Acórdão nº 09A0134 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução03 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., nº 000, em Penafiel, propuseram a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra a Massa Falida de CC, representada pelo seu Administrador, Dr. AG, residente na Avenida ..., nº 000, no Porto, pedindo que, na sua procedência, se declarem nulas e de nenhum efeito as resoluções dos contratos de doação efectuadas pelo Liquidatário Judicial e se ordene o cancelamento do registo das respectivas apreensões, reconhecendo-se que o autor marido é o único e exclusivo dono dos bens doados, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, por contrato de doação, a avó paterna do autor, DD, doou a este os imóveis identificados, sendo certo que o Liquidatário Judicial resolveu os respectivos contratos de doação, apreendendo para a Massa Falida de seu pai os aludidos bens.

Na contestação, a ré invoca as excepções da ilegitimidade e da caducidade, alegando ainda que as doações violam o princípio da intangibilidade da legítima, tratando-se de actos viciados, por simulação absoluta, concluindo no sentido da legalidade das resoluções operadas.

Na réplica, os autores alegam que a questão da intangibilidade da legítima apenas em processo de inventário poderá ser conhecida, que inexiste simulação, até porque a doadora e o donatário desconheciam as dívidas do falido, e que a invocação da simulação é incompatível com a afirmação da validade das resoluções, por aquela originar a nulidade do negócio e esta pressupor a sua validade.

Decidindo, sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou improcedentes as excepções da ilegitimidade passiva da ré e da caducidade do direito de propor a acção, e esta, procedente por provada, declarando nulas e de nenhum efeito as resoluções dos contratos de doação, referidos nos factos provados A) e B) e, consequentemente, determinou o levantamento da apreensão de tais imóveis, a favor da massa Falida de CC, com o cancelamento dos respectivos registos de apreensão.

Desta decisão, a ré interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente, confirmando o saneador-sentença proferido.

Do acórdão da Relação, a mesma ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª - Pelo acórdão de agravo n°6030/05.3 datado de 23/01/2006 pela 3a Secção do Tribunal da Relação do Porto, os MM Juizes Desembargadores acordaram considerar que as doações feitas pela mãe do falido podem ser objecto de resolução nos termos do artigo 156° n°1 al. a) do CPEREF, pelo que o citado agravo não obteve provimento, tendo transitado em julgado.

  1. - Verificaram-se, assim, todos os pressupostos legais dos artigos 497° e 498° do CPC, com a inerente tríplice: a) identidade de sujeitos b) causa de pedir e c) pedido. O acórdão referido, está integrado no processo de falência principal, logo os efeitos de tal sentença, aplicam-se a todas as acções prejudicais (ainda que autónomas) a ele apensadas.

  2. - Mesmo não existindo tríplice identidade entre partes, causa de pedir e pedido, não se pode deixar de se concluir pela existência de caso relativamente às questões que constituem o antecedente lógico, ou seja sobre os concretos pontos da matéria de facto em que se alicerçou aquela 1ª decisão.

  3. - O acórdão proferido não conheceu em via incidental a questão já que esta resulta da delimitação objectiva do recurso apresentada pelo então agravante. A resolubilidade das doações, mesmo que entendida - o que se não entende - como mera questão incidental, podia e devia ser objecto de reflexão e apreciação do "Tribunal ad quem" uma vez, que em última instância é necessariamente de conhecimento ex officio, já que a resolução de negócios em processo falimentar, tem inerente um interesse de ordem pública. Do exposto, não considerando a existência do caso julgado material, o douto acórdão violou os artigos 497° e 498° do CPC, e artigo 2o da CRP.

  4. - Não pode, tal como faz o douto acórdão, reconhecer que a dita acção "parece estar sujeita a prazo", mas na ausência de norma expressa deve concluir pela inexistência de prazo de caducidade. Tal entendimento é contraditório sendo a negação do princípio da confiança e segurança jurídica.

