Acórdão nº 2706/08.7YXLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução17 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: “A”, SA, intentou a presente acção contra “B”, Lda, pedindo que a ré seja condenada no reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o veículo e na imediata restituição do veículo.

Alegou para o efeito que comprou o veículo em causa, tendo posteriormente celebrado com a ré um contrato de aluguer de viatura sem condutor, pelo prazo de 60 meses, findo o qual a ré teria que devolver o veículo, o que ainda não fez. Invoca ainda o incumprimento do contrato (falta de pagamento das rendas).

A ré contestou, dizendo que tinha pago todas as rendas e que, “durante a celebração do contrato, sempre lhe tinha sido dito que” com o cumprimento pontual das suas obrigações a propriedade do veículo passaria para si, pelo que a cláusula 17.1 das condições gerais (que se refere à obrigação de restituição do veículo findo o contrato) foi, para si, uma total surpresa; caso lhe tivesse sido dito que o veículo não viria a tornar-se sua propriedade, cumprido que fosse o contrato, nunca teria celebrado o contrato em causa nos autos; os arts. 5 e 6 das cláusulas contratuais gerais (CCG) obrigam a autora a uma especial dever de comunicação e informação à ré; tal não aconteceu neste caso; em reconvenção, a ré pede que seja declarada proprietária do veículo e a autora condenada a tal reconhecer e a diligenciar no sentido da transmissão da propriedade, bem como a pagar-lhe uma indemnização de 2500€ pelos danos sofridos com a impossibilidade de dispor do veículo e requer a condenação da autora como litigante de má fé.

A autora respondeu à matéria das excepções e da reconvenção, impugnando-a.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença decla-rando-se procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em conse-quência, declarou-se a nulidade do contrato e que a autora é proprietária do veículo e condenou-se a ré a entregá-lo à autora, absolvendo-se esta do pedido reconvencional.

A ré interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional, integrando o contrato nos termos do artigo 239 do CC e declaran-do que a autora é proprietária do veículo ou, caso assim não se entenda, em que se condene a autora a restituir à ré os 22.029,53€ que esta lhe prestou –, terminan-do as respectivas alegações com as seguintes conclusões (aqui sintetiza-das): I. O tribunal a quo devia ter dado como provado, ao contrário de não provados, os seguintes factos: foi dito à ré que, pagas as quantias referidas no contrato, o veículo passava a ser sua propriedade; a ré não teria celebrado o contrato se soubesse que o veículo não passaria para a sua propriedade ao proceder ao pagamento ao pagamento das quantias previstas no contrato.

  1. A exclusão das cláusulas contratuais, por falta de prova da comunicação das mesmas pela autora à ré [arts. 1º/3 e 8a) do Dec.-Lei 446/85, de 25/10 (= CCG)], não tornava impossível a integração do contrato prevista no art. 239 do Código Civil (= CC), tendo em conta os factos referidos na conclusão I.

  2. Com o resultado de que pagas – como o foram (conforme consta dos documentos juntos aos autos) - as quantias referidas no contrato, o veículo passava – como passou – a ser propriedade da ré.

  3. A não se entender assim, a declaração de nulidade devia levar à restituição de tudo o que tivesse sido prestado, mesmo que a restituição não tivesse sido pedida, pois que os efeitos da declaração de nulidade resultam ope legis, isto é, são de verificação automática, independentemente de terem, ou não, sido peticionados.

  4. Não podendo o tribunal declarar nulo o negócio e limitar a obrigação de restituir a uma das partes dizendo que a outra não pediu a restituição; consequentemente, a ré estaria obrigada a devolver o veículo à autora e a autora a restituir à ré os 22.029,53€ que lhe pagou.

A autora não contra-alegou.

* Questões que importa decidir: se estão ou não provados os factos cuja decisão a ré põe em causa; se não devia ter sido declarada a nulidade do contrato, mas antes, tendo em conta os factos que a ré quer que se dê como provados, se devia ter sido integrado o contrato com recurso às regras do art. 239 do CC e a ré declarada proprietária do veículo; ou se, mantendo-se a nulidade, também devia ter sido determinada a restituição do que a ré prestou à autora em execução do contrato.

Note-se que se diz que uma das questões a decidir é a da nulidade do contrato, embora a ré, nas conclusões do seu recurso, não refira esta questão expressamente. Limita-se a dizer que o contrato devia ser integrado com outras cláusulas – com o conteúdo que decorreria dos factos que ela entende como provados – e que esta é que seria a solução correcta. Mas isto quer dizer que ela está a dizer que a nulidade só se evitaria com a integração do contrato. E daí que ela diga, depois, que caso assim não se entenda, então a declaração de nulidade devia ter outros efeitos. Ou seja, aquilo que ela põe em causa, sem o dizer directamente, é a declaração de nulidade do contrato.

* São os seguintes os factos que estão considerados como provados: 1. A autora é uma sociedade comercial cuja actividade consiste no comércio e aluguer de veículos.

