Acórdão nº 01896/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução18 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

SIC – Sociedade Independente de Comunicação, SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A Autora, SIC, pediu o reconhecimento da formação de acto tácito positivo no âmbito do procedimento de renovação da licença de exploração da actividade televisiva e, consequentemente, a condenação da Ré, AACS à prática de acto administrativo titulando a nova licença e ainda a condenação da mesma AACS à publicação em Diário da Republica da sentença que procedesse ao citado reconhecimento do acto tácito de deferimento; 2. A A. procedeu, para tanto, à demonstração dos pressupostos normativos: - competência da autoridade administrativa, pedido de decisão por parte do interessado, dever de decidir, e decurso do prazo de três meses para o seu exercício – que nos termos da legislação pertinente, designadamente do artº 4, do DL 237/98, de 5 de Agosto, conduziram à formação do acto tácito de deferimento; 3. Juntou posteriormente aos autos um parecer do Professor Vieira de Andrade coincidente com a análise jurídica que orientou a Autora na sua fundamentação quanto à existência de acto tácito de deferimento; 4. A Ré defendeu-se por impugnação e por excepção; 5. Sustentou a AACS que, nos seus ofícios de 26.10.2005 e de 10.112005 dirigidos à Autora, se teria pronunciado expressamente em sentido incompatível com a ideia de ter havido um acto tácito de deferimento; 6. Sustentou ainda a Ré que a não se entender que os actos veiculados pelos ofícios de 26.10.2005 e de 10.112005 impediam a formação de acto tácito positivo, então deveriam considerar-se esses actos como revogatórios do acto tácito positivo então formado; 7. A acção declarativa proposta - continuou a Ré - carece de objecto, pois que o acto de deferimento já não existia quando foi proposta; 8. Essa foi a excepção peremptória apresentada; 9. A ilustre Juíza a quo na sentença ora recorrida disse: "decido julgar procedente a excepção peremptória de falta do objecto da presente lide, pelo que absolvo a Entidade Reguladora para a Comunicação Social do pedido"; 10. A sentença recorrida conheceu assim o mérito da causa - CPC, artº 691, nº 2; 11. Decidido o mérito da causa e simultaneamente julgar que não há objecto do processo (Streits gegenstand) é, em termos de teoria processual, contraditório. Por esta via, parte importante dos pedidos desatendidos traduzir-se-iam em processos sem objecto. Admita-se contudo tratar-se de uma mera incorrecção de expressão, embora evidenciado grande imprecisão na formulação do problema; 12. Já facto mais grave é o de a, aliás douta, sentença recorrida não se ter pronunciado sobre o pedido principal, pois deixou "imprejudicado" isto é, sem responder, se afinal houve ou não acto tácito de deferimento; 13. Há assim uma omissão de pronúncia que torna a sentença nula nos termos do artº 668º, nº 1, alínea d) do CPC; 14. Essa omissão de pronúncia facilitará se não mesmo causará os vícios de raciocínio e de argumentação que foram seguidos na elaboração da sentença nas duas vias de demonstração que a ilustre Juíza a quo adoptou; 15. Com efeito, numa primeira opção, a sentença recorrida admitiu que os actos constantes dos ofícios de 26.10.2005 e de 10.11.2005 já citados, os quais se expressaram sobre a tempestividade do pedido da SIC e sobre se ainda existia liberdade de decidir acerca da pretensão desta ou se, pelo contrario, o prazo para decisão se tinha já esgotado, esses ofícios, repete-se, impediriam a formação de acto tácito de deferimento; Mas a sentença não analisou, como devia, se aquando do acto constante do ofício de 26.10.2005, o acto tácito positivo já se tinha formado; 16. Na segunda cadeia de raciocínio perfilhada, e que foi afinal a adoptada na sentença ao falar-se em excepção peremptória, esqueceu-se que, para haver revogação, é necessário existir acto ou efeitos substantivos deste a extinguir, bem como que a revogação nunca pode ter como objecto eliminar, ou considerar como não havidos, factos que historicamente ocorreram, isto é, pretender apagar os pressupostos do acto tácito de deferimento que efectivamente se verificaram; 17. Examinando mais em pormenor o primeiro caminho referido na argumentação da ilustre Juíza a quo, esta em consonância com a Ré considera que pelo ofício de 26.10.2005 e depois reiterado no de 10.11.2005, a AACS expressou uma vontade contrária à formação de um acto tácito de deferimento, muito embora não se debruçasse sobre o objecto do pedido material da SIC, a renovação da licença; 18. É óbvio, e nunca foi contestado, que a AACS não queria e a sucessora continua a não querer, que se tenha formado acto tácito de deferimento. Mas a questão não é essa! 19. O que se tornava e torna necessário averiguar é se em 26.10.2005 se já tinham ou não verificado os pressupostos concretos necessários à formação de acto tácito de deferimento do pedido da SIC; 20. Se esses pressupostos já se tiverem verificado, uma