Acórdão nº 9275/05.8TBVVG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução15 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1.

O contrato-promessa e o contrato prometido são autónomos entre si e têm idêntica dignidade.

  1. O contrato prometido não tem que coincidir com o contrato-promessa em todas as suas cláusulas.

  2. Celebrado o contrato prometido, o contrato-promessa produziu, em princípio, todos os seus efeitos. E, a partir de então, é apenas aos termos do primeiro que, em princípio, há que atender.

  3. Sem embargo de se atender ainda ao contrato-promessa, havendo divergência sobre o real significado de qualquer cláusula do contrato definitivo, como elemento determinante na interpretação da vontade negocial ou até, se for caso disso, como integrador de cláusulas acessórias ou complementares do contrato prometido.

  4. Sendo bem clara a redacção das cláusulas do contrato prometido, não tendo sido invocado qualquer vício na sua estipulação, não poderão as mesmas valer com outro sentido que não o nelas expresso, até para se não violar o disposto no art. 238.º, nº 1 do CC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar a presente acção, com processo ordinário, contra AA IMOBILIÁRIA, S. A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 1 056. 068,80, acrescida de juros legais, contados desde 12/11/03 e até integral liquidação.

Alegando, para tanto, e em suma: Em 15/10/1999 a A. e a Ré celebraram um contrato-promessa, pelo qual aquela prometeu vender, e esta prometeu comprar, uma parte dos prédios rústicos da Quinta do Sardão, consistente em 21 270 m2, a destacar do artigo matricial nº 967 e 35 939 m2, a destacar do artigo matricial nº 970.

Em execução de tal contrato, procedeu-se ao destaque de tais parcelas, tendo posteriormente sido celebradas as competentes escrituras públicas, a primeira delas em 3/8/2000, relativa ao prédio de 21 284 m2, destacado do aludido artigo 967 e a outra, em 12/11/2003, relativa ao prédio destacado do artigo 970, com 35 939 m2.

Para determinação do preço a pagar pela ré à A., pela venda de tais prédios, ficou estipulado um preço base de 500 000.000$00, acrescido de outro a fixar nos termos da cláusula 6ª do aludido contrato-promessa.

Aquando da realização da primeira escritura pública, a ré procedeu ao pagamento integral do preço base estipulado, tendo, na segunda escritura pública, por conta do acréscimo que seria devido, pago a quantia de € 1 100.000 (220 530.000$00). Acordando então as partes que o valor ainda em dívida, seria pago pouco depois, na sequência das negociações que estavam em curso.

Nada mais tendo sido, contudo, pago, em violação do acordado pelas partes e da interpretação devida da dita cláusula, no atinente “à área de construção acima do solo”, nos termos que melhor expostos são na p. i.

Mantendo-se em dívida o montante peticionado.

Citada a ré, veio a mesma contestar, alegando, também em síntese: Já pagou mais do que devia à autora.

Devendo a mesma cláusula sexta ser interpretada de acordo com a posição que melhor sustenta no seu articulado.

Pelo que nada deve à autora, sendo esta, ao invés, que lhe deve restituir a quantia que a mais pagou, no montante de € 231 664,69, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento.

Deduzindo, para o efeito, o competente pedido reconvencional.

Replicou a autora, pugnando pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 857 a 859 consta.

Foi proferida a sentença, na qual, na improcedência da acção, foi a ré absolvida do pedido e, na procedência da reconvenção, foi a autora condenada no respectivo pedido, ou seja, a pagar à ré a quantia de € 231 664,69, acrescida de juros, à taxa lega, desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento.

Inconformada, veio a autora, sem êxito, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, sem mais, crendo-se cabalmente resolvidas todas as questões suscitadas na fundamentação da sentença apelada, se confirmou a mesma.

Ainda irresignada, veio pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O Tribunal recorrido perfilhou uma interpretação da Cláusula Sexta do contrato que colide frontalmente com os factos provados e com a envolvente jurídica, que apontam univocamente para a interpretação feita pela Recorrente.

  1. - Nada existe nos autos que demonstre que a interpretação sustentada pela Recorrida é a mais "justa e equilibrada" e a perfilhada por "qualquer pessoa medianamente informada e prudente".

  2. - Desde logo, os factos provados demonstram que, aquando da celebração do contrato e mesmo posteriormente, nenhuma das partes lhe atribuiu o sentido que a Recorrida agora lhe aponta e que fundou o pedido reconvencional (no pressuposto inverosímil de que já teria pago em excesso).

  3. -Aliás, neste caso, o declaratário até conhecia a vontade real do declarante, pelo que é de acordo com ela que tem de valer a declaração emitida (art. 236°, nº 2 do Código Civil).

  4. - Mas, ainda que assim não fosse, o nº 1 do citado art. 236.º manda escolher o sentido com que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, poderia entender a expressão "área de construção acima do solo".