  1. A fls. 6 e 7, 11 e 12, 14 e 15, encontra-se cópia de um documento, intitulado de “contrato de aluguer de longa duração”, assinado pela autora, na qualidade de locador e pelo legal representante da ré, na qualidade de locatário.

    Por ter interesse para a decisão das questões e por estarem provados pelo documento de fls. 6/7 referido na decisão recorrida [os documentos 11, 12, 14 e 15 não têm nada a ver com o contrato pelo que a referência aos mesmo deve-se a lapso] especifica-se, ao abrigo do disposto nos arts. 713/2 e 659/3 do CPC, o conteúdo de tal documento: A fls. 6 tem os títulos de “Contrato de aluguer de longa duração. Condições particulares”. E logo a seguir: nº. de contrato ...-AL-0 e um pouco abaixo: “A” Portugal.

    Depois diz que entre as partes - autora, ré e fiador (“C”).é ajustado e reciprocamente aceite o seguinte contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, que se rege pelos termos e condições constantes das condições gerais e particulares adiante transcritas.

    A seguir identifica-se sob 1 o “Objecto do aluguer [veículo automóvel com a marca CITROEN, modelo JUMPER 35 LH – 2.8 HDI, matrícula 00-00-UT]” e sob 2 as “Condições do aluguer”: duração 60 meses, com início a 27/03/2003 e fim a 26/03/2008. Data de vencimento das rendas a 1 de cada mês. Peridicidade mensal.[…] Depois ainda – e para além do que consta do facto do ponto 3 – faz-se referência, sob 3, ao local de pagamento das rendas (com um NIB do BES), sob 4, à data e local da entrega [do veículo] e, sob 5, à actualização da franquia e do prémio de seguro a que alude a cláusula 13.3 das condições gerais.

    Segue-se a data, e espaço para assinaturas do locatário (à frente do qual está um carimbo do gerente da ré), do cônjuge, do fiador (riscado e substituído por sócio) [e neste espaço constam 3 assinaturas] e um outro para o locador.

    A fls. 7 tem os títulos de “contrato de aluguer de longa duração. Condições gerais”. Tem 20 cláusulas e está assinado com data de 27/03/2003 pelo locador e pelo gerente do locatário.

    A clª 17.1 tem o seguinte teor: restituição. Findo o contrato. por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do locatário, e com excepção da perda ou destruição total, o veículo locado deverá ser restituído no local e perante a entidade identificada na clª 4ª das condições particulares.

  2. Na fls. 6, no ponto 2 relativo às condições de aluguer, ainda se diz que a 1ª renda tem data início 27/03/2003 e data fim 27/03/2003 e é de, com iva, 362,40€, e a 59 tem data início de 27/04/2003 e data fim de 27/02/2008 e é de, com iva, 362,39€, e diz-se que o valor total do contrato é de 21.743,41€ [corrigiu-se agora a redacção deste ponto, de modo a fazê-la corresponder fielmente ao que constava do contrato].

  3. A fls. 10 encontra-se cópia de uma carta datada de 03/03/2008, enviada para a morada da ré interpelando-a a devolver o veículo, porquanto o contrato havia atingido o seu termo.

  4. A fls. 8 e 9, encontra-se uma certidão da conservatória do registo automóvel, em que a ré [é lapso evidente de escrita: quis-se escrever autora, como resulta do documento em causa] tem registada a propriedade do referido veículo, à data de 19/08/2008.

  5. Encontra-se pendente no TJ da ..., uma execução para pagamento de quantia certa, instaurada pela autora contra a ré, em que a autora alega o não pagamento pela ré das rendas previstas no documento supra referido, no valor de 2.643,20€ – cf. fls. 59 a 64.

  6. A fls. 142 encontra-se cópia do plano de pagamentos [em que, entre o mais, consta o custo de aquisição: 18.234,72€; o valor venal (?) final de 368,08€, o valor do iva incluído: 2.911,43€, e o valor das amortizações (sem iva, sendo que com o iva ou são de 362,39€ ou de 368,48€ a partir da 29ª prestação – esta parte entre parênteses foi colocada, ao abrigo do disposto nos arts. 713/2 e 659/3, ambos do CPC, por este acórdão, por poder ter interesse para a decisão e estar provada pelo documento em causa; neste ponto de facto escrevia-se “cópia do plano de pagamento de rendas”, mas o documento em causa não tem qualquer referência a rendas; daí que a expressão tenha sido retirada, ao abrigo do art. 712/2ª), 1ª parte, para pôr o facto de acordo com o que consta do documento].

  7. A fls. 187 e ss. a 194, encontra-se uma lista feita pela autora imputando os pagamentos efectuados pela ré.

  8. A fls. 77 encontra-se cópia de um resumo feita pela ré relativamente aos pagamentos efectuados através de movimentos de fls. 78 a 141.

  9. A fls. 76 encontra-se cópia de carta enviada pela ré...

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