Acórdão nº 02794/04 - VISEU de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução11 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma acção de fiscalização à “Corticeira , Lda.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) e considerando que esta sociedade registara na sua contabilidade como custo um montante de Esc. 1.008.000$00 suportado por uma factura que não corresponde a operação real, desconsiderou aquele custo e procedeu à correcção do lucro tributável declarado para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1995, fazendo-lhe acrescer o montante daquela factura. Consequentemente, procedeu à liquidação adicional do imposto e respectivos juros compensatórios, de que resultou o montante a pagar pela Contribuinte de Esc. 497.123$00.

1.2 A Contribuinte impugnou esta liquidação, sendo que a factualidade alegada suporta apenas os vícios de preterição de formalidade legal, de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto. Nos termos da sua alegação, – verifica-se a preterição de formalidade legal prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 75.º do Código de Processo Tributário (CPT), porque a Contribuinte foi objecto de exame à escrita em 1996, sendo que nunca recebeu o respectivo relatório e apenas em 1998 foi notificada de um relatório de inspecção, mas este subscrito por um funcionário que nunca procedeu a qualquer exame à sua contabilidade; – no referido relatório põe-se em causa a «autenticidade da factura nº 623 de 20.06.1995» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.

), mas essa conclusão padece de falta de fundamentação, que se repercute na liquidação impugnada; – há erro nos pressupostos de facto, porque a factura que a AT entendeu não titular operação real corresponde a efectiva prestação de serviços efectuada à Impugnante pela sociedade que a emitiu, não podendo a AT afastar a presunção decorrente do art. 78.º do CPT (() Em vigor à data dos factos. Hoje, corresponde-lhe o art. 75.º da Lei Geral Tributária.

).

Concluiu pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro a anulação da liquidação impugnada.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Aveiro foi extinto e sucedeu-lhe na sua competência o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.

) julgou a impugnação improcedente. Isto, em síntese, porque fez constar da factualidade que deu como assente a seguinte asserção: «a factura nº 623 de 20.06.1995, emitida a favor da Impugnante pela “CORTICEIRA MOREIRA , LDA” não correspondeu à efectiva prestação de serviços aí identificados».

Na sequência dessa afirmação, entendeu que bem andou a AT ao desconsiderar, como desconsiderou, os custos suportados por aquele documento e que a Impugnante não logrou demonstrar, como considerou competir-lhe, a realidade das operações a que se refere a factura pois para esse efeito apenas apresentou prova testemunhal, sendo que as testemunhas «nada sabiam sobre o que está posto em crise nos presentes autos».

Considerou ainda que o relatório da fiscalização constitui fundamentação «clara, coerente e concreta» do acto impugnado.

Mais considerou que «o facto da ora Impugnante ter recebido as conclusões do relatório em 23-03-1988 (data em que se concluiu todo o processo de investigação e se chegou a conclusões concretas que permitiram fundamentar as correcções efectuadas), assinadas por um perito diferente daquele que efectuou a recolha de elementos em 26-09-1996, não põe em causa as liquidações reclamadas, visto que a visita efectuada pelo Perito em 26-09-1996 não revestiu o carácter de «Exame à Escrita» mas sim de fiscalização cruzada com vista à recolha de elementos considerados necessários…».

1.4 Inconformada com essa sentença, a Impugnante dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « 1) A decisão recorrida ao referir na sua fundamentação que as testemunhas “nada sabiam”, implica, salvo o devido respeito por melhor opinião, a nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar, pela oposição dos fundamentos com a decisão e não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – artº. 125 do CPPT e artº 668 nº 1 alíneas b), c) e d), do CPC.

2) Ao contrário do referido pelo Tribunal “a quo” e conforme o depoimento de fls. 32 e 33 dos autos, cujas transcrições foram efectuadas supra, as duas testemunhas indicadas pela impugnante referem ambas que esta mantinha relações comerciais com a “Corticeira Moreira do Couto, Lda.”.

3) Referem, ainda, ambas as testemunhas que a “Corticeira Moreira , Lda.” prestava serviços de transporte para a impugnante no carregamento de fardos de cortiça, e que a impugnante não tinha empregados para poder fazer tais carregamentos.

4) O Tribunal “a quo” nunca podia dar como assentes os factos da alínea c) da decisão recorrida, pois, o facto de a factura nº. 623 não ter uma sequência temporal anterior ou posterior relativamente a outras só por si não chega para se saber se determinada relação comercial existiu ou não? Para além de que, tal facto não pode ser imputável à ora impugnante.

