Acórdão nº 01569/05.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2008 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório O Município do Porto [MP] interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto - em 26.09.2007 – que anulou o despacho de 07.04.2005 do Vereador de Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto [CMP] mediante o qual foi aplicada a S...
a pena disciplinar de demissão - o acórdão recorrido culminou acção administrativa especial intentada por S...
contra o MUNICÍPIO DO PORTO, pedindo ao tribunal a declaração de nulidade, ou anulação, do despacho de 07.04.2005 do Vereador de Recursos Humanos da CMP que, na sequência de 3 processos disciplinares movidos ao autor, lhe aplicou a pena de demissão [nos termos do disposto na alínea h) do nº1 e nº2 do artigo 26º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº24/84, de 16 de Janeiro.
Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- O STA [Supremo Tribunal Administrativo] já admitiu que a jurisprudência invocada pelo acórdão recorrido foi emitida ao abrigo da legislação anterior, aguardando-se que o mesmo se pronuncie sobre a questão em discussão; 2- Não é, pois, verdade que esta questão tenha já sido tratada pelo STA, conforme o afirma o tribunal recorrido; 3- O ED [Estatuto Disciplinar] foi elaborado, quanto a lei das autarquias, na vigência da Lei nº79/77; 4- Esta lei conferia à câmara municipal o poder de superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município, entendendo-se caber nesse os poderes de nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários e assalariados municipais; 5- O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo - órgão municipal - o que resulta do nº4 do artigo 18º do ED; 6- Hoje, de acordo com o artigo 68º nº2 alínea a) da Lei nº169/99, compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais; 7- Contrariamente ao que invoca o tribunal recorrido, a solução da Lei nº18/91 de 12.06 não se manteve com a entrada em vigor da Lei nº169/99 de 18.09, pois o legislador reforçou e ampliou, de forma categórica e inequívoca, a solução anteriormente gizada ao atribuir competências ao presidente da câmara municipal para decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais. O facto de a CRP [Constituição da República Portuguesa] referir no artigo 250º que os órgãos representativos do município são a câmara municipal e a assembleia municipal não significa que sejam estes os únicos órgãos representativos; 8- Contrariamente ao que afirma o tribunal recorrido, a CRP, ao omitir a figura do presidente da câmara municipal do elenco dos órgãos representativos do município, não significa que não deve ser reconhecida essa qualidade a tal órgão, tanto mais que o mesmo é eleito directamente, razão pela qual é, de facto, e para os devidos efeitos, um órgão representativo; 9- A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva; 10- O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município; 11- O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos; 12- O ED não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68º nº2 alínea a) da Lei nº169/99; 13- O ED limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências; 14- Norma de atribuição de competência é o artigo 68º nº2 alínea a) da Lei nº169/99; 15- A matéria disciplinar, relativamente à autárquica, não é especial; 16- É, antes, uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar; 17- A revisão de 1997, na nova redacção dada ao nº2 do artigo 243º da CRP, esclareceu que a haver alguma especificidade ela seria sempre de cariz autárquico; 18- O resultado normativo que dê preferência, por especial, ainda que anterior, a normas do ED face a autárquicas é inconstitucional; 19- O artigo 18.º do ED, no entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido, é inconstitucional por vulneração do comando da parte final do artigo 243º nº2 da CRP; 20- Uma interpretação que defenda a extensão do âmbito do ED à atribuição e repartição de competências entre os órgãos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade; 21- A Lei de Autorização Legislativa, ao abrigo da qual foi emitido o ED [Lei nº10/83 de 13.08] não habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q) do nº1 do artigo 165º da CRP, respeitante ao EAL [Estatuto das Autarquias Locais], que abarca não só a organização e as atribuições das autarquias, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços; 22- A Lei nº10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do nº1 do artigo 165º da CRP; 23- A interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado [no caso, o ED] para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada [no caso, o EAL], ao abrigo da qual não foi emitida qualquer lei de autorização e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular [no caso a Lei nº169/99].
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.
