Acórdão nº 377/12.5T2ALB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução27 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

e marido, B... , residentes na Rua (...), Albergaria-a-Velha, intentaram a presente acção, sob a forma de processo sumário, contra C...

e mulher, D...

, residentes na Rua (...), Albergaria-a-Velha, alegando, em suma, que: São donos de um prédio urbano que adquiriam por doação dos pais da Autora, titulada por escritura pública de 02/07/2012, sendo que estes os haviam adquirido por sucessão por óbito dos avós da Autora, E... e F... , falecidos em 1994 e 2009; os Réus são donos de um outro prédio urbano que confina pelo lado sul com o prédio dos Autores, sendo que a casa aqui existente foi reconstruída pelos Réus em 1994; o Réu marido é filho dos avós da Autora supra identificados e, enquanto a sua mãe foi viva, visitava-se na sua morada, que agora é o prédio dos Autores, e quando construiu a sua casa, em 1994, deixou um espaço aberto entre o seu logradouro e o cabanal da casa da mãe para permitir o trânsito entre ambas, transitando por aí, com a tolerância da mãe, mas sem que existisse qualquer servidão de passagem; mesmo depois de o prédio que pertencia à mãe do Réu ter sido doado à Autora, os Réus continuam a transitar por ele, com a oposição dos Autores; ainda que existisse alguma servidão, ela é desnecessária, porquanto o prédio dos Réus tem ligação directa à via pública.

Com estes fundamentos, pedem que os Réus sejam condenados: a) – A reconhecerem que os Autores são os donos únicos e exclusivos do prédio urbano identificado nos arts.1.º e 2.º da petição, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob a ficha n.º 4770 da freguesia da (...); b) – A reconhecerem que, em benefício do seu prédio urbano, não está instituída qualquer servidão de passagem sobre o prédio referido em a).

Subsidiariamente e para o caso de não proceder o pedido da alínea b), pedem que seja declarada a extinção, por desnecessidade, da servidão de passagem de pé constituída sobre o prédio referido na alínea a) em benefício do descrito prédio dos réus.

E, em qualquer caso, pedem a condenação dos Réus a absterem-se de passar do seu prédio para o adro da capela através do descrito prédio descrito na alínea a).

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, sustentando, em suma, terem adquirido, por usucapião, uma servidão de passagem pelo prédio identificado na petição inicial, através de um caminho aí existente, por via do qual se acede ao prédio dos Réus desde há mais de trinta anos, sem oposição de ninguém, à vista de todos e na convicção de exercício de um direito de passagem. Mais sustentam que essa servidão não se extinguiu por desnecessidade, na medida em que, apesar de o prédio dos Réus confinar com a via pública, esta comunicação não proporciona as mesmas condições de acesso e comodidade que são proporcionadas pela servidão.

Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção, pedindo, em reconvenção, que os Autores sejam condenados: a) – A reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado nos arts. 9,º, 10.º e 11.º da petição inicial; b) - A reconhecerem que sobre o prédio dos Autores está constituída uma servidão de passagem a pé, a favor do prédio dos Réus , e que constitui a única forma de acesso ao mesmo; e c) - A absterem-se da prática de qualquer ato que impeça o exercício de direito de servidão.

Os Autores responderam, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, decidiu: “1. - Condenar os réus a reconhecerem que os autores são únicos e exclusivos proprietários do prédio urbano descrito no ponto 1. dos factos provados; 2. – Condenar os autores a reconhecerem que sobre o referido prédio foi constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, em benefício do prédio dos réus, descrito no ponto 7. dos factos assentes; 3. Declarar extinta, por desnecessidade, tal servidão, condenando, consequentemente, os réus a absterem-se de a utilizar”.

Inconformados com essa decisão, os Réus vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. Entende o Recorrente que a douta sentença ora recorrida interpretou erradamente o disposto no artigo 1569º, nº 2 do Código Civil, da mesma forma que tendo sido impugnada a matéria de facto nos pontos infra citados deve a mesma ser alterada, com as adequadas sequelas, assim como, os ora recorrentes não concordam com a subsunção que o que a Meritíssima Juiz a quo fez da matéria de facto ao direito, vindo submetê-la à reapreciação deste Tribunal da Relação.

