Acórdão nº 09A0140 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução03 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e esposa, BB, residentes na Rua ......................, em Lisboa, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra "CC - Sociedade de Construções, Lda", com sede na Avª .........................., em Lisboa, pedindo que, na sua procedência, seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade dos 1057,1m2 que constituem a área total do prédio urbano descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° 5252, do Livro nº B-25, que seja devolvida aos autores a posse dos 651,1 m2 de terreno, correspondentes à área descoberta inscrita no n° 5252, do Livro nº B-25, da 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, que a ré seja condenada a rectificar a descrição, na Conservatória de Registo Predial, do prédio situado, na freguesia de Santos-o-Velho, descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial, sob o n° 433, Livro nº B-6, de forma a que a totalidade da superfície do seu prédio seja de 1142,9 m2 e não como, actualmente, consta de 1707,3 m2, verificando-se que o acréscimo de área foi efectuado com prejuízo da propriedade dos autores, e que a ré seja condenada a demolir todas as construções implantadas na propriedade dos autores, invocando, para o efeito, e, em síntese, que estes são proprietários de um prédio urbano, composto por cinco andares e quintal, com 406 m2 de área coberta e 651,1 m2 de área descoberta, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°5252, Livro B-25, que obtiveram na sequência do exercício de acção de preferência, vindo a registar a respectiva aquisição, em 13 de Janeiro de 1995.

A ré é proprietária das várias fracções autónomas que integram o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°433, do Livro B-6.

Tendo os autores iniciado, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um processo para constituição da propriedade horizontal, vieram a ser informados que a área do seu prédio e a do prédio da ré não cabia dentro do espaço em planta, que era de 2200 m2, sendo certo que este último, cuja área inicial era de 1113,3 m2, aparece hoje registado com uma área total de 1707,3 m2.

A isto acresce, continuam os autores, que a ré tem realizado construções, no logradouro do prédio dos autores.

Na contestação, na parte que ainda interessa à apreciação do mérito da revista, a ré alega que a área descoberta de 651,1 m2, constante da descrição predial do prédio dos autores, foi integrada no prédio daquela, há mais de 100 anos, pertencendo, desde 1905, ao prédio da mesma, e que, desde então, os sucessivos proprietários e possuidores deste prédio sempre estiveram, na posse daquela parcela de 651,1 m2, adquirindo-a, por usucapião, enquanto que, em sede reconvencional, pede se declare a manutenção da posse da ré sobre todo o pátio/logradouro, se reconheça o direito de propriedade da ré sobre toda a área existente entre as fachadas dos prédios A e B, com as dependências nela edificadas, numa área total de 1.208,6 m2, sendo 604,3 m2 da área descoberta e 604,3 m2 de área coberta, se declare integrada nessa área do prédio A a área de 651, m2, que consta da descrição predial do prédio B, como área descoberta, cancelando-se e eliminando-se, em consequência, tal área da respectiva descrição predial, que se condenem os autores a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade e a posse da ré sobre todo o pátio/logradouro, na sua extensão de 1.208,6 m2, que os autores sejam condenados a taparem as janelas que, ao nível do piso térreo, dão, directamente, para o pátio/logradouro do prédio da ré, que os autores sejam condenados a restituírem o acesso ao posto de transformação e a demolirem a construção que sobre ele fizeram, que os autores sejam condenados a absterem-se de quaisquer actos materiais ou jurídicos, praticados no seu prédio B, que violem ou prejudiquem o direito de propriedade da ré sobre o seu prédio.

Na réplica, os autores defendem a improcedência da contestação-reconvenção, concluindo como na petição inicial.

A sentença julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré dos pedidos e a reconvenção, parcialmente, procedente, condenando «os AA a reconhecerem à R. o direito de propriedade do prédio de C), com a superfície total de 1.707,6 m2, sendo que o prédio da Ré compreende toda a área existente entre as fachadas dos prédios de C) e G), com as dependências nela edificadas, isto é compreende todo o pátio/logradouro, a rectificarem a descrição do prédio de G) de modo a que não haja menção de área descoberta a reconhecerem que, sem outros cálculos mais rigorosos, o prédio dos AA terá de área total, e toda coberta, 492,4 m2, a reconhecerem que o prédio dos AA confina nas traseiras com o muro de AL) a reduzirem a janela que nas traseiras do prédio dos AA deita para o da Ré, ao nível do piso térreo (a que se pode ver na foto de fls. 275, mais à direita, por sob as telhas), às dimensões anteriores - de fresta», no mais absolvendo os autores do respectivo pedido reconvencional.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação, os mesmos autores interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que determine o lapso registral no actual prédio da ré, e, em consequência, seja tal registo predial rectificado para uma área superficial única de 1103,30m2, sendo que a área superficial do actual prédio dos recorrentes, isto é, 406m2 de área coberta e 651,10m2 de área descoberta (pátio) deverá manter-se, tal como consta da descrição predial originária, que é coerente e perfeita, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª - A competência do STJ no denominado recurso de revista cinge-se à apreciação da matéria de direito, isto é, à aplicação do direito aos factos.

