Acórdão nº 0168/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução25 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A…… e marido B……, residentes, de momento, na Rua ……, nº……, …., ….., Vila do Conde, intentaram no TAF do Porto, contra o Município do Porto, C……., vereadora do pelouro da Habitação da Câmara Municipal do Porto acção administrativa especial pedindo que: 1º - seja declarado nulo o despacho da Sra. Vereadora do Pelouro da Habitação do Município do Porto, que lhes foi notificado em 8/4/2005 e que lhes ordenou que se desalojassem o fogo correspondente ao Bloco …., casa …., do Bairro …….; 2º - se declare que os AA têm direito à ocupação da habitação nº…. do Bairro ……., Porto, e condenados os RR a reconhecê-lo; 3º - sejam condenados o 1º réu e a 2ª ré, a entregar-lhe aos AA, livre de pessoas e coisas, a referida casa …… e a proporcionar-lhes o seu gozo, para habitação, nos termos em que vinham usando até ao desajolamento, contra o pagamento da renda respectiva; 4º - sejam condenados os 1º e a 2ª RR a indemnizar os AA por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da desocupação do prédio, indemnização que só, poderá ser liquidada em execução de sentença e após reocupação.

Por sentença do TAF do Porto de 20/10/2009 (fls.409 a 428) foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenada a entidade demandada a pagar aos autores o montante indemnizatório de 5 000€00, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a mesma dos restantes pedidos e absolvendo-se a 2ª ré dos pedidos.

Interpuseram desta sentença recurso jurisdicional para o TCAN os AA e o Município do Porto, tendo tal tribunal por acórdão de 12/10/2011 (fls. 623 a 650) “concedido parcial provimento ao recurso interposto pelos AA, no segmento relativo à impugnação do julgamento de facto com aditamento de factos supra determinados, mantendo em tudo o mais a decisão judicial recorrida; e e negar totalmente provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Réu e, em consequência, pelos fundamentos antecedentes manter integralmente a decisão jurisdicional recorrida”.

Ao abrigo do disposto no artº150º do CPTA o recorrente Município do Porto interpôs recurso jurisdicional do acórdão do TCAN para este STA, o qual foi admitido por acórdão da Formação de Apreciação Preliminar de 28/3/2012 (fls. 697 a 704).

Nas suas alegações formula o recorrente as seguintes conclusões: 1ª - O cumprimento do princípio da boa-fé pelo aqui recorrente não implica, ao contrário do decidido, que esta tenha de estipular um prazo certo para a entrega voluntária do locado findo o qual se procederá à execução, pois o cumprimento daquele dever basta-se com a indicação de que não se fazendo a entrega voluntária do imóvel a administração procederá à sua entrega coerciva imediata, dado que o art. 155º do CPA bem ou mal não impõe a obrigação de estabelecimento de um prazo para o efeito.

  1. - Perante tal advertência, os destinatários dos actos em causa — no caso concreto, os recorridos — deveriam ter entregue imediatamente o locado de forma voluntária, ou então deveriam ter dado entrada da providência cautelar de suspensão de eficácia com citação urgente, o que não fizerem apesar de esta solução estar ao seu alcance legal e processual, pois se o tivessem feito teriam logrado automaticamente impedir a entrega coerciva imediata que lhes foi notificada, pelos meios legais ao seu dispor.

  2. - Atento o facto de terem outra habitação que declaravam como sua e para na qual podiam passar a habitar, a execução imediata nem sequer é desproporcional.

  3. - Se o legislador que determinou a estipulação de prazo para a execução de acto que configure prestação de facto e para a execução de quantias pecuniárias e não o fez para a execução de entrega de coisa certa é porque entendeu neste caso deixar à administração a discricionariedade de o fixar ou não o mesmo. Dito de outro modo é porque entendeu que no caso em questão não se devia impor à administração a obrigatoriedade de fixação de prazo para desocupação voluntária.

  4. - Não pode o tribunal impor à Administração o cumprimento de uma obrigação que não está contida na lei, abrigando-se no princípio da boa-fé, sob pena de ele próprio, o Tribunal, estar a criar a norma, violando o princípio da separação de poderes.

