Acórdão nº 428/11.0TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução08 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados “A” (= autora) demandou a “B” – Companhia de Seguros, SA (= ré ou seguradora), pedindo que fosse: a) declarado válido e em vigor o contrato de seguro celebrado entre a autora, o seu falecido marido e a ré, à data do falecimento do marido da autora (12/10/2009); b) obrigada a ré a pagar ao Banco “C”, SA (= “C”), o capital seguro necessário para a amortização do empréstimo concedido à autora e marido, em quantia a liquidar em execução de sentença; c) condenada a ré no pagamento à autora das quantias pagas para amortização do mútuo desde a data do falecimento do marido, em quantia a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento.

Alega para tanto que em 2000 a ela e o marido celebraram um contrato de seguro do ramo vida com a ré, tendo como beneficiária o então “CC” (= “CC”, agora “C”); em 2009 foi atribuída ao marido da autora invalidez permanente em virtude de doença cancerígena; foi então informado pela ré que o contrato de seguro havia sido resolvido em 05/12/2000 por falta de pagamento do prémio contratado; não foi comu-nicada ao marido da autora nem à autora a falta de pagamento do prémio e consequente resolução do contrato; era imprescindível que a declaração de resolução tivesse sido dirigida à autora e ao marido; o marido da autora veio a falecer vítima de cancro; após a morte do marido a autora continuou a pagar as prestações para amortização do empréstimo.

A seguradora contestou dizendo que na proposta de seguro o se-gurado indicou uma conta para débito do prémio; a ré efectuou várias tenta-tivas de cobrança do prémio, sem êxito; após remeteu ao tomador do seguro carta a informar os valores em dívida, à qual não obteve resposta, pelo que enviou nova carta ao segurado a informar da resolução do contrato.

A autora replicou.

(utilizou-se, até aqui, no essencial, o relatório da sentença recorrida) Depois do julgamento, foi dada resposta aos quesitos e depois proferida sentença condenando a ré nos pedidos.

A seguradora recorre destas decisões – para que uma das respos-tas seja alterada e para que a sentença seja revogada e substituída por outra que a absolva do pedido -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (sintetizadas pelo relator deste acórdão): I. O quesito 5º da base instrutória: “Com a data de 05/12/ /2000, a ré enviou ao marido da autora a carta que constitui fls. 57?”, foi dado como não provado, quando deveria ter resultado provado, por força do depoimento da testemunha “D” (= “D”), única testemunha que tem efectivo conhecimento dos procedimentos utilizados pela seguradora, no que respeita à emissão e envio de comunicações aos segurados e do qual também resulta que não foi recebida na seguradora qualquer devolução das cartas remetidas e porque, tratando-se de um procedimento automático, não se entende como pode ter sido dado como provado o envio da 1ª carta, datada de 06/10/2000, e não ter sido dado como provado o envio desta 2ª carta, tendo o procedimento sido exactamente o mesmo, com excepção do registo.

  1. A autora não impugnou na sua réplica as cartas remetidas pela seguradora, como consta, aliás, da motivação da matéria de facto provada no que diz respeito ao quesito 3º.

  2. O envio da carta a comunicar ao segurado a resolução do contrato não tem de ser feito com registo, nem este é o único meio de prova de tal envio.

  3. Feita a prova do envio da carta por parte da seguradora, fica a parte contrária, ou seja, aquela que se pretende fazer valer, neste caso, do facto de não ter recebido as cartas, incumbida de provar que as não recebeu e porque motivos: inverte-se o ónus da prova.

  4. Tendo a seguradora remetido correctamente as suas comunicações para aquele que foi o único domicílio que lhe foi comunicado pelas pessoas seguras, ainda que o destinatário não tenha tido conhecimento das comunicações por ter domicílio em local diferente, apenas a culpa própria se fica a dever tal desconhecimento, pois deveria ter tido o cuidado de informar o remetente da verificada alteração do seu domicílio (conforme o disposto no art. 224.º/2 do CC). Invoca neste sentido, os acórdãos do TRC de 02/03/2011 e do STJ de 16/02/2012 (sem outras indicações).

  5. Nos termos das condições gerais da apólice de seguro contratada pelo marido da autora: tomador de seguro é a entidade que celebra o contrato com a seguradora e que é responsável pelo pagamento dos prémios; pessoa segura é a pessoa de que depende, nos termos contratuais, o funcionamento das garantias.

  6. A autora, sendo apenas segurada, não também tomadora, não tinha que ser interpelada para pagar nem tinha que ser alvo da comunicação da resolução do contrato (nos termos da cláusula 7ª das condições gerais a interpelação admonitória deve apenas ser dirigida ao tomador de seguro; e o art. 33.º do Decreto de 21/10/1907, quando se refere a segurado só se pode querer referir a tomador do seguro).

