Acórdão nº 0854261 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ SIMÕES
Data da Resolução02 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pº nº 4261/08 Agravo + Apelação (21) ACÓRDÃO Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO B.........., intentou a presente acção com processo ordinário contra a Companhia de Seguros C.........., SA e contra D........., decorrente de acidente de viação, pedindo que a 1ª ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 51.814,68 acrescidos de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento ou subsidiariamente ser a 2ª ré condenada no mesmo pedido, se se vier a provar ser irresponsável a 1ª.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou que foi vítima dum acidente de viação no dia 29 de Setembro de 2001, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, que pretende ver indemnizados.

Regularmente citada, a 1ª ré alega desde logo a nulidade do contrato de seguro, impugnando ainda a versão do acidente e a extensão dos danos alegados.

A 2ª ré também contesta, excepcionando a incompetência internacional do tribunal e impugnando a matéria de facto articulada pelo autor.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção deduzida pela 1ª ré e com a (condicional) absolvição da 2ª ré, ficou prejudicado o conhecimento da incompetência do tribunal por ela invocada.

Inconformada, agravou a 1ª ré, apresentando as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões: 1- A ora recorrente discorda do despacho saneador recorrido, por entender que o Exmº Sr. Juiz do Tribunal a quo não esteve bem quanto à parte em que considerou, desde logo, a excepção de nulidade do contrato de seguro alegada pela ora recorrente improcedente e, não levou a matéria alegada pela ora recorrente à base instrutória.

2- Aquando da apresentação da proposta de seguro subscrita pelo Sr. E.........., proprietário do veículo seguro e seu condutor no momento do acidente dos autos, este comunicou à ora recorrente que o veículo a segurar era de marca Mercedes, modelo .......... e com a matrícula ..-..-HN, ou seja, o veículo envolvido no acidente.

3- Mais, declarou que o veículo referido não fazia serviço de reboque, como se denota da proposta e apólice de seguro junta aos autos.

4- E que era um veículo ligeiro de passageiros, com capacidade para nove pessoas, como se percebe pelo livrete junto aos autos com a contestação, tendo os seus dados sido adulterados pelo segurado.

5- Nos termos do disposto no artº 227º do CCiv., aquele que negociar com outrem para conclusão de um contrato deve proceder segundo as regras da boa-fé e segundo o artº 762º/2 do mesmo diploma legal, a boa-fé deve manter-se mesmo no cumprimento da obrigação.

6- Foi nestes termos que a ora recorrente aceitou a declaração negocial do Sr. E.........., acreditando que este agia segundo os ditames da boa-fé.

7- Na verdade, na celebração de um contrato de seguro, as Companhias Seguradoras entre as quais se inclui a ora recorrente, analisam e avaliam o risco proposto a segurar pela análise dos factos constantes da proposta de seguro. Não existe para já outra forma de actuar das seguradoras.

8- Ora, no caso objecto dos presentes autos a ora recorrente confiou que os factos constantes da proposta de seguro assinada pelo proprietário do veículo eram verdadeiros.

9- Foi precisamente aquando das averiguações que a ora recorrente apurou e constatou que as declarações prestadas pelo proponente aquando da apresentação da proposta de seguro não correspondiam à verdade.

10- Na verdade, o segurado habitualmente efectuava serviço de reboque com a mencionada viatura e utilizava-a constantemente para transportar passageiros desde Portugal para outros países europeus e vice-versa.

11- Aliás, no momento do acidente, a viatura segurada rebocava um outro veículo, de marca Nissan .........., matrícula VD-........, monovolume de cerca de duas toneladas de peso, em cima de um reboque de duplo eixo central de matrícula VD-......, além de transportar (no exercício da sua actividade e por isso com a contrapartida de um preço pelo serviço prestado) aquando do acidente seis pessoas.

12- Acrescente-se que, após as averiguações feitas pela ora recorrente e de esta ter apurado que os factos constantes da proposta - sobre o objecto seguro - não eram verdadeiros, foi o próprio segurado da ora recorrente que solicitou retirar a participação do sinistro uma vez que, perante o apuramento dos factos pela ora recorrente o segurado assumiu a responsabilidade pelos danos.

13- O segurado, só depois de ter sido interpelado por variadíssimas vezes pela ora recorrente para exibir o original do livrete do seu veículo (interveniente no acidente), acabou por o apresentar tendo-se nessa altura apurado que afinal o seu veículo era um ligeiro misto de mercadorias e apresentava como lotação máxima três pessoas. Mais se verificou que o segurado tinha transformado o seu veículo por forma a permitir o transporte de onze pessoas.

14- Assim, as declarações prestadas pelo Sr. E.......... na proposta de seguro são falsas e determinaram por si só a aceitação do contrato de seguro pela recorrente e a definição do valor do prémio a pagar.

