Acórdão nº 08A1719 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2008
Magistrado Responsável | MOREIRA CAMILO |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Tribunal Judicial da comarca de Resende, Companhia das Águas das Caldas de AA, S.A. (antes Sotermal - Sociedade Turística e Termal, S.A.), em acção com processo ordinário, intentada contra Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de Miomães e Câmara Municipal de Resende (corrigindo-se depois para Município de Resende), pediu que, com a procedência da acção: "a) Seja reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre a capela e terreno adjacente, objecto de justificação notarial pela 1ª Ré, como parte integrante do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Resende sob o nº 00096; b) Seja declarado que a Autora, por si e antecessoras, adquiriu por usucapião a propriedade sobre a capela e terreno adjacente, alegadamente considerado adro, condenando-se os RR. a reconhecê-lo (este pedido resultou de ampliação na réplica, que foi admitida); c) Seja declarada nula ou sem efeito a escritura pública de justificação notarial outorgada pelos representantes da 1ª Ré e restantes outorgantes, em 25.09.2000, no Cartório Notarial de Resende, e exarada a folhas 13 a 14 verso do Livro de Notas nº 305-A daquele cartório, nos termos do qual justificaram notarialmente o direito de propriedade sobre o prédio urbano composto por capela de rés do chão amplo e adro, situada no lugar de Caldas de AA, com a superfície coberta de 110 m2 e descoberta de 1394 m2, inscrito na matriz sob o artº 387º; d) Seja ordenado o cancelamento do registo predial efectuado em consequência da referida escritura pública, que deu origem à descrição nº 00252/051200, da Conservatória do Registo Predial de Resende; e) Sejam as Rés condenadas a abster-se de praticar quaisquer actos susceptíveis de ofender o direito de propriedade da Autora".
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que, em 04.06.1997, adquiriu, por arrematação em hasta pública, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Resende sob o nº 00096, da freguesia de Miomães, tornando-se proprietária do terreno a que se reporta a descrição, incluindo balneário e capela.
Por si e antecessores, exerceu actos próprios de proprietária do terreno, na convicção de o ser.
A capela sempre esteve integrada no complexo termal e os utilizadores e funcionários do balneário sempre circularam por toda a extensão do terreno sem qualquer limitação ou entrave - funcionava como capela privada para aquistas e hóspedes. Também sempre estiveram a cargo dos antepossuidores da Autora as obras de reparação da capela e o fornecimento de energia eléctrica. Sem prejuízo, refere que o culto religioso foi ali aberto a quaisquer populares, mas com a permissão da Autora e antepossuidores.
A 1ª Ré celebrou, em 25.09.2000, uma escritura de justificação notarial e, com base nela, procedeu ao registo da capela, a que fez acrescer um adro, tendo, após, exigido da 2ª Ré obras de restauro dessa mesma capela - declarou gozar da posse da capela e adro, por forma pacífica, continuada e pública, desde há mais de vinte anos, o que sabia ser falso, tal como falsa a invocação de que o prédio justificado não se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial.
Na sua contestação, a 1ª Ré pugnou pela improcedência da acção, alegando, resumidamente, o seguinte: Pelas descrições prediais mais antigas se comprova que a capela e adro em discussão nos autos nunca integraram o prédio agora da Autora, tendo a capela e espaço envolvente apenas sido incluídos nas ditas descrições a partir de 1946, o que foi feito à revelia da 1ª Ré.
O prédio adjudicado à Autora também não engloba na sua descrição a capela.
A 1ª Ré adquiriu a propriedade do referido imóvel, englobando capela e adro, por usucapião, que invoca.
Em reconvenção, pede que se declare que a primeira Ré adquiriu por usucapião a propriedade do prédio identificado nos artigos 68º e seguintes, condenando-se a Autora a reconhecê-lo (deduziu ainda um outro pedido, do qual viria a desistir).
Por sua vez, a Ré Câmara Municipal de Resende defendeu-se por excepção, arguindo haver da sua parte "falta de personalidade e de capacidade judiciária", tendo em conta ser apenas o órgão executivo da pessoa colectiva "Município de Resende", e por impugnação, defendendo a improcedência da acção.
Houve réplica e tréplica.
A Autora deduziu o incidente de intervenção principal do Município de Resende, o que foi indeferido, por se entender que, realmente, a acção é dirigida contra o Município de Resende, pelo que "a questão da falta de personalidade judiciária sempre seria uma falsa questão".
A final, foi proferida sentença, onde, na procedência parcial da acção e da reconvenção, se decidiu: "1º - Absolver os Réus do pedido de reconhecimento da autora como proprietária da capela e do terreno adjacente que foram objecto da escritura de justificação celebrada pela 1ª ré em 25/09/2000 (no Cartório Notarial de Resende).