O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo assim: 1- O acórdão recorrido anulou o acto impugnado com fundamento nos vícios de incompetência e violação de lei [artigos 18º e 51º nº2 do ED]; 2- O recorrente, Município do Porto, nenhum reparo fez nas suas conclusões de recurso à parte decisória do acórdão que anulou o acto impugnado com fundamento no vício de violação de lei, designadamente não fez qualquer referência ao artigo 51 nº2 do ED; 3- O tribunal de recurso só tem de apreciar as questões levadas às conclusões das alegações de recurso, na medida em que o objecto do recurso se limita a essas conclusões - artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4 e 690º nº1 e nº2 do CPC, aplicáveis ex vi artigos 1º e 140º do CPTA [Código de Processo nos Tribunais Administrativos] [entre outros, AC TCAN de 18.10.2007, Rº00146/05.9BEVIS; AC STA de 26.06.2005, Rº0332/05; e AC STA de 11.06.1997, Rº39981]; 4- Cabia ao recorrente o ónus de alegar e formular conclusões indicando as normas jurídicas violadas e o sentido em que, no seu entender, as normas que constituíam fundamento jurídico da decisão recorrida deviam ter sido interpretadas e aplicadas, o que não foi cumprido pelo réu relativamente ao citado artigo 51º nº2 do ED; 5- Transitou assim em julgado a decisão recorrida na parte em que conheceu do vício de violação de lei por violação do artigo 51º nº2 do DL 24/84 de 16.01, que impede a renovação do acto e prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas pelo réu no presente recurso [artigos 660º nº2 e 684º nº3 e nº4 do CPC]; 6- O recente AC do STA de 13.02.2008, na sequência de muitos outros acórdãos do STA e do TCAN, decidiu por unanimidade negar provimento ao recurso de revista excepcional nº426/07 interposto pelo Município do Porto, emanando assim jurisprudência actual em sentido contrário ao defendido pelo recorrente [recurso esse a que, por ironia do destino, o recorrente se refere nas suas alegações de recurso]; 7- Acresce que, a tese do réu viola ostensivamente o disposto nos artigos 64º nº7 alínea d) e 90º nº3 da LAL [Lei das Autarquias Locais], bem como o disposto no artigo 67º nº1 do ED; 8- Finalmente, a interpretação do artigo 18º nº1 e nº4 do DL 24/84 de 16.01, defendida pelo demandado, para além de constituir uma interpretação violadora de lei expressa, surge como materialmente inconstitucional por violação dos artigos 239º nº1 e nº3, e 250º da CRP, pelo que não deve ser sancionada pelo tribunal.
Termina pedindo o não provimento do recurso.
O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º do CPTA] no sentido, também, do não provimento do recurso jurisdicional.
O ora recorrente [Município do Porto] veio discordar desta pronúncia, reiterando as teses já desenvolvidas nas suas alegações.
De Facto São os seguintes os factos dados como provados no acórdão recorrido, e que não vêm impugnados pelas partes: a) O autor foi admitido, ao abrigo de contrato administrativo de provimento, ao serviço da entidade demandada para exercer funções de advogado síndico, na qualidade de estagiário, no Departamento Municipal Jurídico e CMP [facto que resulta de acordo das partes e ainda da análise dos documentos de folhas 23 e 70 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos]; b) Por despachos da Directora Municipal de Recursos Humanos da CMP, datados de 22.06.04 e 29.09.04, foram instaurados dois processos disciplinares contra o aqui autor, tendo sido nomeada como instrutora do processo disciplinar C..., Chefe de Divisão Municipal de Recrutamento e Selecção da CMP [conforme resulta da análise dos documentos de folhas 11, 12, 24, 104 a 107 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos]; c) No âmbito dos referido processos disciplinares foi deduzida a acusação constante de folhas 98 a 103 dos autos de processo disciplinar apenso 3, nos termos da qual foi imputado ao autor o circunstancialismo fáctico [aqui sintetizado] decorrente de ausência continuada ao serviço e consulta e uso de documentos existentes na Direcção Municipal de Finanças e Património a fim de instruir processos judiciais contra a entidade demandada; d) O autor foi notificado da acusação por ofício da entidade demandada, datado de 17.11.04 [conforme documento de folha 75 dos autos de processo disciplinar apensos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; e) O autor apresentou a resposta à nota de culpa nos termos constantes de folhas 77 a 90 dos...
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