  7. Face à informação dada pela seguradora de que a apólice contratada se encontrava já anulada por falta de pagamento dos prémios de seguro, o facto de os segurados requererem a subscrição de nova apólice de seguro só pode representar para o declaratário normal uma aceitação tácita de tal anulação. Caso contrário, em face de tal situação sempre os segurados tentariam fazer valer os seus direitos de imediato ao invés de solicitar a subscrição de uma nova apólice.

  8. Não se tendo procedido, durante 9 anos, ao pagamento de um único prémio de seguro, os recorridos tinham pleno conhe-cimento de que a apólice já não poderia encontrar-se em pleno vigor.

  9. É ofensivo da boa-fé pretender actuar os “direitos” emergentes de um contrato de seguro, quando as pessoas seguras há 9 anos que deixaram de cumprir com a obrigação de pagamento dos prémios. Estaríamos, portanto, perante uma actuação manifestamente abusiva, o que tornaria ilegítimo o direito dos recorridos de pedir que a seguradora pagasse agora o capital assegurado.

  10. A sentença recorrida, ao condenar a seguradora no pagamento dos montantes indemnizatórios, viola claramente o equilíbrio contratual das partes, na medida em que os segurados permaneceram 9 anos sem prestar qualquer contrapartida pelo contrato de seguro que agora pretendem que seja considerado válido e eficaz.

  11. O acórdão da Relação de Lisboa de 31/05/2007, invocado pela sentença recorrida para concluir que não existe abuso de direito, refere-se a uma situação em que a seguradora não informou os segurados da sua situação de mora, o que não é o caso dos autos.

A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

* Questões que cumpre solucionar: se deve ser alterada a resposta dada ao quesito 5º da base instrutória (conclusões I a III); se, alterando-se esta resposta, deve ser considerado que era à autora que cabia provar que não recebeu a carta (parte da conclusão IV) e que se dela não teve conhecimento tal se deve a culpa sua (parte da conclusão V); se a carta de 06/10/2000 (facto 4) deve ser considerada recebida pelo marido da autora e nesse caso qual o relevo de tal facto (parte restante das conclusões IV e V); se a comunicação da resolução for considera eficaz em relação ao marido da autora, importa saber se à autora não tinha também que ser notificada a resolução do contrato (conclusões VI e VII); já sem dependência da alteração da resposta ao quesito 5, fica por saber se o comportamento da autora e marido deve ser considerado uma aceitação tácita da resolução do contrato (VIII); e se o exercício do direito da autora é abusivo (conclusões IX a XII).

* Factos provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes; os sob nºs vêm da resposta aos quesitos):

  1. A autora casou com o seu marido em 29/08/1992.

  2. A 20/01/2000, a autora e o marido subscreveram a proposta de seguro junta por cópia a fls. 51-52, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, proposta essa em que figura como tomador do seguro o marido, pessoas seguras o marido, residente no Loteamento ..., Lote 35, ..., ..., e a autora, capital a segurar 20.000.000$, beneficiário “CC” e herdeiros legais e uma autorização de débito em conta domiciliada no B... em nome do marido, conta essa com o NIB .... .

  3. A ré aceitou a referida proposta e enviou ao marido da autora, para o Loteamento ..., Lote 35, ..., 0000 ..., a carta que constitui fls. 53, datada de 21/01/2000 e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

  4. A 31/01/2000 a ré emitiu a apólice n.º ...., que constitui fls. 7, com o seguinte teor: Tomador do seguro – marido da autora (…).

    1. Pessoa segura – marido da autora; 2. Pessoa segura – autora; Plano de protecção ao crédito Seguro principal: temporário: Seguro complementar: invalidez total e permanente Capital seguro: 20.000.000$ Duração: 30 anos Data de início 2000/01/21 Data termo: 2030/01/20 (…) Beneficiários - em caso de morte: beneficiário aceitante: “CC” - em caso de vida: beneficiário aceitante: “CC”.

  5. Da referida apólice faz parte integrante a Condição Especial constante de fls. 8 com o seguinte teor: “Seguro temporário Garantias A Companhia garante o pagamento do capital seguro à primeira morte ou invalidez total e permanente que ocorrer no conjunto das pessoas seguras antes da data termo do contrato.

    (…)” F) A referida apólice é ainda constituída pelas condições gerais de fls. 65-68, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, em cujo art. 15 - domicilio - consta: “Para efeitos deste contrato serão considerados domicílios do tomador do seguro e da pessoa segura os indicados nas condições particulares ou, em caso de mudança, quaisquer outros que por escrito, tenham sido pelo mesmo comunicados à seguradora.” 3. A ré remeteu ao marido da autora, para Loteamento…, Lote …, ..., ..., a carta, datada de 6/10/2000, que constitui fls. 56, com o seguinte teor: “Assunto: Apólice n.º ... – Seguro de vida Prémios em dívida desde 21/01/2000 Total em dívida: 53...

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