Acórdão nº 270/2009-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJOÃO AVEIRO PEREIRA
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório A COMPANHIA DE SEGUROS S.A., invocando um direito de regresso relativo à indemnização que pagou em virtude de acidente de viação, em que o Réu acusou uma taxa de 2,13 g/l de álcool no sangue, intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma de processo sumário, contra J pedindo a condenação deste a pagar-lhe € 5.313,56, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

O Réu contestou defendendo, em síntese, que a taxa de álcool não esteve na origem do acidente, que este sempre se daria e que houve concorrência de culpas. Respondeu a A., mas a sua resposta foi mandada desentranhar.

Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e a absolver o Réu do pedido.

Inconformada, a A. apelou e concluiu assim as suas alegações: 1. A Apelante considera que a matéria de facto foi mal decidida pelo Tribunal a quo porquanto, a prova produzida em audiência, designadamente o depoimento do Dr. M, médico, gravado na cassete n.º 1, lado A, rotações 1167 até 2089, conforme acta da audiência de julgamento de 21/05/07, não contrariado por qualquer outra prova e conjugado com as regras da experiência e do senso comum, impunham que o tribunal a quo considerasse provados os quesitos 8.º a 11.° da base instrutória.

  1. Efectivamente, foi este médico peremptório em afirmar que uma TAS de 2,13 g/l provoca uma diminuição dos reflexos, atenção e a acuidade visual, dificuldade de coordenação psico-motora e um estado de euforia.

  2. Acresce que, conforme alegado pela Apelante nos art.ºs. 25.° e 27.° da petição inicial, "é comum e medicamente assente que o álcool afecta negativamente as faculdades físico-mentais imprescindíveis ao bom desempenho da condução automóvel, com efeito, está cientificamente provado que o álcool no sangue, a partir de determinado nível (normalmente o limite legal) produz alterações na capacidade neuro-motora do condutor, influenciando, necessária e negativamente, o comportamento na estrada dos condutores, pois diminui a atenção e reflexos indispensáveis circulação rodoviária e provoca um estado de euforia".

  3. Estes factos são factos notórios que, por isso, não precisam de alegação ou prova, não obstante deverem, nos termos do disposto no art. 264.° do C.P.C., ser tomados em consideração pelo Julgador ao decidir a causa.

  4. Estes factos, conjugados com os demais alegados e provados, deviam ter levado o Tribunal a quo a considerar provados os factos vertidos nos art.ºs. 8.° a 11.0 da base instrutória.

  5. Nestes termos, solicita-se ao Tribunal ad quem que, ao abrigo dos poderes que processualmente lhe são atribuídos, reaprecie a prova gravada e altere a matéria de facto conforme supra requerido, considerando provados os factos constantes nos artigos 8.° a 11.0 da base instrutória.

  6. Ou, caso se entenda que os factos alegados pela A. nos art.ºs. 25.° a 27.° da petição inicial não são factos notórios, então, por relevantes para a boa decisão da causa, impunha-se que o Tribunal a quo os tivesse incluído nos factos assentes ou na base instrutória.

  7. Não o tendo feito, deve o Tribunal ad quem corrigir tal lapso, e, porque do processo constam todos os elementos de prova produzidos nos autos, deve considerar tais factos provados, ou caso entenda assim não ser possível, deve anular a decisão de 1.a Instância e ordenar a ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento, ao abrigo do disposto no art. 712.°, n.º 4, do C.P.C..

  8. Sem prejuízo do supra alegado, entende a Apelante que, mesmo sem a alteração da matéria de facto supra alegada, devia o Tribunal a quo ter considerado que o réu conduzia sob a influência do álcool e demonstrado o nexo de causalidade entre a condução sob a influência e o acidente dos autos.

  9. É facto notório, cientificamente comprovando, que, por isso não necessita de prova, que as faculdades motoras e a destreza para a condução por parte do réu estavam, com aquela taxa - 2,13 g/l -, seriamente afectadas e diminuídas, pelo que de forma alguma se pode aceitar que uma tal taxa de alcoolémia não tenha sido a causa ou uma das causas do acidente dos autos.

  10. Como é considerado no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/12/2003, disponível in www.dgsi.pt, não é possível "procurar-se uma solução para esse nexo através de uma simples pergunta ou quesito, que implique uma resposta directa sobre a existência desse nexo, pois tal existência é necessariamente uma conclusão ou o resultado de um conjunto de factos demonstrados ou de observações feitas pelo julgador, que conduzam a esse tipo resultado, como também sucede, por exemplo, quanto à indagação e prova do nexo de imputação do facto ao agente e sua culpabilidade".

  11. O Tribunal de 1.a Instância concluiu que o nexo de causalidade não estava demonstrado pois "não se provou que, se não se encontrasse sob a influência do álcool, não provocaria igualmente o acidente", mas ao decidir assim, decidiu mal.

  12. Tem vindo a ser entendido que "provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano" (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2006, disponível in CJ 2.0-119).

  13. No caso dos autos, dos factos apurados resulta evidente que o álcool determinou - ou pelo menos contribuiu decisivamente - para o excesso de velocidade em que circulava o réu e para o facto de o réu não ter conseguido aperceber-se da existência de lombas na via à sua frente, e do abrandamento do veículo que o precedia.

  14. Resultou, ainda, evidente, que a taxa de álcool de 2,13 g/l com que o réu conduzia provocou uma diminuição de reflexos que impediu o réu de abrandar ou...

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