vontade contrária à formação de acto tácito de deferimento é irrelevante e não pode destruir o que já aconteceu; 21. A única forma de impedir a constituição da ficção legal do deferimento é obstar à verificação dos pressupostos do acto. Depois destes verificados, a estatuição da norma, constituído o "acto ficto" opera-se automaticamente; 22. A relação normativa entre a verificação da previsão e a estatuição não é algo que esteja na disponibilidade de qualquer sujeito do ordenamento jurídico; 23. O que foi dito significa que pela natureza das coisas os actos constantes dos ofícios da AACS de 26.10.2005 e de 10.11.2005 não podiam ser manifestações de vontade, mas sim declarações de conhecimento ou de ciência que expressavam o entendimento da AACS quanto à tempestividade do pedido da SIC, da constituição do dever de decidir, e ainda do tempo para exercer esse dever; 24. Não eram assim, os actos constantes dos ofícios de 26.10.2005 e de 10.11.2005, manifestações de vontade, actos administrativos em sentido estrito, mas simples declarações de conhecimento. Basta ler os ofícios; 25. Se os pressupostos do acto tácito de deferimento se verificaram, antes de 26.10.2005, como a A. julga ter demonstrado à saciedade, a AACS não podia decidir, apesar de já registada a ocorrência daqueles, porque não lhe convinha ou tinha outra opinião, impedir a formação do acto tácito de deferimento; 26. A sentença recorrida parece esquecer que, ao contrário do acto tácito de indeferimento, na lei portuguesa, o acto tácito de deferimento produz efeito substantivo equivalente aos do acto expresso; 27. Deste modo, os actos constantes dos ofícios de 26.10.2005 e de 10.11.2005, ou são declarações de conhecimento, e não actos administrativos, ou são declarações de vontade, actos administrativos em sentido estrito, que querem contrariar o desencadear da estatuição da norma que ordena que, verificados os pressupostos, se forma acto tácito de deferimento; 28. Opor-se, por acto administrativo ao desencadear da constituição de acto tácito de deferimento uma vez já verificados os seus pressupostos, é praticar um acto de objecto impossível, ferido de nulidade absoluta - CPA, artº 133º, nº 2, alínea c); 29. A tese da R. só seria salva não por qualquer declaração de vontade sua, mas por não se terem verificado os pressupostos de formação do acto tácito, o que não aconteceu; 30. Na segunda cadeia de raciocínios que, na decisão final, foi a escolhida pela ilustre Juíza a quo, isto é, a tese de que os ofícios de 26.10.2005 e de 10.11.2005, ou pelo menos o primeiro, veiculava um acto revogatório, tão pouco os resultados obtidos pela sentença ora impugnada são melhores; 31. Não se percebe, em primeiro lugar, como é possível defender a tese da revogação sem existir acto ou efeitos do acto, objectos do mesmo. Não há nenhumas considerações de economia processual que dispensem que a revogação não tenha como pressuposto necessário ou como objecto, um acto administrativo anterior que se deseja eliminar a si ou aos seus efeitos - veja-se o que resulta implicitamente do art.° 139, n.° 1, do CPA; 32. Em segundo lugar, não esqueçamos que os actos constantes dos ofícios da AACS de 26.10.2005 e de 10.11.2005, não são declarações de vontade, mas declarações de conhecimento ou de ciência, como já vimos; 33. Em terceiro lugar, por que não existe nenhum ânimus de revogação nos actos constantes dos ofícios citados; 34. Em quarto lugar, a admitir uma manifestação de vontade, o pretenso acto revogatório teria um objecto impossível: recuperar a liberdade de decidir sobre a pretensão da A. apesar de já se terem verificado todos os pressupostos do acto tácito 35. Se se admitisse que após a formação dos pressupostos do acto tácito se poderiam alterar, por acto administrativo, os pressupostos para a sua constituição, por exemplo, aumentando o período de tempo para o exercício do dever de decidir, na prática eliminar-se-ia o instituto do acto tácito de deferimento, que passaria a ficar na disponibilidade da autoridade administrativa decidente; 36. Já vimos anteriormente que um hipotético acto administrativo, seja de impedimento ou de revogação, teria por objecto uma impossibilidade jurídica: a de contrariar o desencadear automático da estatuição da norma que institui, para a situação concreta, o acto tácito de deferimento. A consequência seria a nulidade absoluta, como já se referiu, a qual é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada também a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou Tribunal, CPA, 134, n.°2; 37. Mas mesmo as anulabilidades devem ser conhecidas pelo Tribunal, embora incidentalmente, quando por exemplo afectem um acto invocado como excepção peremptória; 38. Ora, um acto revogatório de um acto constitutivo de direitos válido, como é o acto tácito de deferimento, não poderia ser objecto de revogação - CPA, art.° 140, n.°1, alínea b); 39. O conhecimento incidental da invalidade do acto conduz necessariamente à...

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