Acórdão nº 2660/05.7TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A relação jurídica de Segurança Social é uma relação complexa, visto que constituída por um conjunto de direitos e obrigações recíprocas, cujo necessário encadeamento permite efectivar um verdadeiro direito à protecção da Segurança Social.

II - É comum a todas as Leis de Bases da Segurança Social a afirmação da subsistência transitória dos chamados “regimes especiais”, entre os quais se inclui o ACTV para o sector bancário.

III - O ACTV do sector bancário (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 1994), foi estabelecido por via convencional, no exercício do direito constitucional à contratação colectiva e é de considerar, em geral, mais favorável para os trabalhadores do que o regime geral da Segurança Social, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento.

IV - Tratando-se de um regime especial salvaguardado expressamente por lei, haverá que aplicá-lo em bloco, não fazendo sentido complementá-lo com outras regras que provenham do regime geral.

V - A pensão de reforma tem natureza previdencial e não salarial: daí que a retribuição pelo trabalho na vigência da relação laboral em nada se confunda com a pensão de reforma por invalidez presumida, cuja fixação deve obedecer a outros critérios.

VI - A pensão dos trabalhadores bancários não é calculada com base na retribuição global auferida pelo trabalhador à data desse evento, mas antes e apenas com base nas percentagens fixadas no Anexo V e na retribuição prevista no Anexo VI do ACTV, tendo em atenção o seu nível salarial.

VII - Este regime não afronta o princípio constitucional da universalidade, pois dele não decorre, por um lado, que o correspectivo dever, a cargo do Estado, imponha, necessariamente, a organização de um sistema administrativo de segurança social que garanta as prestações sociais a todos os particulares – tanto mais que os direitos sociais enquanto direitos específicos, não são direitos de todas as pessoas, mas apenas daquelas que para eles participam – e, por outro lado, esse princípio não exclui a existência de direitos atribuíveis apenas a quem satisfaça determinados requisitos, posto que essa selecção se mostre materialmente fundada.

VIII - A forma de cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores bancários também não afronta o princípio constitucional da igualdade, pois este princípio não impede a diferenciação de tratamento, mas a descriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante e, no confronto entre a situação de reforma e a vida activa, a eventual diferença dos respectivos montantes conforta-se na diversa natureza das prestações em causa: previdencial e salarial, respectivamente; por outro lado, no confronto entre os trabalhadores bancários e os demais trabalhadores, o ACTV respectivo resultou da livre concertação colectiva e constitui um bloco unitário, onde se normativiza o regime específico das relações de trabalho do sector e o seu regime especial da segurança social, pelo que não se pode operar um válido confronto entre uma simples norma do ACTV e a norma correspondente do regime geral da Segurança Social.

IX - Além disso, a Constituição não se pronuncia sobre a forma de cálculo das pensões, excepção feita à obrigatoriedade de considerar, neste domínio, a totalidade do tempo de prestação laboral, o que nada tem a ver com as retribuições atendíveis em sede de cálculo das pensões, garantindo apenas a necessária atendibilidade de “todo o tempo de trabalho”.

X - Ao reconhecerem a subsistência provisória do regime constante do ACTV, as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social mais não fazem do que colocá-lo à margem do sistema unificado, pelo que não estão a cometer ao sobredito regime o papel de concretizar normativamente actos atinentes ao regime geral da Segurança Social, cuja tarefa de organização e coordenação cabe – essa sim e por imperativo constitucional – ao legislador ordinário: um tal procedimento não afronta, por isso, o princípio da tipicidade dos actos normativos.

XI - Acresce que a tendência para a aceitação e generalização de regimes privatísticos de segurança social não permite sustentar que o direito à segurança social, sendo embora de interesse público, não pode ser objecto de contratação colectiva.