  1. - A primeira, delimita o objeto deste recurso à impugnação da decisão proferida sobre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada respeitante à desnecessidade da servidão e a constante dos artigos nºs 25º, 26º, 27º da Contestação que foram dados como não provados.

  2. Ora, não se mostra devidamente fundamentada a decisão de facto dada pelo Tribunal “a quo” que se limitou a enunciar as provas que o convenceram a dar como provados certos factos. Uma vez que não analisou criticamente todas a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, mormente o depoimento das testemunhas arroladas pelos ora Recorrentes e supra descritas.

  3. A Meritíssima Juiz a quo não valorou a prova produzida pelas testemunhas, onde referem que é o acesso à via pública através quer das escadas, quer da garagem, não oferecem condições de utilização similares às proporcionadas pela passagem pela dita servidão, pelo contrário, oferecem sim, condições agravadas. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.09.2007, www.dgsi.pt “ não basta que, para além da passagem objeto da servidão, exista outra via de acesso ao prédio dominante para a via pública, porquanto é necessário que este outro acesso ofereça condições de utilização similares, ou, pelo menos, não, desproporcionalmente, agravadas.” 5. Os factos quer dados como provados, quer os não provados deveriam ter acolhido resposta diversa, porquanto, os elementos probatórios carreados para o processo para provar a realidade factual que nesses artigos era questionada, e que lograram demonstrar com total certeza tais pontos de factos. Os Recorrentes lograram provar que o acesso à via pública através quer das escadas, quer da garagem, é muito difícil, principalmente quando o piso se apresenta molhado, em consequência de chuva e nos meses de Inverno ocorre por vezes, a formação de geada e de gelo no local onde se situam as referidas escadas.

  4. Assim, salvo o devido respeito por diferente entendimento, o Tribunal a quo deveria ter dado resposta à questão suscitada pelos Requeridos no que respeita à desnecessidade da servidão de passagem, diferente no sentido de que a dita servidão continua a ter utilidade para o prédio dominante e, isto porque a mesma continua a ser o percurso que propicia condições de acesso ao seu prédio, mais regulares e cómodas. Segundo o Prof. Oliveira Ascensão, in Estudo – Desnecessidade e Extinção dos Direitos Reais (separata da Ver, da Faculdade de Direito de Lisboa, ano 1954):“ A desnecessidade tem de ser objetiva, típica e exclusiva da servidão, não se confundindo com a desnecessidade subjetiva, que assenta na ausência de interesse, vantagem ou conveniência pessoal do titular do direito.” E, “ A desnecessidade que em matéria de servidão se considera, supõe uma mudança na situação, não do prédio onerado ou serviente, mas do prédio dominante. Por virtude de certas alterações neste sobrevindas, aquela utilização, sempre possível, do prédio serviente, perdeu utilidade para o prédio dominante.” E para esse efeito não basta demonstrar que o prédio dominante pode utilizar o caminho de público que entretanto foi aberto, sendo necessário demonstrar que esse caminho proporciona igual ou semelhantes condições de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante, para se aferir da desnecessidade da servidão. Ac. do STJ de 03/01/2012 www.dgsi.pt 7. Os elementos probatórios carreados para o processo pelos Recorrentes para prova da realidade factual que era questionada, nomeadamente a prova testemunhal careada para os presentes autos demonstraram ter conhecimento direto e pessoal dos factos, tendo referido que sempre o acesso ao prédio dos Recorrentes, sempre foi feito por aquela servidão de passagem, por si e pelos anteriores possuidores, que o acesso ao prédio dos mesmos pela servidão propicia melhores condições de acesso ao seu prédio, mais regulares e cómodas.

  5. Do exposto, decorre que na sentença recorrida, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu pela desnecessidade da servidão de passagem, violou, o disposto no artigo 1569º nº 2 do Código Civil.

  6. Por tudo quanto se deixa exposto requer-se, a V. Exas. que, perante a análise da prova testemunhal produzida – cujos depoimentos gravados se identificam – considerem procedente por provado...

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