 (ITEM, III DO SUMÁRIO); - ACÓRDÃO DE 17.6.2008 – PROC. 08A1700 – IN WWW.DGSI.PT ; Sumário : I) - Assumindo a seguradora da sociedade empreiteira de obra de construção civil, o risco inerente às obras de construção, que implicavam, além de demolições, uma panóplia de outras operações técnicas, o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário – art. 236º, nº1, e 238º do Código Civil – extrairia da cláusula que exclui o risco de demolições, seria que tal risco não estava contemplado, se e apenas se os danos causados a terceiros fossem provenientes, exclusivamente, de demolições.

II) - Não pode a seguradora brandir isoladamente com a cláusula de exclusão constante da apólice e que excluía o risco provocado por demolições, quando estas, na extensão e objecto da empreitada, eram parte do trabalho que, como empreiteira o seu segurado tinha que executar; além de que as demolições não foram a causa única, isolada, da ruína parcial do prédio contíguo ao que foi demolido.

III) - Uma determinada actuação pode, simultaneamente, violar direitos quer das partes contratantes, quer de terceiros como resulta dos arts. 799º, nº1, e 483º, nº1, do Código Civil.

IV) - Se, no contexto da execução do contrato, a empreiteira causa lesões directamente a terceiros, por má prática profissional, violação das regras da arte, seria infundado formalismo considerar que os danos do terceiro lesado não seriam indemnizáveis, recorrendo eles a juízo para responsabilizarem os causadores do dano.

  1. - No caso, a actuação da Ré empreiteira fez despoletar responsabilidade civil de natureza contratual e extracontratual ou delitual.

    VI) - O art. 1348º do Código Civil consagra um caso de responsabilidade delitual ou extracontratual pela prática de actos lícitos, como sejam a faculdade do proprietário abrir no seu prédio poços, ou minas, ou fazer escavações, estando obrigado a adoptar as medidas eficazes para evitar danos nos prédios vizinhos, sob pena de os indemnizar, até mesmo quando, tendo adoptado medidas idóneas à prevenção de danos, eles tenham ocorrido. Trata-se de um dos preceitos em que, excepcionalmente, se responsabiliza o autor de um facto lícito prescindindo da culpa.

    VII) - Se na execução do contrato de empreitada, a empreiteira, ao proceder a escavações no prédio do dono da obra, causa danos a prédio contíguo por imprudente actuação e violação das boas práticas profissionais, ainda aí existe responsabilidade do dono da obra, de natureza extracontratual, com fundamento no nº2 do art. 1348º do Código Civil e na obrigação posta a cargo do “autor delas”, que, pese embora serem executadas no âmbito do contrato de empreitada, responsabilizam o dono da obra.

    VIII) - O dono da obra, ainda que ela seja executada por empreiteiro, deve ser responsabilizado ao abrigo daquele normativo, devendo a expressão “autor delas” ser interpretada como referida aos donos da obra e não ao executante da obra (in casu) o empreiteiro; o dono da obra, como titular do direito de propriedade da coisa, é aquele que beneficia da empreitada e, como tal, deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa actividade origina.

    IX) -Ao fixar o valor dos danos com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjectividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução justa, equitativa e objectiva.

  2. A lei não dá resposta, quanto a saber em que circunstâncias deve o julgador fixar o quantum recorrendo à equidade, ou relegá-lo para incidente ulterior, pelo que reconhecendo-se que a situação ideal é aquela que sem maiores delongas dê resposta à pretensão do credor – então eleito seria o critério da equidade – mas, não menos certo é que a natureza da prestação em causa e o melindre na sua fixação, mormente, em casos em que esteja em causa a indemnização de danos que implicam uma apreciação rigorosa, com base em elementos diversos da prestação, podem aconselhar a segunda via. O Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado um critério que implica a ponderação casuística para optar por este ou aqueloutro “caminho”.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - AA e mulher, BB, e; - CC, intentaram, em 30.1.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra: 1ª – DD- “,,, & Companhia” com sede em ...; 2ª –EE -“…, Lda.”, 3ª –FF -“… Seguros, S.A.”, 4ª –GG -“…, Sociedade de Locação Financeira, S.A.”, Pedindo que sejam condenadas: a) – A efectuarem a reparação – da casa de habitação dos 1ºs AA., tratando-se do prédio urbano composto de casa (de habitação) com um andar, sito em …, freguesia e concelho da …, nos termos e moldes referidos no projecto e orçamento junto aos autos; - Ou, em alternativa, a pagarem o valor correspondente à respectiva reparação, no montante de 15.111.771$00 (correspondente a € 75.377,20; b) – No pagamento das demais despesas e danos causados em consequência da lesão, no montante de 4.383.561$00 (correspondente a € 21.865,11; c) – No pagamento das despesas futuras em deslocações de acordo com o referido em 76º da p. i., na razão de 2,5 € de despesas diárias de deslocação, valor a liquidar em execução de sentença; d) – A efectuarem reparações imprevistas à data da p. i., e que se verifiquem em consequência da mora dos RR., e ainda nos termos expostos em 64º da p. i., a liquidar em execução de sentença; e) – Juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

    Para tanto, alegam factos tendentes a demonstrar: - serem os 1ºs AA. donos do prédio aludido, ali se situando a casa de habitação e residência de todos os AA; - sendo que tal casa se encontrava em perfeito estado de conservação, sem qualquer anomalia na sua estrutura interna ou externa; - no início de Setembro de 1999, nas imediações do referido prédio, as 1ª, 2ª e 4.ª RR. iniciaram obras para instalação de um estabelecimento comercial; - efectuando diversos trabalhos de construção civil, tudo com recurso a máquinas de grande potência, procedendo, nesse âmbito, à demolição de duas casas confinantes com as paredes posterior e lateral direita do prédio aludido daqueles AA., sendo meeiras as paredes correspondentes às confrontações, bem como traves mestras que foram cortadas; - ficando, por isso, a casa dos AA. completamente desprotegida naqueles alçados, sofrendo mesmo deslocamentos que provocaram o aparecimento de fissuras e infiltrações em toda a casa; - bem como diversos outros danos no mesmo edifício, tudo consequência das ditas actividade e obras daquelas RR; - a situação tornou-se de tal modo insuportável que obrigou mesmo os AA. a mudarem-se para uma residencial e, depois, para um apartamento e posteriormente para uma casa de pessoas amigas, por mero favor, onde se encontram ainda; - daí decorrendo diversos outros danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, cuja reparação pretendem das RR., pois que a conduta causadora desses danos é ilícita e culposa, sendo imputável à conduta daquelas 1ª, 2ª e 4ª RR., sendo que a 3ª R., seguradora, é demandada por poder responder solidariamente enquanto co-responsável pelo risco inerente à obra.

    As RR. foram citadas e contestaram.

    A ré EE impugnou diversa factualidade alegada pelos AA., designadamente quanto ao estado da aludida habitação aquando do início das obras e aos danos invocados, alegando que no início de Setembro de 1999 iniciou os trabalhos de construção do pavilhão da 1ª ré DD, procedendo com os devidos cuidados, sendo que as paredes dos prédios demolidos não eram meeiras, mas contíguas com as ditas paredes do prédio dos AA. e com alturas desiguais, sendo até foram deixadas ficar as paredes dos prédios demolidos contíguos às da casa dos AA., assim se salvaguardando o direito de propriedade dos AA; que se limitou a cumprir o contrato de empreitada que celebrou com o dono da obra, a 1ª R., e transferido para a R. seguradora (3.ª R.) a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros decorrentes da sua actividade de construção civil, até ao montante de 10.000.000$00.

    A ré DD alegou, em síntese, que em Setembro de 1999 adjudicou à 2ª R. a execução de uma empreitada geral de construção de um edifício destinado ao funcionamento de uma loja DD de produtos alimentares; ficou acordado no âmbito do contrato de empreitada que a 2ª R. ficava responsável por todos os acidentes ou danos acontecidos à obra, bem como por todos os danos causados por erros ou omissão sua, até à recepção definitiva da empreitada, e que sejam derivados da execução dos trabalhos a seu cargo, designadamente em consequência dos estudos por si efectuados, do modo de realização desta, de deficientes condições de segurança nos trabalhos, do...

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