XII - Não se pode afirmar a existência de um uso empresarial, em abono de uma pretensa discriminação, quando se mostra determinado que a Ré – entidade bancária – tendo embora englobado o subsídio de isenção de horário de trabalho nas pensões de reforma de outros trabalhadores, entre 1990 e 1996, o fez devido a particularidades desses mesmos trabalhadores e ao interesse da própria Ré na cessação dos respectivos contratos de trabalho, sendo que esse benefício só seria percebido até à sua absorção pelos aumentos que entretanto incidissem sobre as pensões, não existindo, assim, matéria susceptível de viabilizar um juízo de desigualdade materialmente infundada.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Banco Santander Totta, S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe: a) o montante da isenção de horário de trabalho, como parte integrante da sua pensão de reforma, correspondente a 46,42% da retribuição total, que deverá incluir em todas as prestações dessa reforma, a que acrescem os juros de mora legais; b) o valor de € 32.560,32, que a Ré deixou de liquidar desde o momento da passagem do Autor à reforma, em Junho de 2001, até Maio de 2005, ao que acresce o valor dos juros de mora legais, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento; c) a reforma que resultar de uma antiguidade de 35 anos, cujo montante se deixa para execução de sentença, com o pagamento das respectivas diferenças salariais a título retroactivo; d) juros de mora, desde a data da atribuição da reforma até integral e efectivo pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou como segue: - trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. desde 12/2/75 até 15/6/2001, altura em que passou à reforma por invalidez, mediante acordo; - a cláusula 4.ª desse acordo, em que se estipula uma declaração de quitação, é ilegal porque, tendo o contrato caducado por reforma, não era permitida a renúncia a quaisquer créditos para que pudesse passar a essa situação; - com a passagem à reforma, passou a receber apenas a retribuição base e as diuturnidades, deixando de receber o subsídio de isenção de horário de trabalho, que integrava a sua retribuição; - sempre foi entendimento da Ré incluir na pensão de reforma dos seus trabalhadores não apenas o salário base mas também os demais complementos; - aos directores e gerentes, com cargos de direcção e chefia, era pago, a título de pensão de reforma, o valor que auferiam a título de isenção de horário de trabalho, integrando esse pagamento os usos da Ré; - existe uma deliberação da sua administração, datada de 1990, na qual se decidiu aprovisionar o fundo de pensões com o valor correspondente a tal isenção; - na reestruturação de 1999 a 2001, a Ré incluiu o mencionado subsídio ou remuneração complementar na reforma paga a outros trabalhadores, designadamente como fez à Dr.ª BB – a quem atribuiu mais 13 anos de antiguidade – ao Dr. CC e à Dr.ª DD – a quem foram atribuídas verbas pecuniárias de largos milhares de euros no momento da cessação do contrato – sucedendo também que a alguns colegas do Autor foi atribuída, aquando de idêntica cessação, uma subida de 2 a 3 níveis de antiguidade, enquanto ao Autor foi atribuído o nível 13 e reconhecidos 26 anos de antiguidade; - pelo que foi violado, além do mais, o princípio da igualdade; - o ACTV respectivo é inconstitucional, nos termos do artigo 63.º da CRP e viola a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto).

A Ré, em desabono dos direitos reclamados pelo demandante, salienta, em suma, a sujeição dos trabalhadores bancários a um regime específico de segurança social – que não contempla o aditivo reclamado na acção – , a cabal justificação das pretensas desigualdades e a inexistência do apontado uso da empresa.

Conclui pela necessária improcedência da acção.

1.2.

Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido.

Debalde apelou o Autor, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou na íntegra a sentença impugnada.

1.3.

Continuando irresignado, o Autor pede a presente revista – com contornos absolutamente idênticos àqueles que integraram o objecto do recurso n.º 144/08, decidido por este mesmo Colectivo de Juízes através de Acórdão lavrado em 8 de Outubro de 2008 – de cujo extenso núcleo conclusivo se extrai, aqui como ali e em síntese útil, o entendimento seguinte: 1- o Acórdão em crise deve ser revogado, na justa medida em que o Capítulo XI do ACTV dos Bancários viola o artigo 63.º n.º 4 da Constituição, bem como a própria Lei de Bases da Segurança Social; 2- aquele normativo prevê o direito à segurança social, consagrando o seu alargamento ao conjunto da população e reforçando, deste modo, o seu carácter universal; 3- na verdade, esse direito visa proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez, através da atribuição de pensões que tenham em conta todo o tempo de trabalho prestado, independentemente do sector de actividade respectivo; 4- deste modo, visa-se tendencialmente garantir a manutenção dos rendimentos de trabalho anteriormente auferidos, implicando que toda a retribuição deva entrar no cálculo da reforma, não se podendo excluir parte dela e contabilizar essa reforma com base em tabelas pré-fixadas; 5- assim, o direito à segurança social absorve o conceito de retribuição, que a lei...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT