Acórdão nº 02369/07.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2012
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A Associação dos R. …, já identificada nos autos, intentou acção administrativa comum contra o Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, pedindo a condenação do Réu no seguinte: a) A reconhecer que a transmissão da pensão de sobrevivência às filhas solteiras não está dependente das mesmas terem outros rendimentos ou não, nomeadamente superiores ao salário mínimo nacional; b) a reconhecer que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro; c) a pagar as pensões de sobrevivência, passadas, presentes e futuras, dos associados da A. nos termos dos pedidos a) e b).
Por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi julgada procedente a acção e condenado o Réu nos termos peticionados.
Desta vem interposto o presente recurso pelo Réu que, em alegação, concluiu assim:1ºConsiderou a sentença, ora impugnada, Julgar procedente a presente acção e, consequentemente, condenar o R. ora recorrente a reconhecer que a transmissão da pensão de sobrevivência as filhas solteiras dos associados dos Regulamentos dos Empregados Superiores e Caixa de S. …, de 21 de Maio de 1927, da Companhia Carris de Ferro do Porto, ora designada por ST. …. Reconhecendo ainda que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro.
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Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao senhor Juiz nos fundamentos que invoca.
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Nos termos do artigo 108°, na redacção dada pelo citado despacho, aos beneficiários referidos no artigo 102°, aplicar-se-á no que respeita às pensões de sobrevivência o regime estabelecido pelos Regulamentos da Caixa de Socorros e Pensões de C.C.F. Porto e pelo Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da C.C.F. Porto, consoante os Regulamento a que se encontram sujeitos.
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E, têm direito à pensão, a viúva, provando que mantinha a constância do matrimónio na ocasião do falecimento do marido e os filhos legítimos ou legitimados (n.º 1 do artigo 14° do RGMESCCFP). Os pais que vivam na companhia do associado e que por ele sejam alimentados (n.º 2 do mesmo artigo) e irmãs solteiras ou viúvas que vivam também em companhia do associado e igualmente alimentadas por ele. (n.º 3 do mesmo artigo 14°).
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E, de acordo com o estabelecido no: n. ° 1, do artigo 15° do mesmo diploma, perdem o direito à pensão a viúva que tenha mau comportamento, ou consiga situação que lhe permita prescindir da pensão.
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E, de acordo com o disposto no n.º 2 da mesma disposição legal, perdem ainda o direito à pensão, os filhos varões casados ou solteiros, maiores de 18 anos, excepto se tiverem incapacidade física para o trabalho, e filhas casadas.
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Perdem igualmente direito à pensão os pais que tiverem recursos próprios que bastem à sua subsistência (n.º 4 do artigo 15°) e as irmãs que à data da morte do associado tiverem mais de 21 anos e se a administração do Montepio entender que lha deve eliminar (n.º 3 do artigo: 15°).
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O art. 18º do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões da CCFP refere que a distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do sócio falecido será regulada pela forma seguinte: “1º A viúva do sócio, seus filhos menores de 18 anos e suas filhas solteiras até à idade de 25 anos, com bom comportamento moral, têm direito à pensão que será dividida em duas partes, uma para a viúva e outras para os filhos, dividida por todos em partes iguais.”.
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Acrescentando a alínea c) da mesma norma: “A pensão dos filhos cessa quando atinjam 18 anos de idade e a das filhas quando atinjam 25 anos, salvo o caso de reconhecida impossibilidade física de ganhar os necessários meios de subsistência, tendo direito à pensão em quanto esse ou esses impedimentos durarem.”.
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O art. 15º do Regulamento do Montepio dos Empregados Superiores da CCFP nada refere relativamente à perda da pensão por parte das filhas solteiras.
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Põe-se assim o problema de saber até quando terão direito a receber a pensão de sobrevivência as filhas solteiras: até aos 18 anos como os filhos varões? Até aos 25 anos como no caso do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões? Ou a título vitalício, independentemente de carecerem de alimentos?12ºImpõe-se pois fazer a interpretação daquele art. 15º, a par do art. 14º do mesmo Regulamento do Montepio da CCFP, sendo necessário descobrir de entre os sentidos possíveis da lei o seu sentido prevalecente ou decisivo.
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Como se sabe o art.º 9º, n.º 1, do CC dispõe que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em quer a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada.”14ºAssim, a interpretação do artigo 15º, e também do 14º, não pode deixar de ter em consideração as palavras nele contidas, mas também o sentido ou espírito da norma.
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Ora da leitura dos artigos 14° e 15° retira-se que a razão de ser da pensão de sobrevivência reside na protecção dos familiares do beneficiário que, sendo previsível dependerem dele, ficam, em consequência da sua morte, sem meios de subsistência.
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E, tendo em conta as condições sociais existentes na época em que a lei foi elaborada, em que a maioria das mulheres não exercia actividade remunerada, o legislador partiu do princípio que as filhas solteiras qualquer que fosse a sua idade, não teriam meios de subsistência por morte do seu progenitor.
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Só esse circunstancialismo social explica racionalmente que, relativamente aos filhos do sexo masculino, solteiros e com mais de 18 anos, o direito à pensão de sobrevivência apenas existisse nos casos de impossibilidade física de angariar meios de subsistência.
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As filhas solteiras porque há mais de 75 anos a esmagadora maioria das mulheres solteiras em Portugal não exerciam actividades remuneradas, não tinham meios de subsistência, vivendo a cargo do chefe de família.
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E falecido o beneficiário, necessitavam de alimentos.
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E, perdiam esse direito no momento em que essa necessidade de alimentos desaparecia (artigo 15º, nº 2 do Regulamento do Montepio e art. 18º, nº 2 do Regulamento da Caixa de Socorros).
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O legislador de 1927, atentas as condições sociais da época, em que a esmagadora maioria das mulheres não exercia uma actividade remunerada, terá partido do princípio que as filhas solteiras necessitavam sempre de alimentos e consequentemente não restringiu o direito à pensão às filhas solteiras.
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Esta é a única explicação lógica para o tratamento desigual entre filhos do sexo feminino e do sexo masculino.
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Ora, decorridos mais de 75 anos, as condições sociais alteraram-se profundamente.
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A esmagadora maioria das filhas solteiras dos beneficiários dos STCP exercerão actividades remuneradas, que lhes permitirão terem meios de subsistência e consequentemente não necessitarão de alimentos.
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Se interpretar-mos o n.º 1 do artigo 14º e o nº 2 do art. 15º no sentido de que as filhas solteiras têm sempre direito à pensão de sobrevivência, independentemente de terem ou não necessidade de alimentos, estamos a violar o objectivo que a norma pretendeu alcançar.
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E a violar o princípio constitucional contido no artigo 13º da CRP.
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Por outro lado, o montante que permite qualificar um habilitante à pensão como uma pessoa que tenha recursos próprios que bastem à sua subsistência tem, como é evidente, sofrido alteração ao longo dos anos.
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Actualmente, entende-se que tem meios próprios de subsistência quem recebe pelo menos o montante do salário mínimo nacional, de acordo com parecer do TC n.º 318/99, de 26/5, que refere que o salário mínimo nacional deve ser considerado como valor de referência ao rendimento mínimo para que uma pessoa possa viver com dignidade.
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Ora, se a interpretação actual daquelas normas fosse a que pretende o Autor, sufragada pela sentença, poderíamos ter situações em que filhas solteiras têm sempre direito à pensão, independentemente da idade e rendimentos – exemplo ter rendimento de 2500 € mensais e auferir pensão de sobrevivência por morte do pai.
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E indeferir a atribuição de pensão a um irmão maior de 18 anos, só porque não está incapacitado para o trabalho, que não tenha rendimentos e quiçá até pode ser estudante.
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Por outro lado, e como já se referiu o art.º 9º, n. º 1 do CC entre os elementos que manda atender na interpretação da lei, refere “as condições específicas de tempo em que é aplicada”.
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Segundo o Professor Oliveira Ascensão – in Direito – Introdução à Teoria Geral – 4ª edição, pág. 332, esta disposição consagra o actualismo.
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Refere o Autor que “ a lei, uma vez criada, situa-se numa ordem social, que é necessariamente viva, aberta a todos os estímulos que nela provocam as alterações históricas. A fórmula em que a lei se consubstancia está fixada: mas o sentido dessa fórmula pode variar, consoante as incidências do condicionalismo donde arrancam as suas significações”34ºNestes termos a interpretação que o Réu faz dos art.º 14º e 15º do Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores é conforme ao n.º 2 do art.º 9º do CC, e cumpre o art.º 13º da CRP – pois para eliminar o tratamento discriminatório existente no n.º 2 do art.º 15º, deve entender-se que tanto os filhos do sexo masculino como os do sexo feminino maiores de 18 anos têm direito à pensão desde que não tenham meios de subsistência resultantes da sua incapacidade física para o trabalho.
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Pois estas normas devem ser interpretadas de forma actualista e tendo em conta a unidade do sistema jurídico de modo a eliminar qualquer tratamento discriminatório em função do sexo.
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Outra questão que a Autora coloca e que não tem razão é que os Regulamentos aplicáveis ao caso subjudice se tratariam de “lex privata” – art.ºs 14º e segs da p.i.
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Ora, estamos a falar de reformados...
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