Acórdão nº 08P2866 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | SOARES RAMOS |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, nascido em 13/09/68, em São João da Madeira, actualmente internado no Estabelecimento Prisional de Custóias, detido à ordem deste processo desde 10/12/2006, foi condenado - mediante acórdão proferido em 26/05/2008, no Círculo Judicial de Oliveira de Azeméis e no domínio do processo comum colectivo n.º 1158/06.OPAS JM, 2.ª Juízo -, sob a circunstância da reincidência, pela autoria material de 1 (um) crime continuado de detenção de arma proibida, de 2 (dois) crimes de coação grave, todos consuma-dos, e de 1 (um) crime de homicídio qualificado tentado, perpetrados, todos, entre 09/10/2006 e 10/12/2006 ___ p.p. e p.p., respectivamente, consoante a espécie criminal, pelos art.ºs 86.º n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/06, de 23/02, e 30.º n.º 1 e 79.º do C.P.; 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alínea a) do C.P.; e 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2, alínea j, 22.º n.ºs 1 e 2 e 23.º do C.P. -, nas penas parcelares de, respectivamente, 18 (dezoito) meses, 18 (dezoito) meses, 18 (dezoito )meses, ainda, e 6 (seis) anos de prisão, e, em tais termos, operado o pertinente cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Tanto assim, pois que considerou o tribunal como adquirida a seguinte matéria de facto: «2.1.1.- Na madrugada de 9 de Outubro de 2006, cerca das 00.30h, BB e CC, identificados a fls. 3 do processo apenso (NUIPC n.º 904/06.7TASJM), encontravam-se a conversar junto a uma varanda da residência do arguido, sita no n.º ..., da Rua ...., em São João da Madeira, altura em que ali estacionou o veículo automóvel que conduzia, marca "Volkswagen", modelo, "Pólo".
Após, o arguido saiu do veículo automóvel, dirigiu-se para junto daqueles, mantendo-se a uma distância não superior a dois metros de ambos, e olhou fixamente para um saco que ali se encontrava, pertença do BB.
De seguida, o arguido disse, dirigido ao BB e ao CC, para saírem dali.
Surpreendido com a actuação do arguido, o BB perguntou-lhe porque é que teriam de sair dali, e em resposta, o arguido meteu a mão direita num saco que trazia a tiracolo, exibiu na palma da sua mão direita a arma que a seguir se descreve, na direcção do BB e do CC, dizendo, de novo, para saírem dali.
Assustados, temendo pela própria vida, o BB e o CC sentiram-se forçados a abandonar o local, seguindo cada um para seu lado, e só se reencontraram alguns minutos depois, cerca de 100 metros do local onde antes se encontravam a conversar, para comentarem o sucedido.
2.1.2. Desde, pelo menos, a madrugada de 9 de Outubro de 2006 até 10 de Dezembro de 2006, o arguido manteve tal arma em seu poder e muniu-se da mesma, quando saia de casa, designadamente, à noite.
2.1.3. Na madrugada de 10 de Dezembro de 2006, cerca das 3.00h, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de bar, denominado "...", propriedade de DD, id. A fls. 75, sito na Rua ...., em São João da Madeira, na companhia de EE, identificado a fls. 16, local onde se encontravam cerca de quinze pessoas.
- Uma vez no interior de tal estabelecimento, o arguido manteve-se de pé, junto ao balcão, onde também se encontrava FF, agente principal da P.S.P. n.º ..., este, na companhia de GG, id. a fls. 66.
- Logo que se apercebeu da presença naquele local do agente FF, o arguido, que já o conhecia, por ter sido por ele detido anteriormente, com o propósito de o matar, empunhou a arma na sua mão direita e enrolou o casaco à volta da mão e do braço que empunhava a arma de forma a que ninguém a visse.
- Junto de tal balcão, o arguido posicionou-se de costas voltadas para o agente FF e a uma distância de cerca de 50 centímetros deste.
- Encostou-se ao balcão e disse em voz alta, dirigido a EE, identificado nos autos, e referindo-se ao agente FF: - "Mando-lhe já dois tiros!".
Percebendo que o arguido empunhava uma arma na mão direita e que, ao proferir tal expressão, se referia ao agente FF, de imediato, EE dirigiu-se a este, estendeu-lhe a mão direita e disse-lhe em voz alta, com o propósito de criar no arguido a confusão quanto à verdadeira identificação do agente FF: - "Estás bom, ...?" E o agente FF respondeu-lhe: - "Conheces-me bem, estás-me a trocar o nome porquê?" Tendo o EE respondido: - "Não estás a perceber?" De seguida, o EE disse para o arguido, ainda com o propósito de criar nele a confusão quanto à verdadeira identificação do agente FF: "Estás a ver que é o ..., não é o FF, não o conheces?" E o arguido respondeu: "Conheço, mas não quero conhecer!" De seguida, o arguido voltou-se de frente para o agente FF, mantendo-se a uma distância de cerca de um metro ou um metro e meio deste, estendeu a mão direita onde empunhava a arma, mantendo-a envolta no casaco, na direcção do corpo do agente FF, e disse em voz alta: -" Eu fodo-o, eu fodo-o!".
De imediato, o EE agarrou as mãos do arguido, procurando que este largasse a arma que empunhava.
Nesse momento, o proprietário do bar, DD, gritou: - "Ele tem uma arma!".
Ao ouvir tal expressão, de imediato, o agente FF voltou-se de frente para o arguido, agarrou-o na mão direita com a sua mão esquerda, fazendo força, e ao mesmo tempo, abraçou-o com a outra mão, como forma de conseguir que o mesmo largasse a arma.
Nesse momento, o arguido encostou a arma à barriga do agente FF e premiu o gatilho da mesma, com o propósito de o atingir com um tiro.
No entanto, a munição não deflagrou e a arma não efectuou qualquer disparo, contrariamente ao que o arguido pretendia.
Ainda assim, o arguido, sempre com a arma apontada ao tronco do agente FF, premiu o gatilho de tal arma pela segunda vez, mas, de novo, a munição não deflagrou, a arma não efectuou qualquer disparo, e o agente FF manteve-se sempre a agarrar a mão direita do arguido com a sua mão esquerda, acabando por conseguir erguer o braço direito do arguido na direcção do tecto de tal estabelecimento.
Nesse momento, o agente FF disse em voz alta, por três vezes: -"Polícia, larga a arma".
Ainda assim, o arguido manteve a arma empunhada na sua mão direita e o braço direito erguido, e o agente FF, mantendo-se sempre agarrado ao arguido, conforme descrito, empurrou-o contra a parede e atirou-o para o chão.
2.1.4. A arma mencionada é uma pistola calibre 6,35mm Browning (25 ACP ou 25 AUTO), na designação anglo-americana. É de funcionamento semi-automática de movimento simples (acção simples). Tem sistema de percussão central e directa, o cano tem estrias de 57 mm , com seis estrias de sentido dextrógiro no interior do cano.
A mesma arma tem carregador com capacidade para sete munições, tem alça e ponto de mira fixos. A carcaça é em liga metálica e as platinas em plástico e tem um comprimento total de 118 mm, aproximadamente.
Tal arma é uma arma de fogo não registada (nem legalizável), actualmente de calibre considerado como de defesa (6,35 mm Browning).
No entanto, tal calibre é resultado da transformação/adaptação artesanal das características da arma, que era uma arma essencialmente de gás lacrimogéneo e/ou alarme, pois sofreu a adaptação de um cano estriado rudimentarmente, com a câmara redimensionada ao calibre acima referido.
A arma encontrava-se, aquando da respectiva apreensão, em condições de efectuar disparos, apresentando, porém, deficiências pontuais que condicionam a obtenção da sequência do automatismo.
Quando o arguido premiu o gatilho de tal arma, o que fez por duas vezes, a mesma só não efectuou o disparo da munição que se encontrava na câmara por tal munição não se encontrar em condições de utilização, condições essas que impediram a respectiva deflagração, totalmente alheias à vontade do arguido, e que o mesmo desconhecia.
2.1.5. Na sequência do envolvimento físico entre o arguido e o agente FF, este, beneficiário do Serviço Nacional de Saúde com o n.º ... sofreu contusão da mão esquerda (escoriação pequena no dorso da mão esquerda e duas escoriações pequenas no dorso do 4.º dedo), que lhe determinaram quatro dias de doença.
2.1.6. O arguido quis obrigar o CC e o BB a abandonar o local, onde se encontravam a conversar, exibindo-lhes a arma, de forma a criar neles a convicção de que os iria matar.
O arguido quis matar o agente FF, e que só não conseguiu por motivos totalmente alheios à sua vontade.
É que o arguido conhecia o agente FF e sabia que tinha sido ele quem, no exercício das suas funções de agente da autoridade ao serviço da P.S.P. desta cidade, o tinha detido em cumprimento de mandados de detenção emitidos contra o mesmo (...) O arguido manteve a arma acima referida em seu poder, pelo menos durante o período de tempo referido, fazendo-o sempre do mesmo modo, ou seja, munindo-se da mesma quando saía de casa, pelo menos, à noite, e agiu sempre no pressuposto de que tal arma não lhe seria apreendida.
Conhecia as características de tal arma e estava convencido de que a mesma e a munição com que a carregou se encontravam em perfeitas condições de utilização.
Agiu sempre livre e conscientemente, sabendo que praticava actos proibidos e punidos por lei.» Mais se...
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