  1. - Face à motivação de recurso apresentada pelos apelantes, o Tribunal da Relação de Lisboa teve a necessidade de alterar/excluir matéria de facto julgada incorrectamente pelo tribunal em primeira instância, bem como aditar factos novos, todos eles resultantes dos averbamentos constantes das certidões de registo predial de ambos os prédios.

  2. - Da matéria de facto transcrita na motivação de recurso, repare-se que, propositadamente, os apelantes fazem sobressair (com letra maior) os factos susceptíveis do enquadramento jurídico.

  3. - Isto porque, como o Tribunal da Relação de Lisboa evidenciou e bem que, ao contrário do que pretendiam os apelados, a questão da eventual usucapião não pode ser apreciada pelo tribunal de recurso - vide págs. 22 e 23 do acórdão recorrido: Dispõe o n°1 do art. 684-A do CPC que no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

    Ora, como explicam Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes cabendo no n1 do art. 684-A quer a situação de causas de pedir ou fundamentos de defesa alternativos, quer a de pluralidade de causas de pedir ou fundamentos de defesa em que um é indicado como principal e o outro (ou outros) como subsidiário, o mesmo só se aplica quando o tribunal recorrido tenha, efectivamente, conhecido, julgando-o improcedente, o fundamento em causa: a parte vencedora há-de ter nele decaído.

    Se, ao invés, tal fundamento invocado pela parte em 1a instância não tiver chegado a ser apreciado - designadamente por ser subsidiário e proceder o fundamento principal - o tribunal de recurso dele não poderá conhecer sem necessidade de requerimento de ampliação.

    No caso que nos ocupa e no que respeita ao fundamento/causa de pedir usucapião o tribunal de 1a instância dele não conheceu por considerar prejudicada a sua apreciação. Não estaremos, pois, propriamente perante a previsão do n°1 do art°. 684-A do CPC, uma vez que a R./Reconvinte não decaiu nesta parte.

  4. - Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa no que respeita à subsunção jurídica dos factos teve a necessidade de se socorrer da figura do usucapião, que ab initio e de forma expressa considerou vedada, dando assim razão aos apelados.

  5. - Aliás, os pontos 10 e 11 do capítulo IV do Acórdão recorrido - vide págs. 42 a 44 - são sintomáticos dessa mesma apreciação em sede de usucapião - com inúmeras referências à duração da posse do imóvel por parte dos recorridos, aos alegados pagamentos fiscais, às alegadas benfeitorias realizadas, ao conhecimento que terceiros de que os recorridos seriam os proprietários, etc - terminando o ilustre colectivo "a quo" no ponto 11 que, "conscientes embora do excesso (...) não oferece dúvidas, pois, a posse da ré (e dos seus antecessores) quer a aquisição, por usucapião da área descoberta de 604,3m2 a que se reportam os autos".

  6. - Ou seja, o Tribunal recorrido acaba por aplicar a mesma figura jurídica - usucapião - que, páginas antes, vedara juridicamente e bem a sua apreciação.

  7. - É essencialmente por essa razão que agora se recorre para V. Exas., pois consideram os apelantes que a solução jurídica dos presentes autos não pode passar pela aplicação da figura da usucapião - nem sequer discutida/apreciada em julgamento - mas sim pelo verdadeiro enquadramento jurídico dos factos.

  8. - Nem se alegue que o Tribunal da Relação dirimiu a questão com base na presunção da titularidade do direito nos termos do art°. 1268° do C.C.

  9. - É que a presunção de titularidade do direito a que alude o art°. 1268° do C.C., cuja previsão jurídica é bastante próxima da figura do usucapião, cessa se existir a favor de outrem (neste caso os apelantes) presunção fundada em registo anterior ao início da posse - que é claramente o caso, cfr. facto aditado dado como provado "AU".

  10. - Por outro lado a presunção a que...

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