Acórdão nº 156/1999.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução12 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (art. 24º da LOFTJ).

  1. Provada a autoria da letra e da assinatura de um documento particular tem-se por plenamente provado que o autor do documento fez as declarações que neste lhe são atribuídas, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento; e os factos referidos nessas declarações têm-se por provados – plenamemente provados – na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

  2. Apenas o declaratário pode invocar o documento, como prova plena, contra o declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses; nas relações com terceiros, essa declaração só vale como elemento de prova, a apreciar livremente pelo Tribunal.

  3. Um recibo de quitação, elaborado por procurador e advogado de um contraente e por ele entregue à contraparte, referindo o recebimento de determinada quantia para pagamento parcial do preço da venda de um imóvel feita pelo mandante ao recebedor do documento, pode ser por este último usado como meio de prova em acção em que ambas as partes discutem a validade do negócio e a propriedade do imóvel, não estando condicionado o seu uso por qualquer segredo profissional.

  4. A norma do n.º 1 do art. 1791º do CC – que estatui que o cônjuge declarado único ou principal culpado no divórcio perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento – abrange, entre outros benefícios, as doações feitas a ambos os cônjuges por familiar de um deles em consideração do estado de casado do beneficiário.

  5. As doações para casamento – ou seja, as doações feitas a um dos esposados ou a ambos, em vista do seu casamento – caducam se ocorrer divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal culpado; e se a doação tiver sido feita por terceiro a ambos os esposados ou os bens doados tiverem entrado na comunhão, a caducidade atinge apenas a parte do cônjuge que for declarado único ou principal culpado.

  6. A perda dos benefícios a que alude o n.º 1 do art. 1791º, verifica-se por força da lei, isto é, opera-se ipso jure, sem necessidade de qualquer declaração de revogação por parte do autor da liberalidade, e os bens doados ao cônjuge culpado revertem automaticamente ao património do doador.

  7. A venda da nua propriedade de um imóvel, doada a ambos os cônjuges, em consideração do seu estado de casados, pelos pais do cônjuge mulher, e por esta efectuada depois de decretado o divórcio dos donatários, com culpa exclusiva do cônjuge marido, é nula, por não poder a vendedora arrogar-se a qualidade de dona exclusiva da coisa vendida.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

    AA intentou, no já longínquo ano de 1998, no Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH II, e JJ e mulher LL, a presente acção com processo ordinário, pedindo a) se declare que é dono e legítimo proprietário do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, condenando-se os réus a tal reconhecer; b) se decrete a validade da escritura pública de compra e venda por via da qual adquiriu esse prédio e a nulidade das aquisições levadas a efeito por via da adjudicação e da venda referidas nos arts. 54º e 66º da petição inicial, respectivamente; c) se ordene o cancelamento dos registos de aquisição lavrados com base nessas aquisições inválidas.

    Subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos principais, pede: d) se condenem os réus solidariamente a pagarem-lhe a quantia de 25.000.000$00 (equivalente a € 124.699,47), acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até efectivo reembolso.

    Subsidiariamente ainda, para o caso de improceder igualmente este pedido, o autor pede: e) se condenem os réus solidariamente a pagarem-lhe a quantia de 2.358.109$00 (equivalente a € 11.762,20), acrescida de juros à taxa legal sobre o montante de 1.700.000$00 (equivalente a € 8.479,56), desde 15.09.1998 até efectivo embolso.

    Alegou para tal que em 1979, os pais da 1ª ré fizeram, a esta e ao marido, MM – casados sob o regime de comunhão geral – doação, com reserva de usufruto, do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial. Tendo este casamento sido dissolvido por divórcio, com culpa exclusiva do cônjuge marido, por sentença de 22.05.84, de um tribunal francês, confirmada por acórdão da Relação do Porto de 03.10.85, que transitou em julgado, suscitou-se, em sede de inventário para separação de meações, a questão de o ex-cônjuge varão não poder quinhoar nesse bem, tendo sido aí decidido, por despacho judicial, excluir o prédio da relação de bens, “por se não mostrar claramente que se trata de bem comum”.

    Por escritura pública de 06.03.87, a 1ª ré vendeu ao autor – dando logo conhecimento da venda aos 2º a 8º réus, seus filhos – a raiz ou nua propriedade do imóvel referido, pelo preço real de 3.500.000$00, do qual o autor pagou 500.000$00, ficando de pagar o restante até Agosto do ano seguinte (período durante o qual foi entregando vários montantes por conta, restando pagar 1.300.000$00 em meados de 1988), tendo aquela subscrito uma declaração onde se responsabilizava por eventuais prejuízos que o autor viesse a sofrer, caso o seu ex-cônjuge, que teve conhecimento da venda imediatamente após a sua realização, viesse, apesar disso, a reclamar judicialmente o seu direito a metade do imóvel.

