Acórdão nº 2813/08.6TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 36º A 40º E 86º, Nº 1, AL. V) E Nº 2, AL. C), DO DECRETO-LEI Nº 46/94 DE 22 DE FEVEREIRO Sumário: 1. A licença de descarga de águas residuais refere-se à que é feita no meio natural – solo, linhas de água ou correntes de água – e nada tem a ver com o lançamento do esgoto nas lagoas onde se processa a respectiva depuração.
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Essa descarga, ou seja, o lançamento do esgoto produzido na ETAR, não está sujeito a qualquer licenciamento específico, já que o que releva em termos ambientais é a descarga no meio natural, carecendo igualmente de qualquer fundamento falar-se em licenciamento da produção de esgoto.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.
No processo de recurso de contra-ordenação n.º 2813/08.6TALRA do 2º Juízo Criminal da Comarca de Leiria, a arguida X..., Ldª, com sede na Rua …., em Leiria, em sentença datada de 10 de Março de 2009 que revogou parcialmente a decisão da autoridade administrativa (Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território), foi condenada · pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 36º a 40º e 86º, nº 1, al. v) e nº 2, al. c), do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, na coima de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros) e · pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 17.º, n.º 1 e 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 239/97, de 9 de Setembro, conjugado com a portaria n.º 178/97 de 11 de Março, em admoestação.
Faz-se notar que a decisão administrativa, datada de 11 de Outubro de 2007, condenara a arguida pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas pelos artigos 36.º a 40.º e 86.º, n.º 1, al. v) do DL n.º 46/94 de 22 de Fevereiro, numa coima no valor de € 6500, e pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 17.º, n.º 1 do DL n.º 239/97 de 9 de Setembro, conjugado com a Portaria n.º 178/97 de 11/03, numa coima no valor de € 1000, o que, em cúmulo, redundou numa condenação numa coima unitária no valor de € 7000.
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Inconformada, a arguida recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Foi a ora recorrente condenada no pagamento de uma coima pela prática de uma contra-ordenação p. e p. nos termos dos arts 36° a 40° e 86° n.° 1 alínea v) do Decreto-Lei n.° 46/94 de 22 de Fevereiro, no valor de 3.500,00€.
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A matéria de facto dada como provada é insuficiente para proferir condenação da Arguida quanto à alegada prática da contra-ordenação prevista no artigo 86º, n.° 1 do Decreto-Lei 46/94 de 22.02 por dela não constar que se tenha dado como provado que a arguida tenha efectuado qualquer descarga.
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A arguida não efectuou, nem efectua, qualquer descarga de resíduos tratados para o domínio público; 4. A ETAR da arguida, devidamente licenciada, é composta por três lagoas, destinadas a receber os resíduos líquidos produzidos, sendo as duas primeiras obrigatórias e a terceira de carácter facultativo.
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Os resíduos, após terem sido tratados em nas duas primeiras lagoas, ficam depositados na terceira, onde acabam por desaparecer pelo efeito da evaporação, não sendo necessário procederá sua descarga.
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A terceira lagoa tem capacidade em muito superior á efectivamente utilizada pela Arguida, nunca atingindo o seu limite máximo de águas, sendo que ai se encontra diversas comunidades de animais.
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Apenas é imputada à Recorrente o facto de produzir águas residuais, sendo certo que as licenças previstas na lei, no âmbito do Decreto-Lei 46/94 de 22 de Fevereiro, são tipificadas, existindo necessidade de requerer a respectiva licença quando se procede à descarga de águas para os solos ou para cursos de água.
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A Recorrente não efectuou qualquer descarga, uma vez que a Recorrente não retira, das lagoas, os resíduos, mantendo-se aqueles ali para efeitos de evaporação, estando por isso fora do âmbito da lei supra referida.
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O que a lei pune, é o facto de as descargas serem feitas, para o domínio público ou particular, por efeito de espalhamento em solos ou águas fluviais, sendo certo que a necessidade de licença se traduziria, no presente caso, no facto de a mesma ser necessária, para retirar da terceira lagoa os resíduos e proceder ao seu espalhamento.
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Não será necessária qualquer licença para fazer circular as águas residuais pelas lagoas que compõem a ETAR, mas apenas se entenderia como necessário - e que não acontece no presente caso - se as águas dessa última lagoa fossem retiradas para domínio público ou privado.
11. Não se encontra sequer demonstrado que a Recorrente tenha efectuado qualquer descarga de resíduos tratados, nem tal se presume, sendo certo que efectivamente o não fez.
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A entender-se existir culpa da arguida, sempre a mesma seria mitigada, nunca se podendo considerar as infracções como gravosas, sendo que a Arguida delas não retirou qualquer tipo de benefício.
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A arguida não praticou por isso qualquer a contra-ordenação de que vem acusada pelo que deverá ser absolvida.
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A arguida cumpre todos os requisitos previstos em legislação ambiental referentes à exploração agrícola.
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A arguida solicitou a renovação da licença de descarga de resíduos.
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Para o caso de se entender que a Arguida praticou a contra-ordenação tendo em conta, a existir infracção, o seu grau reduzido, circunscreve a mera admoestação, com efeito de censura, nos termos do artigo 51° do Decreto-Lei 433/82, os efeitos de prevenção geral e especial inerentes às normas alegadamente violadas.
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Termos em que deve ser a decisão que nesta sede se recorre ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida e ora recorrente e, em consequência, determine o arquivamento dos autos ou, quando assim se não entender, que substitua a coima aplicada pela sanção de admoestação por se encontrarem reunidos os requisitos para tal.
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Ao decidir como o fez, o Tribunal violou, entre outras, as normas previstas nos artigos 36° a 40° e 86° n° 1 alínea v) do Decreto-Lei n.° 46/94 de 22 de Fevereiro, e nos artigos 51° do RGCO.
(…) Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa doutamente suprirá deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e consequentemente ser a sentença recorrida substituída por outra que absolva a Recorrente da prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 86° n.° 1 alínea.v) do Decreto-Lei n.° 46/94 de 22 de Fevereiro».
3.
O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra, concluindo nos seguintes termos (transcrição).
1º - Atento o preceituado nos artigos 36°, n.° 2 e 86°, n.° 1, alínea v) e n.° 2. do DL n.° 46/94 de 22 de Fevereiro, resulta que para o preenchimento dos elementos típicos da aludida contra-ordenação é necessário, apenas, a descarga de resíduos e efluentes sem a necessária licença, em domínio público ou particular.
2º - No caso concreto foi dado como provado, e bem, que para tratamento dos efluentes a arguida construiu uma ETAR, onde estão incluídas três lagoas, para onde vão as águas residuais inerentes à sua actividade, sendo assim rejeitadas as referidas águas para um sistema particular, sem para isso estar devidamente licenciada.
3º - A arguida, enquanto proprietária das citadas instalações, estava obrigada a obter os devidos licenciamentos para o exercício da referida actividade, bem como a realizar todas as obras que se mostrassem necessárias a essa obrigação, incluindo a de adequação da ETAR aos fins determinados se tal se mostrasse necessário, suportando as despesas inerentes.
Pelo que se concluiu, e em nosso entender correctamente, que a arguida praticou a contra-ordenação de que vinha acusada.
4º-- Assim sendo, cremos que se deverá concluir que o Mmº Juiz fez uma correcta avaliação da matéria cm análise, socorrendo-se do preceituado no artigo 127° do C.P.Penal. Mais se deverá concluir que inexiste insuficiência da matéria provada para a decisão de direito, uma vez que a sentença ora recorrida fornece a indicação dos elementos devidos, i. é, de todos os elementos objectivos e subjectivos constitutivos da contra-ordenação em referência e dos necessários à determinação da medida da coima.
5º- Na verdade, o tribunal consagrou na decisão os factos dados como provados supra-mencionados. os quais só por si permitem a aplicação do direito ao caso nos termos nesta enunciados.
6º- Nestes termos, tendo presente as normas aplicáveis ao caso, e tendo em atenção a gravidade da contra-ordenação, que é elevada (i.é. ponderando a importância do bem tutelado - visa a protecção do ambiente e tutela a segurança da sua qualidade. mais concretamente a qualidade da água e do solo -. que se desconhece em que medida a Recorrente lesou a qualidade da água e solo, que a mesma possui estação de tratamento de águas. que a rejeição de águas residuais e afluentes foi feita em sistema privado e que a infracção cometida não trouxe beneficio à recorrente), que a recorrente actuou a título meramente negligente, não sendo a culpa elevada (à data do auto de notícia a arguida já possuía a referida licença, estando a mesma caducada. e diligenciou pela sua renovação em Julho de 2007) e não olvidando que a arguida já incorreu em infracções ambientais anteriormente, julgamos que bem andou o Mmº Juiz ao considerar inaplicável a sanção de admoestação (artigo 51º, n°1 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas) e ao considerar adequada a coima de €3.500,00, sendo certo que a contra-ordenação relativa à falta de licença para rejeição de águas residuais é punida por uma coima que oscila entre € 2.493.99 e €2.493.489,49.
7° - Em face do exposto, somos de entender que sempre teria o Mmº Juiz que condenar a arguida pela prática da aludida contra-ordenação e aplicar a coima de €3.500,00, não se tendo verificado violação de qualquer princípio ou preceito legal ou a existência de qualquer irregularidade ou nulidade
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