  5. - Por outro lado, o que resulta da notificação do acto administrativo em causa é que se não fosse efectuada a entrega voluntária do lotado, a administração aqui recorrente procederia de mediato à sua desocupação coerciva, o que significa que, antes do acto executivo, existiu o acto declarativo (o que determinou a cessação da ocupação do fogo em causa); por outro lado, existe um acto a notificar a execução (a própria notificação do acto administrativo de cessação foi acompanhado da notificação de que não havendo despejo voluntário se seguiria o despejo coercivo como é permitido e decorre directamente do nº2 do artigo 152º do CPA) finalmente, lá se refere que a execução coerciva seria imediata, ou seja, logo que após a notificação do acto que se acabara de fazer.

  6. - O recorrente tornou previsível que o despejo poderia ocorrer a partir daquela data em qualquer momento, ou seja, que estava iminente, o que, neste caso em particular, nem sequer é desproporcional por duas ordens de razões em primeiro lugar, porque os aqui recorridos tinham, como ficou demonstrado, casa própria em Vila do Conde. Em segundo lugar, porque o despejo não foi, de facto, executado de modo imediato, em segundo lugar, porque o despejo não foi efectivamente imediato tendo demorado pelo menos 30 dias a ser efectivada essa execução, sem que contudo os aqui recorridos tenham nesse período efectuado a entrega voluntária do fogo.

  7. - Os aqui recorridos tiveram, de facto e na verdade um prazo superior ao notificado para entregar voluntariamente a habitação em causa, o que não fizeram apenas e simplesmente porque não quiseram e entenderam não o dever fazer, o que, de resto, é algo de habitual nestes casos.

  8. - É que não se pode esquecer que o processo administrativo, mesmo o cautelar, é um processo de partes. E que se uma dessas partes são os recorridos a outra com iguais direitos e deveres e com igual medida de tutela judicial efectiva (ainda mais na prossecução do interesse público) é a aqui recorrente.

  9. - Assim, ao decidir que a administração violou o princípio da boa-fé por não ter fixado um prazo para o despejo, o tribunal a quo errou na aplicação do direito e na decisão recorrida porque na notificação do acto é claramente dito que se a entrega rio for voluntária a entrega será efectuada de forma coerciva e imediata.

  10. - Portanto, não é possível afiançar como o faz a decisão recorrida que os aqui recorridos não podiam prever nem conformar a sua decisão de sair ou no sair por causa de não lhes ter sido agendado um prazo, porque podiam com a notificação da execução coerciva imediata ter tomado a decisão se ir para a sua casa de Vila do Conde.

  11. - É que não se pode esquecer que o processo administrativo, mesmo o cautelar, é um processo de partes; se uma dessas partes são os recorridos a outra com iguais direitos e deveres e com igual medida de tutela judicial efectiva (ainda mais na prossecução do interesse público) é a aqui recorrente.

  12. - Assim, ao decidir que a administração violou o princípio da boa-fé por não ter fixado um prazo para o despejo, o tribunal a que errou na aplicação do direito e na decisão recorrida porque na notificação do acto é claramente dito que se a entrega não for voluntária a entrega será efectuada de forma coerciva e imediata.

  13. - Não é possível afiançar, como o faz a decisão recorrida, que os aqui recorridos no podiam prever nem conformar a sua decisão de sair ou não sair por causa de não lhes ter sido agendado um prazo, porque podiam com a notificação da execução coerciva imediata ter tomado a decisão se ir para a sua casa de Vila do Conde.

Não houve contra-alegações.

Emitiu douto parecer do Ministério Público, com o seguinte teor: “O recorrente imputa ao douto Acórdão recorrido proferido pelo TCA Norte violação, por erro de julgamento, do artº156 do CPA e do princípio da boa fé.

Sustenta, em síntese, que (i) a referida norma não impõe a obrigação de estabelecimento de um prazo certo para a entrega voluntária do locado, findo o qual se procederá à execução e que (ii) a observância do princípio da boa fé se basta com a notificação do acto exequendo aos recorridos com...

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