Acórdão nº 1146/05.3TBABF.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1. A nulidade a que se reporta o art. 429.º do CComercial configura uma simples anulabilidade.

  1. A existir anulabilidade do contrato de seguro, e sendo suscitada apenas após o sinistro, será a mesma inoponível ao lesado, nos termos do art. 14.º do DL 522/85, de 31/12.

  2. O contrato de seguro automóvel, sendo um contrato de seguro por conta, pode, em princípio, ser celebrado por qualquer pessoa.

  3. A jurisprudência do TJCE vem entendendo que, à excepção do caso previsto no art. 2.º, nº 1 da segunda Directiva (pessoas que se encontrem no veículo causador do sinistro e que tenham conhecimento que este fora roubado), de interpretação restrita, são inadmissíveis disposições legais ou contratuais que, excluam, em determinadas circunstâncias, a prestação da seguradora.

  4. O dano morte é autonomamente indemnizável.

  5. Obedecendo a determinação da sua indemnização aos princípios da equidade, nos termos da primeira parte do nº 3 do art. 496.º do CC, havendo, assim, que ponderar as circunstâncias aludidas no art. 494.º do mesmo diploma legal.

  6. Afigura-se ajustada, e dentro dos parâmetros que vêm sendo adoptados por este STJ, a fixação da indemnização pelo dano morte em € 50 000.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra I...B... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e BB, pedindo: a) a condenação da Ré B... a pagar-lhe a quantia total de € 97 100, acrescida de juros, contados desde a citação até integral liquidação; b) e, caso seja julgada procedente a nulidade do contrato de seguro celebrado entre tal ré e o R. BB, a condenação deste e do réu FUNDO, a pagar-lhe a referida quantia de € 97 100, acrescida dos mencionados juros de mora.

    Alegando, para tanto, e em suma: No dia 12 de Julho de 2000, nas demais condições de tempo, lugar e modo melhor descritas na p. i., ocorreu um acidente de viação, com um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...-...-AJ, pertencente ao R. BB e por ele conduzido e o peão CC, filho da A., e do qual resultou a morte deste.

    O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel.

    O R. BB foi condenado em pena de prisão, pelo crime de homicídio por negligência, e à data dos autos, a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo AJ havia sido transferido para a ré seguradora.

    A qual, entretanto, declinou a sua responsabilidade, por entender que o seguro em causa era nulo, por terem sido prestadas declarações inexactas que influíram sobre as condições do contrato.

    Por isso, propõe também a acção contra o segundo e terceiro réus.

    A A. é mãe do falecido, sua herdeira legitimária, desconhecendo o paradeiro do pai, também em terras do Brasil, de quem há muito está divorciada.

    Computa os danos pela forma que também melhor consta na sua p. i.

    Citados os réus, vieram contestar: A Ré seguradora invoca a nulidade do contrato de seguro e impugna os factos relativos ao acidente, imputando o mesmo à culpa do peão.

    O R. Fundo invoca a sua ilegitimidade e a prescrição.

    O R. BB invoca a sua ilegitimidade e a da autora, impugnando, ainda, os factos relativos ao acidente.

    Respondeu a autora, pugnando pela improcedência das excepções arguidas, concluindo como na p. i.

    Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e da prescrição, tendo sido relegado para final o conhecimento da nulidade do contrato.

    Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 345 a 351 melhor consta.

    Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré B... condenada a pagar à autora as quantia de € 83 500, acrescida de juros desde a data da sentença e de € 10 600, acrescida de juros desde a citação. No mais se absolvendo a ré do peticionado, absolvendo, ainda, os réus Fundo e BB.

    Inconformada, veio a ré B... interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

    Na qual, e na sua parcial procedência, foi a sentença revogada em parte, condenando-se antes a ré B... a pagar à autora a quantia de € 76 850, acrescida de juros desde a sentença.

    De novo irresignada, veio a ré B... pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª A tomadora do seguro ao declarar que era a proprietária e condutora do veículo seguro, quando o não era, prestou falsas declarações que influíram nas condições do contrato de seguro.

    1. - O contrato de seguro titulado pela apólice nº ... é nulo nos termos do artigo 429.º do Cod. Comercial.

    2. – A tomadora do seguro, por não ser a proprietária, usufrutuária, locatária ou detentora do veículo AJ não responderia nunca pelos danos causados a terceiros pelo dito veiculo pelo que nenhum interesse objectivo tinha no seguro.

    3. – Só as pessoas que possam ser civilmente responsáveis pelos danos causados a terceiros pelo veiculo têm obrigação de transferir a sua responsabilidade para a Companhia de Seguros (arts 1° e 2° do DL 522/85), 5ª - O contrato de seguro celebrado pelo tomador não transferiu para a seguradora qualquer responsabilidade por danos causados pelo veículo AJ pela simples razão de que a tomadora nunca poderia ser civilmente responsável por tais danos.

    4. -A tomadora contratou com a seguradora o seguro em causa por conta própria sem que para tal tivesse qualquer interesse uma vez que nunca seria civilmente responsável.

    5. -Tal contrato de seguro não tem, pois, qualquer objecto.

    6. -Por tal razão é que o artigo 13° nº 1 do DL 522/85 determina a cessação dos efeitos do seguro em caso de alienação do veiculo.

    7. - A tomadora contratou com a seguradora o seguro em causa por conta própria sem que para tal tivesse qualquer interesse uma vez que nunca seria civilmente responsável pelo que o contrato é ainda nulo nos termos previstos no artigo 428. ° parágrafo 10.º do Cod. Comercial.

    8. - O artigo 429º do Cod. Comercial determina claramente que o vício constituído por falsas declarações que influem nas condições do contrato determina a sua nulidade não podendo tal norma ser interpretada como se o legislador quisesse ferir o contrato de simples anulabilidade por tal interpretação ser manifestamente revogatória da norma e ser proibida nos termos do disposto no artigo 9°, n° 2 do Cod. Civil que determina que o pensamento legislativo interpretado tem sempre que ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal e tal interpretação não tem esse mínimo de correspondência verbal na letra do artigo 429.º do Cod. Comercial.

    9. - O artigo 14.º do DL 522/85 deve ser interpretado no sentido de que as situações que determinam exclusão, anulabilidade, resolução ou nulidade do contrato de seguro devem ser anteriores à data do sinistro para poderem ser opostas aos lesados pela seguradora e não interpretada no sentido de que a seguradora s6 pode opor ao lesado tais situações se o fizer antes da data do sinistro.

    10. - A A. para além do mais, peticionou (cfr. art. 145 da douta p.i.) metade do valor do dano da perda da vida da vitima por tal corresponder ao seu quinhão "excluída a quota-parte do pai da vitima... " 13ª- Tal valor foi fixado em 1ª Instância em 50.000,00 euros.

    11. - Nada justifica a fixação pelo douto Tribunal a quo a fixação em 75.000,00 o dano da perda da vida.

    12. - Mostram-se violadas por não aplicadas ou mal interpretadas as disposições conjugadas dos arts 1°, 2°, 13° e 14° do DL 522/85, 428° parágrafo 1° e 249° do Cod. Comercial, artigo 9°, nºs 1 e 2 e 286° do Cod. Civil e ainda artigo 668°, nº 1 aIs d) e e) do CPC 16ª- O artigo 429° do Cod. Comercial deve ser interpretado no sentido de que as declarações falsas quanto ao condutor habitual e ao proprietário do veiculo seguro que determina que a seguradora aplicaria um sobre premio se soubesse quem era o verdadeiro condutor e a proprietária do veiculo determina a nulidade do seguro.

    13. - o artigo 428º parágrafo 1º do Cod. Comercial deve ser interpretado no sentido de ser nulo o seguro contratado por pessoa que não é proprietária do veiculo nem seu condutor habitual por tal pessoa não ser civilmente responsável pelos danos emergentes da circulação rodoviária de tal veiculo e por isso não ter interesse objectivo no seguro.

      Contra-alegou o R. FUNDO, pugnando pela manutenção da sua absolvição.

      Requerendo, à cautela, no caso da procedência do recurso, a ampliação do seu âmbito, nos termos ao art. 684.º-A do CPC.

      Formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª- o douto Acórdão recorrido encontra-se bem fundamentado de facto e de direito, não merecendo qualquer reparo ou censura, não assistindo razão à Recorrente, pois, efectivamente, sempre será o FGA parte ilegítima, por existência de contrato de seguro válido.

    14. – A seguradora, embora seja essa a letra do art. 429.° do C. Comercial, não pode, quando tem conhecimento do sinistro, vir invocar a nulidade do contrato de seguro.

    15. - Desde a promulgação do Código Comercial, interpretações diversas sucederam ao estabelecido pela letra da lei no art. 429.°, a nulidade, construindo a doutrina a distinção entre uma nulidade absoluta e uma nulidade relativa, conceitos que, em 1966, foram plasmados no Novo Código Civil com as denominações de nulidade e anulabilidade, respectivamente.

    16. - Todos os factores de desenvolvimento económico e social devem ser tomados em conta na interpretação das vetustas normas jurídicas do Código Comercial, não sendo de olvidar que a doutrina da interpretação jurídica nos fala, constantemente, na necessidade da interpretação actualista.

    17. - As seguradoras têm meios para controlar, no momento da celebração do contrato, a maior parte...

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