Acórdão nº 0619/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A…… (adiante Impugnante ou Recorrida), na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs contra a decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto de Selo (IS) que lhe foi efectuada pela Administração tributária (AT) com referência ao acto de aquisição de um imóvel por usucapião, titulado por escritura pública de justificação notarial, veio deduzir impugnação judicial.

    Pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que anulasse aquele acto, com o fundamento de que o IS deveria ter incidido apenas sobre o prédio rústico usucapido (terreno de cultivo que adveio à posse da Impugnante e seu marido por doação, não formalizada, feita pela avó materna do seu marido) e já não, como incidiu também, sobre as benfeitorias – casa edificada sobre aquele terreno e que deu origem a que o mesmo passasse a prédio urbano – que não foram objecto de usucapião. Argumentou, em síntese, que o facto de na referida escritura de justificação se aludir a um prédio urbano se deveu exclusivamente ao facto de ser essa a realidade de facto existente à data da celebração da escritura.

    1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação impugnada.

    Para tanto, em resumo, louvando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, considerou que, não obstante o momento relevante para efeitos de tributação em IS, o momento em que se constitui a obrigação tributária, seja «a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial, conforme resulta do disposto no art. 5.º, al. r), do CIS», a jurisprudência tem vindo a considerar que o IS «deve incidir apenas sobre o terreno adquirido por usucapião onde, posteriormente, foram efectuadas as benfeitorias que deram origem ao prédio urbano».

    1.3 A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    1.4 A Recorrente apresentou as alegações e formulou conclusão do seguinte teor: « 1. A administração tributária considera que a factualidade, relevante e assente, nos autos, documentada e assumida na sentença, é de molde a preencher os pressupostos de incidência previstos no C.I. Selo e, assim, a fundamentar a tributação em sede desse imposto, nos precisos termos em que o foi.

  2. As aquisições por usucapião do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis são consideradas (ficcionadas) pelo legislador do C.I. Selo no seu art. 1.º, al. a) e verba 1. 2. da Tabela Geral como transmissões gratuitas de bens como tais sujeitas a imposto de selo (n.º 1 do cit. art. 1.º).

  3. Do título (escritura de justificação junta aos autos) que documenta a transmissão gratuita, objeto de tributação, resulta que o ato de usucapião incidia sobre os prédios rústico e urbano, construído naquele, alicerçada numa posse, dotada de determinadas características e mantida por um certo lapso de tempo, a qual facultou ao possuidor o direito real correspondente à sua posse (cf. Arts. 1251.º e 1287.º do C. Civil).

  4. O objeto de incidência em imposto de selo é o imóvel usucapido que, nos exatos termos da escritura de justificação, é integrado por uma realidade imobiliária (terreno e construção) objeto de posse que conduziu à usucapião.

  5. Na data dessa escritura de justificação, por via de usucapião, nasceu a obrigação tributária constituída pela transmissão gratuita conforme dispõe a al. r) do art. 5.º do C.I. Selo.

  6. O encargo do imposto de selo devido pela transmissão gratuita (facto tributário) por via da usucapião dos imóveis, em questão, nos termos da escritura de justificação, pertence à usucapiente/ impugnante, nos termos do nº. 1 e 3, al. a) do art. 3.º do C. I. Selo.

  7. O valor tributável nas transmissões gratuitas de imóveis, como a que está em causa, por ausência de regra especial, é determinado nos termos do art. 13.º, n.º 1 do C.I. Selo que dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

  8. No caso em apreço, o valor patrimonial tributário nos termos do CIMI de € 54.340,00 (não contestado) ao prédio urbano (que absorveu o terreno onde foi construído) e objeto (também) da escritura de justificação, constitui o valor tributável da transmissão gratuita por usucapião na data da escritura de justificação.

  9. Pelo que, a esse concreto valor tributável não se pode operar com a dedução do valor da construção, entendida esta como benfeitoria útil (n.º 3 do art. 216.º do Cód. Civ.).

  10. Ao decidir, como decidiu, terão sido violados os arts. 1.º, n.º 3, al. a), 5.º, al. r), 13.º, n.º 1 do C.I. Selo, bem como a verba 1.2. da Tabela Geral do C.I. Selo.

    Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação julgada improcedente».

    1.5 A Impugnante não contra alegou.

    1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «A questão controvertida consiste em saber se o valor a ter em conta para efeitos de tributação em IS é o valor do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou o do terreno, efectivamente, usucapido onde esse prédio urbano foi implantado.

    No termos do disposto no artigo 1.º 1 do CIS, o imposto incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

    Por força do n.º 3, alínea a) do mencionado artigo, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis incluído a aquisição por usucapião.

    A alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do CIS estatui que nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.

    De acordo com o disposto no artigo 5.º/ r) do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial.

    Ainda de acordo como o disposto no artigo 13.º/ 1 do CIS o valor tributável dos bens imóveis é o valor VPT constante da matriz nos termos do CIMI, ou o determinado por avaliação, nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

    Segundo a verba 1.2 da TGIS, o imposto de selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião.

    Dos citados normativos resulta um conceito de transmissão jurídico-fiscal que se afasta, significativamente, do conceito de transmissão em direito privado.

    Na verdade, em direito civil a noção de transmissão de direito equivale à de aquisição derivada translativa e à sucessão não abrangendo...

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