    Em 1989, quando faleceram os pais da 1ª ré e se extinguiu o usufruto, o autor ocupou o prédio, efectuou nele várias reparações, providenciou pela poda e sulfatação da vinha nele existente e colheu as uvas, que transformou em vinho, inscreveu o prédio em seu nome na matriz e celebrou contrato de seguro contra incêndio, apenas não tendo conseguido registá-lo a seu favor, por a última inscrição datar de 1856 e não conseguir fazer o trato sucessivo.

    Entretanto a 1ª ré passou a afirmar que a venda que tinha efectuado ao autor nada valia e que não pretendia receber dele a parte do preço ainda em dívida; e, para evitar que o autor invocasse o seu direito de propriedade sobre o imóvel, congeminou um plano com os seus filhos, demais réus, de acordo com o qual o 2º réu propôs contra a mãe, em 1990, uma acção judicial para ver declarado que a raiz daquele prédio era bem comum do casal – acção que esta não contestou, pelo que foi proferida sentença a condená-la no pedido.

    De seguida, a 1ª ré requereu inventário para partilha da herança por óbito do seu ex-marido, relacionando o imóvel em causa como verba única, no âmbito do qual aquela e os seus filhos fizeram adjudicar a propriedade do bem a todos os filhos, em comum e partes iguais, não obstante saberem que o mesmo fora vendido ao autor, sendo que na pendência do inventário o ora 2º réu requereu o arrolamento do bem, que foi decretado, e contra o qual o autor e a sua mulher deduziram embargos de terceiro, que foram julgados improcedentes.

    Ainda na sequência do plano que tinham arquitectado, os 2º a 7º réus intentaram uma acção de justificação judicial, com a qual puderam obter o trato sucessivo e registar o imóvel a seu favor, após o que venderam o prédio aos réus JJ e mulher, seus tios, em 1997, os quais, embora sabedores de toda a situação, pretendiam adquirir o imóvel e aguardavam que a situação criada o propiciasse.

    O prédio em questão vale “actualmente” (a petição inicial deu entrada em 16.09.98), 25.000.000$00 (equivalente a € 124.699,47).

    Os réus JJ e mulher, LL, contestaram, impugnando os factos alegados pelo autor, alegando ainda que a venda efectuada pela 1ª ré ao autor foi simulada, visando apenas fugir à partilha do prédio com o seu ex-marido, sem dar conhecimento dessa situação aos seus filhos, e de todo o modo sempre constitui venda de bem alheio, por a 1ª ré ter vendido como próprio um bem que era comum do casal, e que são eles os proprietários do prédio em causa actualmente, por o terem adquirido aos verdadeiros proprietários, tendo a aquisição registada a seu favor, sendo que sempre teriam adquirido a propriedade por usucapião.

    Também contestaram os restantes réus, invocando a excepção de ilegitimidade passiva por não ter sido demandada NN, cônjuge do réu FF, bem como a nulidade da compra e venda celebrada entre a 1ª ré e o autor, por se tratar de venda de bem alheio, e a prescrição dos juros vencidos há mais de 5 anos a contar da data da citação dos réus.

    Alegaram ainda que foram o autor e sua mulher que convenceram a 1ª ré a vender-lhes o imóvel e foi o autor que tratou de todos os documentos necessários, que esta ré se limitou a assinar, sem se aperceber do seu conteúdo e confiando na palavra dos seus cunhado e irmã. Os 7º e 8º réus, tão jovens que eram, nem se aperceberam da venda, de que os restantes filhos da 1ª ré só mais tarde souberam. Os 9.os réus desinteressaram-se do imóvel, porque não conseguiam pagar o remanescente do preço e porque não conseguiam registar o prédio a seu favor, o que disseram à 1ª ré, pedindo a devolução do montante de 500.000$00 que já haviam pago, ao que esta acedeu, tendo devolvido efectivamente tal quantia, convencida de que iria ser feita a escritura de compra e venda a seu favor, o que nunca chegou a suceder.

    Alegaram ainda que existe abuso de direito por parte do autor ao arrogar-se a propriedade do imóvel mais de 10 anos depois da devolução da quantia de 500.000$00 e sem nunca ter feito qualquer utilização daquele.

    Finalmente pedem a condenação deste como litigante de má fé.

    Estes réus requereram ainda a intervenção principal de OO, cônjuge do autor, com vista à dedução de pedido reconvencional contra ambos, por força de litisconsórcio necessário passivo.

    E, em reconvenção, deduzida contra o autor e a chamada, sua mulher, pedem se declare a nulidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT