Acórdão nº 1289/09.5TBFUN.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelTERESA PARDAL
Data da Resolução28 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

A e marido B intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra C (…,Lda ) alegando, em síntese, que, desde 14/02/74, está registada a seu favor a aquisição de duas fracções sitas num prédio em regime de propriedade horizontal, e que, por contrato de 20-03-73, os autores haviam prometido dar a exploração comercial destas fracções, mediante o pagamento de uma quantia mensal, na modalidade de habitação para fins turísticos, a António ….e Manuel …, os quais cederam a sua posição contratual à ora ré, que tem vindo a explorá-las no exercício da indústria hoteleira, mas não tendo sido celebrado o contrato definitivo por a ré a tal se ter furtado e sendo as rendas pagas pela ré muito inferiores ao valor real das fracções e verificando-se assim um grande desequilíbrio entre as prestações.

Mais alegaram que necessitam das fracções para aí fazerem obras de unificação e estabelecerem a residência da sua filha e neto, os quais residem consigo há três anos, não dispondo estes, nem os autores, de outra casa, própria ou arrendada, nem no Funchal ou na Madeira, pelo que notificaram a ré em 18/06/2008 a sua vontade de não renovar o contrato para o ano de 2009, sem que a ré tivesse desocupado as fracções.

Concluíram pedindo que seja declarado findo o contrato de arrendamento relativo às referidas fracções, por denúncia dos senhorios nos termos do artigo 1102º b) do CC, com a condenação da ré a entregar aos autores as fracções, ou, se assim não se entender, a declaração de nulidade do contrato promessa, como consequência de abuso de direito, ou, se assim não se entender, a modificação do contrato, com o aumento equitativo das rendas para 455,00 euros/mês o T1 e para 617,00 euros/mês o T2.

A ré contestou alegando, em síntese, que não existe qualquer desproporção no valor das prestações no acordo celebrado entre as partes, nem qualquer abuso de direito, impugnando os demais factos alegados na petição inicial e alegando ainda que o contrato não pode ser denunciado, mesmo porque o contrato é de cessão de exploração e as fracções se destinam à exploração de indústria hoteleira e não para habitação.

Concluiu pedindo a improcedência da acção com todas as consequências legais.

Frustrada uma tentativa de conciliação e saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que decidiu: (i) declaro findo o contrato referido na alínea C. dos factos provados, referente às fracções identificadas pelas letras A9-N e B9-N, a primeira tipo T-1 e a segunda tipo T-2, registadas na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o nº 0000/0000000, sitas no 9º andar esquerdo do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito à Rua ……na ..., no Funchal, por denúncia dos senhorios, aqui autores; (ii) condeno a ré C, Lda a entregar aos autores A e B e a desocupar, no prazo de 30 dias, as referidas fracções livres de pessoas e coisas; (iii) absolvo a ré C dos demais pedidos formulados pelos autores A e B .

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* Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões: 1- O contrato subscrito pelas partes deve ser qualificado como de arrendamento misto para indústria, como decidiu em situação idêntica o STJ.

2- Não há necessidade de habitação para a descendente em 1º grau dos apelados.

3- A apelante mantém-se no arrendado há mais de 30 anos, pelo que fica também excluído o direito de denúncia.

4- O Tribunal a quo com base na causa de pedir e no pedido formulado pelos apelados não podia decidir como o fez, violando a alínea e) do nº1 do art. 668 do CPC, enfermando das nulidades previstas nas alíneas b), d) e e) do referido artigo.

5- Violou o Tribunal a quo o art. 107 do RAU, por aplicação do art. 26 do NRAU (alínea a) do nº1 e a) do nº4).

6- Há manifesto erro na determinação de norma aplicável, devendo sim aplicar-se o que dispõe o Código Civil (art.1108 e seguintes), o NRAU (art. 26) e o RAU (art. 107).

* Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões: 1) Não está ferida de nulidade a douta sentença judicial por excesso de pronúncia e/ou condenação em objecto diferente, já que a sentença, na sequência da interpretação dos pedidos e da causa de pedir deduzidos pelos autores na petição inicial, limitou-se a atender aos pedidos de declaração de extinção do contrato e condenação da ora apelante e a entregar aos ora apelados as fracções, objecto do contrato, livres de pessoas e coisas, em ordem a permitir a recuperação da posse daquelas duas fracções autónomas, para as cederem à filha e neto necessitados de um espaço para habitar e para aí fixarem a sua residência e ter o seu desfruto exclusivo, conforme resulta dos factos provados e contidos nos itens 23 a 41.

2) Em matéria de direito, tanto na sua determinação, como na interpretação e na aplicação, o juiz não está sujeito às alegações das parte, sendo totalmente livre, podendo servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na acção, alegados pelas partes seja qual for a natureza e o tipo de acção, ao abrigo do disposto no artigo 664º do CPC.

3) No rigoroso cumprimento dos dispositivos legais previstos nos artºs 664º, 514º, 665º e 264º, nºs 2 e 3, todos do CPC, a Meritíssima Juiz serviu-se, e bem, da denúncia do contrato, objecto dos presentes autos, efectuada em Junho de 2008, pelos apelados através de notificação judicial avulsa, a qual impediu a renovação do mesmo que deveria ter tido lugar em Janeiro de 2009, factos estes dados como provados no item 40 da matéria de facto em que se alicerçou a douta sentença.

4) No tocante à questão da caracterização do contrato em apreço que os autores e a ré quiseram celebrar, não se pode deixar de ter presente a cláusula terceira, devidamente introduzida na convenção negocial, a qual estabeleceu um prazo de exploração de 5 anos (60 meses) com início reportado a um de Dezembro do corrente ano ou a 1 de Janeiro de 1974, conforme interessasse aos primeiros outorgantes, aqui apelados e a prorrogação poderia acontecer por períodos iguais ou diferentes mediante acordo das partes.

5) Tal cláusula aponta que as partes pretenderam celebrar um contrato não sujeito ao regime dos contratos de arrendamento, ou seja, pretenderam celebrar um contrato (atípico, inominado, que intitularam contrato de exploração), com um regime específico: o fixado pelas cláusulas validamente queridas.

6) Com a inclusão de tal cláusula, pretendeu-se celebrar um contrato que não tivesse natureza locativa, ou seja, pretendeu-se celebrar um contrato em que o gozo da coisa fosse limitado no tempo, cuja duração não dependesse apenas da vontade do outorgante a quem a coisa foi entregue.

7) Com a inclusão desta cláusula pretenderam as partes introduzir no contrato cláusulas próprias do contrato de cessão de exploração, conforme devidamente realçado na douta sentença em apreço, cuja caracterização jurídica foi expressamente reconhecida e confessada pela ré no item 57º da respectiva...

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