  5. - OCPEREF, não se menciona de forma expressa o prazo para propositura de acção de impugnação de resolução, contudo da conjugação dos artigos 156° n°3 e 160º n°3, parece que a impugnação deste prazo estará sujeita a prazo. Será assim de recorrer, segundo o artigo 10° do CC, a aplicação analógica de norma aplicável a casos análogos, ou segundo norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. E assim o CPEREF estipula outros prazos para restituição/revindicação/separação/apreensão de bens para a massa falida, é necessário aplicar analogicamente os prazos estabelecidos nos art. 201°, 203° ou 205° ao regime da impugnação da resolução. Se o legislador pretendesse a aplicação de diferentes normativos para cada situação, não deveria ter manifestado esse animus de lege ferenda expressis verbis? Se não o fez, data vénia, foi por considerar que a ambas as situações se deveriam aplicar os mesmos preceitos.

  6. - Mesmo não recorrendo a aplicação analógica, de acordo com o critério do artigo 9.º do CC, que a interpretação de uma norma não deve cingir-se à letra da lei, mas sim ser reconstruído a partir dos textos o pensamento legislativo. Ora a intenção normativa expressa no processo especial de falência, que a finalidade precípua do processo é o pagamento, na maior medida possível, dos credores de forma mais célere. Pelo que, não será de aceitar a possibilidade de resolução com carácter precário.

  7. - Do exposto, considera-se que os recorridos não exerceram o direito potestativo de impugnação de resolução a seu devido tempo. Considerar o inverso, tal como fez o acórdão agora em crise, é ofender o estipulado no artigo 8º n°1 e 3 do CC, bem como interpretar ofensivamente os normativos 156° n°3 e 160º n°3, do CPEREF.

  8. - A mesma violação do artigo 10° do CC é aplicável à questão da legitimidade passiva, na ausência expressa no artigo 160°/3 da delimitação da legitimidade, é necessário recorrer às normas análogas, que no CPEREF seriam os artigos 201° e 205° de onde decorre a obrigatoriedade de intentar a acção não só contra a massa falida mas outros. Pelo que, podendo lançar mão do artigo 125° do CIRE para justificar a interpretação adoptada pelo acórdão em crise, será uma clara violação do n°1 do artigo 12° do CC.

  9. - O n°1, alínea a) do artigo 156° do CPEREF, traduzida no item quais os actos que podem ser validamente resolvidos em beneficio da massa falida., impõe-se esclarecer que, o normativo consagra que podem ser resolvidos em beneficio da massa falida "actos que envolvam a diminuição do património do falido, celebrados nos dois anos anteriores à data do processo conducentes à falência, incluindo o repúdio de herança ou legado".

  10. - Na letra ou espírito da lei, não se consagra que estes actos tenham que ser praticados pelo próprio falido, mas tão-somente que os actos envolvam a diminuição do património do falido, quer este se encontre ou não na sua disponibilidade.

  11. - "Isto porque, se o legislador pretendesse apenas sancionar com a resolução actos praticados pelo falido, di-lo-ia concerteza, bastando começar a alínea a) em apreço com a expressão "actos praticados pelo falido", outra não podendo ser a interpretação do normativo em apreço, ante o disposto no artigo 9o n°1 do CC, que alude à letra da Lei, e à mens legislatoris" (sic Agravo n°6030/05.3 datado de 23/01/2006 pela 3a Secção do Tribunal da Relação do Porto).

  12. - A resolubilidade é um efeito em relação aos negócios do falido, capazes de lapidar o património, incluindo acções de terceiros capazes de produzir os mesmos efeitos. Pelo que, sendo o falido herdeiro universal da doadora, já falecida, não se está a tratar de um mera expectativa jurídica (que aliás como o próprio conceito indicava, se encontra já tutelada por lei - neste sentido Castro Mendes- Dir. Civil, Teoria Geral, 1979,11-50) mas sim do acervo patrimonial. Aliás a resolução também é possível em caso de partilha, pois a lei apenas exige que se trate de um negócio jurídico com repercussões negativas na esfera do falido. É o esvaziamento da Massa...

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