5) Por uma questão de facilidade a administração fiscal mete umas e outras no mesmo saco, ou seja, que são todas falsas as facturas, mas, do próprio relatório da administração fiscal resulta que a “Corticeira Moreira , Lda.” exercia efectivamente uma actividade comercial, tinha empregados, armazém/fábrica e outros bens móveis, incluindo veículos automóveis.

6) Por isso, a ser correcto o entendimento perfilhado na douta sentença posta em crise, não era necessária a existência de tribunais para sindicar os actos praticados pela Administração fiscal, pois esta, segundo aquele entendimento é infalível !!?? 7) A decisão do Tribunal “a quo” violou claramente o princípio do contraditório – artº 3 nº 3 do CPC, já que foram juntos aos autos os documentos comprovativos do pagamento da transacção comercial relativamente à factura nº. 623 e tais documentos não foram impugnados pelo Representante da Fazenda Pública.

8) Não podia o Tribunal “a quo” ter dado como provados os factos constantes da alínea C), pois da prova documental e da prova testemunhal resulta precisamente o inverso, ou seja, que a relação comercial é real e existiu.

9) Atento o referido nas alíneas anteriores tal matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” deverá ser retirada da sentença – artº 712 nº 1 alínea b) e nº 3 do CPC.

10) A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu está ferida de vício de violação de lei por preterição de formalidades essenciais e por falta de fundamentação do acto tributário – artºs 75 nº 4 e nº 5 do CPT e 268 da CRP. Na verdade, 11) não está em causa saber se no ano de 1996 foi efectuado um “Exame à Escrita” ou uma fiscalização cruzada, o que interessa é o que serviu de base à liquidação do acto tributário no ano de 1998 não foi precedido de qualquer comunicação ao contribuinte do exame à escrita, nem foi precedido de exame concreto à escrita – artº 60 nº 1 alíneas a) a e) da Lei Geral Tributária.

12) A notificação efectuada à ora recorrente em Março de 1998 e que deu origem à liquidação do imposto é feita, apenas, em 3 folhas, de forma inadequada, deficiente e com falta de fundamentação (V. Proc. Reclamação Graciosa apensa aos presentes autos – Vol. II – Proc. Administrativo).

13) A inspecção Tributária não pôs em causa a contabilidade da ora recorrente (nem podia, porquanto não foi efectuado qualquer exame à escrita por a inspecção que efectuou o relatório no ano de 1998), mas sim da “Corticeira Moreira do Couto, Lda.”, a que a ora recorrente é completamente estranha e de forma alguma poderá ser responsável pela mesma.

14) No caso concreto, já decorreram mais de 10 anos a partir da data em que ocorreu o facto tributário, pelo que, o imposto dos presentes autos já prescreveu o que se alega e para os devidos efeitos legais – artº 48 nº 1 e 49 nº 2, ambos da Lei Geral Tributária e art. 297 do C.Civil (V. Ac. STA de 1-10-2003- Proc. nº 1848/02 – 2ª Secção) 15) A douta sentença do Tribunal “A quo” violou, entre outros preceitos legais, o disposto nos artºs 121 nº 2, artº 125, ambos do CPPT, artº 3 nº 3, 668 nº 1 alíneas b), c) e d), 712 nº 1 alíneas b) e nº 3, todos do CPC, 75 nº 4 e nº 5 do CPT, artºs 48, 49 e 60, todos da Lei Geral Tributária, artº 268 nº 3 da CRP e artºs 21, 82, 124 e 125 do Código de Procedimento Administrativo.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito doutamente supríveis por V.Exªs, deve o presente recurso ser recebido e a final ser considerado procedente e provado, com as legais consequências».

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.7 A Juíza considerou que a sentença não enfermava de qualquer nulidade.

1.8 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

Para tanto, depois de proceder à análise exaustiva da prova produzida nos presentes autos, concluiu que bem andou a sentença ao dar como não demonstrado que a factura em causa corresponda a serviços realmente prestados.

1.9 Os Juízes adjuntos tiveram vista dos autos.

1.10 As questões suscitadas pela Recorrente, na interpretação que fazemos das suas alegações, são as seguintes: – a prescrição da obrigação tributária subjacente à liquidação impugnada (cf. conclusão com os n.ºs 14 e 15); – saber se a sentença enferma das nulidades por falta de pronúncia, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (cf. conclusões com os n.ºs 1 e 15); – saber se a sentença fez correcto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar os depoimentos das testemunhas e relevar apenas os elementos em que a AT...

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