15- A verdade é que, se a recorrente tivesse conhecimento na altura da aceitação do contrato de seguro destas circunstâncias, ou teria declinado logo a garantia do risco, ou, quando muito, o respectivo prémio seria consideravelmente superior.

16- A realidade é que é muito diferente celebrar-se um contrato de seguro com base num veículo ligeiro de passageiros, que possui lotação para três pessoas, ou mesmo para nove pessoas como a recorrente acreditava, não fazendo serviço de reboque e sendo utilizado pelo seu proprietário para seu prazer, ou para responder às suas necessidades e outra coisa muito diversa é celebrar-se um contrato de seguro tendo em conta um veículo ligeiro misto de mercadorias, que é utilizado para fins comerciais, nomeadamente transporte de passageiros entre países europeus, transportando onze pessoas e, para além disso, que efectua serviço de reboque, rebocando veículos.

17- O contrato de seguro obrigatório automóvel é um contrato celebrado de acordo com o estipulado em lei material. O objecto do contrato de seguro obrigatório automóvel é fixado em condições gerais estabelecidas no regulamento nº 17/2000 de 21/12/2000, tendo em conta o previsto no DL 522/85 de 31 de Dezembro. Portanto, o DL 522/85 de 31 de Dezembro é regulamentado por norma emanada do Instituto de Seguros de Portugal - órgão tutelar da actividade seguradora - no que diz respeito ao contrato de seguro automóvel.

18- As condições da apólice de seguro obrigatório automóvel são em primeiro lugar fonte estadual de direito quer em sentido material (estão em regulamento normativo) quer em sentido orgânico (elaboradas por órgão estadual competente - o ISP). As condições da apólice de seguro obrigatório automóvel são, em segundo lugar, fonte de relações obrigacionais mas, a liberdade contratual de ambos os contraentes - seguradora e tomador de seguro - está limitada à liberdade de celebração e nunca à liberdade de modelação do conteúdo contratual, porque as condições contratuais resultam de normas jurídicas imperativas. Trata-se de um contrato de seguro típico, especial, regulado, completamente por lei.

19- O contrato de seguro automóvel regula-se, em primeiro lugar, pelas disposições da respectiva apólice, nos termos normativos, especiais, emanados, por via de lei material, do Instituto de Seguros de Portugal (artº 10º e 39º do DL 522/85 de 31 de Dezembro); Em segundo lugar, nos termos do DL 522/85 de 31 de Dezembro; por último, eventualmente, pelo Código Comercial e demais legislação civil relativa aos contratos.

20- As normas relativas ao seguro obrigatório automóvel são especiais porque o contrato de seguro em causa se fundamenta em princípios de Ordem Pública, tal como resulta do Preâmbulo do DL 522/85 de 31/12, do Preâmbulo do DL 130/94 de 19/05 e das Directivas Comunitárias que lhe estão na origem. Esses princípios de Ordem Pública justificam, no essencial, a existência do Fundo de Garantia Automóvel, regulado nos termos dos artºs 21º e ss do DL 522/85 de 31/12. Este fundo tem como finalidade indemnizar os lesados de acidentes de viação, quando o responsável pelo acidente, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz (artº 29º/6 do DL 522/85 de 31/12). Portanto, os lesados estão protegidos pelas determinações de um seguro válido do responsável pelo acidente e se existir seguro inválido ou ineficaz, os lesados podem ver ressarcidos os seus danos por via do Fundo de Garantia Automóvel.

21- Nesta conformidade, os interesses dos terceiros lesados estão sempre salvaguardados, nos limites legalmente impostos. É nesta conformidade que o artº 14º do DL 522/85 de 31 de Dezembro estipula que "...a seguradora pode opor aos lesados ... a nulidade nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro". Perguntar-se-á, onde é que estão as nulidades legais ou regulamentares em vigor? 22- Os interesses visados pelo artº 429º do Cód. Comercial são meros interesses particulares, o que faz cair na anulabilidade. Contudo, este dispositivo tem sentido, por exemplo, quando está em causa um contrato de seguro facultativo em que as suas condições gerais não são reguladas e impostas por lei. No contrato de seguro não obrigatório (facultativo) as partes estão vinculadas a um conjunto de obrigações decorrentes de um contrato de adesão, que ambas pretenderam contratar. Nenhuma das partes é obrigada a contratar, nem o tem de fazer vinculada a certas normas: se quiser fazer o seguro faz, salvaguardando assim os seus interesses, se não quiser não faz e nessa conformidade acarretará as consequências... Aqui sim, estão em causa simples interesses particulares e faz sentido o regime da anulabilidade.

23- No contrato de seguro obrigatório automóvel, não estão em causa simples interesses particulares: - A prevenção e segurança rodoviária, implícita na fundamentação do DL 522/85 de 31 de Dezembro, não é justificada por simples interesses particulares; - A protecção de terceiros...

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