  5. - Ora, todos os elementos de interpretação apontam no sentido (defendido pela Recorrente) de incluir na área de construção acima do solo a totalidade das zonas edificadas, cobertas ou descobertas: 7ª - Em primeiro lugar, o texto da Cláusula Sexta só exclui "para efeitos deste cálculo" as áreas referentes às "infra-estruturas comuns do condomínio (ténis, piscina)".

  6. - Por isso, não há qualquer razão para subtrair dessa área as varandas, terraços, alpendres, as áreas técnicas, ou as de circulação interna, entre outras - pois todas elas são áreas de construção.

  7. -Aliás, se a Ré-Recorrida queria sustentar uma interpretação contrária ao texto do contrato, tinha o ónus da prova de que o sentido correcto é contrário ao desse texto.

  8. - Em segundo lugar, a terminologia legal e regulamentar em vigor aponta univocamente no sentido afirmado pela Recorrente.

  9. - Por isso, tendo em conta o texto do contrato, o circunstancialismo envolvente, e os próprios textos legais, um declaratário normal, colocado na posição da Autora e da Ré, sempre entenderia a expressão "área de construção acima do solo" com o sentido de abranger toda essa área, incluindo pois varandas, terraços, áreas de circulação e áreas técnicas.

  10. - Mas se o Tribunal errou quando julgou improcedente a acção, errou mais clamorosamente ainda, quando julgou procedente a reconvenção: 13ª- Por um lado, porque não se provou a matéria de facto em que assentava o pedido reconvencional (nºs 36 a 41 da BI).

  11. - Por outro, e sobretudo, porque os factos provados demonstram a impossibilidade aritmética desse pedido.

  12. - Isto porque ficou provado [al. BS) da sentença] que só o acréscimo de metragem, para além do referencial de 12.600 m2, é que seria pago a 36.000$00, pois os primeiros 12.600 m2 foram pagos a um preço global, de 500.000.000$00, o que aliás corresponde a um preço unitário mais elevado, de 39.682$54 por metro quadrado (500.000.000$00: 12.600 m2 = 39.682$54).

  13. - Assim, como ficou provado [al. BT], o preço global tinha uma parte fixa e uma parte variável: Um 1° escalão, até aos 12.600 m2, ao preço global de Esc. 500.000.000$00 (i.é, preço unitário de Esc. 39.682$54/ m2) parte fixa; e um 2.º escalão, acima dos 12.600 m2, ao preço unitário de Esc. 36.000$00 m2 – parte variável.

  14. - Por isso, mesmo que - em contrário do exposto - vingasse a tese de que a área autorizada exclui varandas e terraços, a Recorrida teria quando muito direito a receber a diferença entre o que pagou em 2003 (Esc. 220.530.000$00) e o preço correspondente a 6.124,6 m2 (220.485.600$00), que é a área de construção sem varandas, terraços, etc., OU seja, o máximo que a Recorrida podia exigir em reconvenção seria a quantia Esc. 44.400$00 (i.e. € 221).

  15. - Acresce que a dita "redução" da área de construção (a existir) nunca poderia fundar um pedido de devolução do preço, por banda da Recorrida, dado que a Câmara de Gaia - em resposta ao P.I.P. relativo ao artigo matricial 967.º - tinha aceitado uma área de construção de 12.600 m2• 19ª- Por isso, a Recorrida podia e devia apresentar um projecto de loteamento prevendo uma área construtiva não inferior aos ditos 12.600 m2, pois para tal foi mandatada pela Recorrente.

  16. - E se não o fez, pedindo apenas a construção de 11.095,5 m2, não pode responsabilizar por isso a Recorrente, pois essa "redução" de área só é imputável à Recorrida.

  17. - Mas a verdade é que não houve qualquer redução, pois o P.I.P. referia 12.600 m2 de área de construção, e o projecto aprovado pela CMG aceitou uma área superior a isso, num total de 14.980,26 m2 de área de construção.

  18. - Pelo que deverá proceder, na íntegra, o pedido formulado pela Recorrente.

  19. - A decisão recorrida violou pois o disposto no art. 236.º do Código Civil.

  20. - A citada norma foi assim erradamente interpretada e aplicada pelo Tribunal a quo, que deveria tê-la interpretado e aplicado do modo indicado nas precedentes conclusões.

    A recorrida não contra-alegou.

    Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    Vem dado como PROVADO:

    1. A Autora é dona e legítima possuidora dos diversos prédios rústicos e urbanos que integram a denominada Quinta do Sardão, em Oliveira do Douro, onde se encontra instalado o Colégio do Sardão.

    2. Em 15 de Outubro de 1999, a A. e a Ré celebraram um contrato-promessa mediante o qual a primeira prometeu vender e a segunda prometeu comprar uma parte dos prédios rústicos daquela quinta.

    3. Mais concretamente, a área prometida vender consistiu em 21.270 metros quadrados, a destacar do artigo matricial 967.º da...

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