Acórdão nº 444/10.OTBCHV.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução08 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I A B, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra A D, SA, pedindo que se declare que é titular de uma servidão de passagem constituída sobre a parte do prédio rústico que a Ré adquiriu do prédio conhecido por Quinta dos …, a favor do prédio de que é legítimo dono, identificado em 1.º da petição inicial, bem como a condenar-se a Ré a reconhecer tal servidão de passagem, e ainda a pagar ao Autor a quantia de € 36.500,00 a título de indemnização pelos danos sofridos, uma vez que a reconstituição natural não é possível.

Alega para tal que em favor do seu prédio, descrito em 1.º da petição inicial, existia uma servidão de passagem por sobre parte do prédio adquirido pela Ré aos Intervenientes, passagem essa que descreve, quer quanto ao modo de aquisição, quer quando ao modo de utilização, a qual foi destruída pelas obras efectuadas pela Ré no local, designadamente com a implantação de uma ETAR, tendo a Ré proposto a realização de um acesso alternativo, que o Autor recusou, por ser muito mais difícil, sendo que com a perda da dita passagem, o seu prédio se desvalorizou em € 20.000,00 e a construção de nova passagem com as vantagens e utilidades da anterior terá custos nunca inferiores a € 12.500,00, a que acrescem outros danos no valor de € 4.000,00, invocando a usucapião como modo de constituição da servidão de passagem e que a Ré usurpou o direito do Autor, levando a cabo movimentação de terras, inutilizando parte do caminho particular que entrando pela Quinta dos…, tocava o seu prédio e permitia nesse local a passagem, sem a sua autorização, contra a sua vontade, de modo abusivo, ilícito e de má fé.

A Ré, uma vez citada, contestou por impugnação e deduziu pedido reconvencional.

Em sede de defesa directa, reconheceu que o Autor é o proprietário do prédio de que junta prova registral, bem como a existência de um caminho particular na Quinta dos …mas apenas para utilização privativa desta, não constituindo o mesmo qualquer servidão de passagem a favor do prédio do Autor, pois só por mera cortesia dos donos da Quinta dos … o Autor entrava pela Quinta dos … adentro, percorrendo parte do caminho particular aí existente, e depois num local em que o caminho tocava o prédio do Autor, este passava de um prédio para o outro, e vice-versa, a pé ou de carro.

Em sede reconvencional, alegando que a ser provada a existência do direito de servidão, e caso este seja oponível à Ré, pede a declaração da sua extinção por desnecessidade ao prédio do Autor, uma vez que é servido por caminho público de modo permanente, com comodidade e segurança, sem ter necessidade de passar pelo prédio da Ré.

Invoca que adquiriu a parte da Quinta dos …, sem ónus ou encargos, para instalar a ETAR de …, a E M e esposa, M G, contra quem se arroga do direito de regresso, no caso da acção proceder, de modo a replicar nestes o montante da indemnização em que venha a ser condenada, requerendo o seu chamamento à demanda.

O Autor respondeu alegando que o caminho público que confronta com o seu prédio pelo lado Norte é íngreme, dificilmente utilizável no Verão e impraticável no Inverno, de modo algum podendo substituir os benefícios da servidão de passagem invocada, sendo que o seu prédio ficará desvalorizado sem a servidão.

Foi admitida a intervenção provocada – artigo 330º do CPC – dos Chamados E M e esposa, M G, que, citados, contestaram, dizendo, em síntese, reconhecer a existência da servidão de passagem em causa, em que o prédio do Autor era o dominante e o prédio vendido à Ré o serviente, com a correcção de que a mesma não era “praticamente plana” e que por ela não passavam veículos automóveis; dizem que durante as negociações que mantiveram com a Ré para a venda do terreno vincaram bem a existência de tal servidão de passagem, que era visível e que a Ré bem conhecia, uma vez que o leito do caminho e da passagem era batido, cotado, com limites bem visíveis no terreno. Não compreendem que o Autor peça 12.500 € para abrir novo acesso, uma vez que o Autor terá recusado a solução proposta pela Ré que, embora inclinada, permitia acesso de automóvel e permitia encurtar caminho em relação à distância do prédio do Autor até alcançar a Estrada Nacional B-C e aderindo à reconvenção deduzida pela Ré, defendem a inexistência de qualquer direito de regresso da Ré para com os Intervenientes.

A Ré responde concluindo pela declaração do direito de regresso da Ré para com os Intervenientes, no caso da Ré ser condenada a reconhecer a existência da servidão de passagem em causa, uma vez que não há menção de tal servidão em qualquer documento escrito, no registo predial e também não há menção da mesma na escritura pública de compra e venda do prédio que está junta a fls. 118 a 122.

A final foi produzida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente declarando-se que o Autor é titular de uma servidão de passagem constituída por usucapião sobre a parte do prédio rústico que a Ré adquiriu do prédio conhecido por Quinta dos …, a favor do prédio de que é legítimo dono, identificado em A) da factualidade acima dada como provada e condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 25.000, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com a eliminação daquela servidão.

Inconformada com tal decisão recorreu a Ré, tendo a Apelação sido julgada parcialmente procedente com a alteração da parte decisória fixada pelo primeiro grau nos seguintes termos, no que à economia deste relatório concerne «Julga-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência: 1 - Declara-se que o Autor apenas foi titular de uma servidão de passagem constituída por usucapião sobre a parte do prédio rústico que a Ré adquiriu do prédio conhecido por Quinta dos …, a favor do prédio de que é legítimo dono, identificado em A) da factualidade acima dada como provada, servidão essa que se extinguiu em Novembro de 2008 com as obras levadas a cabo pela Ré de construção da ETAR e absorção total do caminho por onde a passagem se realizava; 2- Condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com a eliminação daquela servidão, a quantia que em momento posterior se vier a liquidar, considerando como limite o valor peticionado de 32.500,00 €.

(…)».

Do aresto produzido veio de novo a Ré, inconformada, interpor recurso, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - Não constam dos autos, nem alegadas, nem comprovadas quaisquer referências aos sinais visíveis e permanentes que a lei exige para que possa ser constituída uma servidão de passagem por usucapião. Concretamente o autor não alegou nem foi apurado no autos qualquer sinal da dependência entre o dois prédios que permita constatar a existência de uma servidão não aparente que invocou.

Referindo-se apenas à existência de um caminho próprio do prédio alegadamente serviente por onde, também, passava, não indicou o autor qualquer sinal designadamente a abertura ou ligação ente tal caminho e o seu prédio que comprovasse a referida ligação e aproveitamento.

Sem essa prova inequívoca não se pode concluir pela servidão, pois a simples existência da utilização do caminho pré-existente no prédio serviente não constitui fundamento para constituição de servidão de passagem por usucapião, Ao decidir a criação de uma servidão de passagem, por usucapião, sem que estejam alegados e provados factos que integrem o conceito de sinais visíveis e permanentes do exercício da utilidade reclamada, a sentença e o acórdão violam o disposto no artº 1548º do CCivil.

- Não constituem factos suficientes para integrar a existência de sinais a que se refere o artº 1548° do CCivil, a simples indicação da pré existência de um caminho que passava junto do prédio alegadamente serviente, sendo necessário indicar, em concreto, e de forma a que os réus possam pronunciar-se sobre tal matéria, os respectivos e concretos factos.

Ao aceitar a simples e indirecta referencia de “passar junto ao prédio” ou mesmo “tocar o prédio” sem se indicar em concreto qual a ligação entre os dois prédio ou o modo como, do caminho, se passava para o prédio do autor, a sentença e o acórdão...

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