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- Declarar, ainda assim, tal escritura de justificação parcialmente nula e inválida na parte atinente ao dito terreno adjacente (mantendo-se válida na parte restante, ou seja, quanto à capela).
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- Ordenar o cancelamento parcial do registo que a ré Fábrica da Igreja efectuou a seu favor (descrição nº 00252/051200), na parte relativa ao terreno adjacente (ou adro).
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- Absolver os réus dos demais pedidos formulados pela autora (incluindo o que deduziu, em ampliação, na réplica).
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- Condenar a autora a reconhecer a ré Fábrica da Igreja como proprietária da indicada capela com a superfície coberta de 110 m2, por ter adquirido tal direito por usucapião.
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- Absolver a autora do restante pedido reconvencional".
Após recursos da Autora e da Ré Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de Miomães, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão, a julgar improcedentes, por não provados, os interpostos recursos de apelação e, consequentemente, a confirmar a sentença recorrida.
Ainda inconformados, vieram a Autora e a referida Ré (esta subordinadamente) interpor recurso de revista do acórdão proferido, tendo ambos os recursos sido admitidos.
Ambas as recorrentes apresentaram alegações, formulando as respectivas conclusões, tendo a Autora contra-alegado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - São os seguintes os factos dados provados no acórdão recorrido: A - Por escritura de 09.09.1915, a Cª das Águas das Caldas de AA adquiriu os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Resende sob os nºs 9241 e 18223, que a seu favor foram inscritos no registo em 06.04.1918, sob a inscrição nº 3953.
B - O prédio descrito sob o nº 18223 era constituído por "um prédio denominado Galiza, que se compunha de terra lavradia, casa de habitação de caseiro, moinho e respectiva casa e duas hortas, limites de Caldas de AA, freguesia de Miomães, a confrontar no seu todo pelo Nascente com a estrada e adro da Capela de Stª Mª Madalena, com herdeiros de D. AS e os de JM, Poente com MM e CM, Norte com o ribeiro e Sul com a estrada".
C - Com o averbamento nº 3 daquela descrição, passou a constar "pelos documentos mencionados ... verifiquei que o prédio nº 18223, conjuntamente com o prédio nº 9241, formam hoje o Grande Hotel do Parque, da Cª das Águas das Caldas de AA - Soc. Anónima de Responsabilidade Limitada, e que vai ser descrito no Livro B-72, sob o nº 27.514".
D - O prédio descrito sob o nº 9241 denominava-se Campo do Barreiro e confrontava a Nascente com a levada dos Moinhos de AS - o actual Ribeiro da Cesta.
E - Porque esses dois prédios confrontavam entre si e porque o Campo do Barreiro sofreu alterações com a construção de uma variante à então Estrada Nacional e cedência de terreno para aumentar o Hotel Costa (hoje Douro Park Hotel), situado a Sul daquele campo, a Cª das Águas, em 17.07.1946, reuniu os dois prédios numa descrição actualizada, requerendo para tanto a criação da descrição nº 27514, de onde constava: "um edifício que serve de hotel, com suas dependências, casa do motor, casa de arrumações, capela e jardim, denominado Grande Hotel do Parque", mencionando nesse requerimento que o prédio a descrever estava inscrito sob os artºs urbanos 202 a 206 da freguesia de Miomães e 374 da freguesia de Anreade.
F - Igual processo aconteceu com o prédio descrito sob o nº 27513, adquirido pela Cª das Águas por escritura de 04.02.1933 e inscrito a seu favor pela inscrição nº 7504.
G - E com o prédio descrito sob o nº 27511, adquirido pela Cª das Águas em 29.09.1943 e inscrito a seu favor pela inscrição nº 7503.
H - Que, por serem confrontantes (confinantes) entre si e neles ter sido construído um novo balneário, foram também reunidos num novo prédio, descrito com o nº 27515, constituído fisicamente pelo edifício que serve de balneário, inscrito na matriz urbana sob o nº 374 da freguesia de Anreade.
I - Por fim, a Cª das Águas reuniu os dois prédios 27514 e 27515, que eram confrontantes entre si, num novo e único prédio, o descrito sob o nº 27518, cujo teor englobou tudo quanto fazia parte daqueles dois prédios, cuja composição era "um prédio que serve de hotel e balneário, com suas dependências, casa de motor, casa de arrumações, capela e jardim, com a denominação de Grande Hotel do Parque e Hotel Portugal, situado no lugar de Caldas de AA, freguesias de Miomães e Anreade, e que confronta "a Nascente com caminho público e avenida em construção...
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