Acórdão nº 468/11.0TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução26 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. M (…) residente em (...), Covilhã, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra J (…), S.A., com sede em (...), Covilhã, pedindo a anulação das deliberações tomadas no dia 4.3.2011 e 9.3.2001 em assembleia geral, ou nas datas alternativas de 24.3.2001 e 29.3.2011.

Alegou, em síntese, que é accionista da sociedade ré, que a estrutura accionista da sociedade é de natureza familiar e assim se manteve, sendo que essas relações ficaram deterioradas devido a diversos episódios, que descreveu. Teve conhecimento, no dia 18.3.2011, que tinham sido convocadas duas assembleias gerais da sociedade ré: a primeira convocatória foi publicada no dia 31.1.20011, no site de publicações oficiais online do Ministério da Justiça, cujo conteúdo referiu; a segunda foi publicada no dia 1.2.2011, no mesmo site de publicações oficiais, cujo conteúdo também mencionou. As convocatórias em causa foram realizadas pelo Presidente da Mesa de Assembleia Geral, o qual optou pelo recurso à publicação e não ao envio por carta registada. Ora, o referido Presidente, que desempenha funções na sociedade desde que a mesma foi transformada em sociedade anónima, não podia ignorar quem era os accionistas à data. Este esteve na entrega dos títulos nominativos a cada accionista, fazendo ele próprio a conferência e entrega dos títulos. Até à data em causa, atenta a estrutura familiar da sociedade, as convocatórias para assembleia sempre haviam sido efectuadas por carta registada, por e-mail ou até por fax, e nunca antes havia sido utilizada a publicação. A alteração foi efectuada com o objectivo de evitar que o autor estivesse presente e participasse nas referidas assembleias gerais e de na primeira poder votar, em violação do prescrito no art. 21º do CSC. Que existiu um claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” (art. 334º do CC), inquinando as deliberações tomadas nessas assembleias. Não foi, também, cumprido nas convocatórias o disposto no art. 377º do CSC - a não explanação do procedimento de voto por correspondência. Também não foi cumprido o disposto no art. 289º, nº 4 do CSC – a não publicação no site da empresa das listas concorrentes aos órgãos sociais e respectivos candidatos.

Concluiu que as deliberações tomadas padecem dos vícios prescritos no art. 58º, nº 1, als. a) e c) do CSC, e, como tal, devem ser anuladas.

A ré contestou, referindo que a assembleia geral designada para o dia 4.3.2011/alternativa 24.03.2011 não se realizou, pelo que não existe qualquer anulação que possa ser pedida por falta de objecto. No dia 9.3.2011, pelas 15 h, foi realizada a assembleia convocada para esse dia, através de publicações oficiais, conforme a respectiva acta, redigida por Notário, que juntou. Ambas as assembleias gerais foram convocadas de acordo com o art. 13º do pacto social. O Presidente da Assembleia Geral convocou a mesma nesses termos já que o Conselho de Administração não lhe podia garantir que as pessoas que constavam do registo das acções eram ainda, nessa data, os proprietários das acções, pois todos os accionistas tinham levantado as mesmas e podiam ter sido vendidas a terceiro. Não houve qualquer abuso de direito, mas antes procedeu-se com cautela.

Na audiência preliminar, o autor, em face da contestação e da acta da assembleia geral realizada, reduziu o pedido, para a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral realizada no dia 9.3.2011, o que foi deferido.

* Em saneador-sentença de seguida proferido, a acção foi julgada improcedente.

* 2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: I- A extensa impugnação apresentada pela Recorrida, que impugna inclusive o teor de documentos subscritos pelos próprios membros do Conselho de Administração, não vê o Recorrente, como se alcança a segurança dos autos conterem todos os elementos necessários para se proferir decisão, mormente nos artº 94 e 95 da p.i.; II- Na decisão recorrida não foram devidamente considerados elementos de facto, aceites pela Recorrida, relevantes para a boa sentença a proferir: - omitida a data desde que o Recorrente é sócio da Recorrida – a partir da constituição, desta em 1987, conf. consta do artº 3º e 4º da p.i. e doc. nº 2, - Atenta a transformação da sociedade em anónima, registada em 26/10/95, o Recorrente, tornou-se e manteve-se como accionista – artº 6 .pi., aceite; - O Recorrente era sócio e depois accionista da Recorrida, ininterruptamente, durante 24 anos; - A estrutura accionista era e manteve-se familiar (artº 10 da p.i.); - No dia 23/07/08, foi deliberado um aumento de capital social da Recorrida, com emissão de novas acções, apenas sob o tipo nominativo (artº 11 e 12 da p.i. -sabia-se em nome de quem, haviam sido emitidos os referidos títulos, registados no livro de registos, com intervenção da D. Mª da Conceição e entrega e conferência dos títulos aos accionistas, pelo Sr. Presidente da mesa de assembleia geral; -Na assembleia geral de 28/04/10, constatável a inalterabilidade qualitativa e quantitativa dos accionistas (após o share buy back , deliberado em 30/06/09 vide artº 19 e 21 da p.i.); -- O Presidente da mesa de Assembleia Geral, Dr. (…), acompanhava, no exercício dessas funções, a Recorrida, desde o ano da sua transformação em sociedade anónima, i.é, desde 1995, vide artº 6 e 10 da p.i., sendo que o primeiro, na qualidade de advogado, acompanhava a vida da sociedade desde a sua constituição (1987); - Em trocas de correspondência, de Setembro de 2010 a Fevereiro de 20011, o Recorrente actuou como accionista da Recorrida e o Conselho de Administração assim o tratou e reconheceu (ainda que não respeitando os seus direitos). Quando solicitou informações e cópia da acta de 09/03/2011, foi-lhe negada a qualidade de accionista; - Foi alterado o procedimento de convocatória das assembleias gerais durante 24 anos, ininterruptos, da existência da Recorrida, nunca houve outra forma de convocatória senão por carta registada !!! - Nas duas convocatórias, tanto se afirma a existência, como a inexistência de livro de registos, como a inexistência e a existência de averbamentos; - O Sr. Presidente da Mesa de Assembleia Geral não podia ignorar quem eram os accionistas, pois os títulos que haviam sido emitidos eram todos nominativos.

- A única alteração que houve ocorreu por parte das accionistas (…) e Mª (…), que vieram a constituir uma nova sociedade detentora das participações daquela na Recorrida, facto que o Sr. Presidente da Mesa de assembleia geral, tinha conhecimento pois passou a exercer idênticas funções na nova accionista; III- Não se trata de averiguar da conformidade da actuação do Presidente da mesa da assembleia geral com a lei e os estatutos, antes se ele podia, além de optar pela publicação, deixar de convocar os accionistas conhecidos, pelo meio ininterruptamente utilizado , durante 24 anos – carta registada; IV- A figura do abuso de direito não é apenas aplicável ao exercício de direitos subjectivos – ubi lex non distinguit, neque nos distinguere debemus ! V- A economia processual, não pode sacrificar a necessária punição de tão evidente e flagrante violação dos direitos dos accionistas, previstos no artº 21 do CSC. É porque ao Tribunal também está acometida uma função de prevenir abusos e litígios futuros.

VI- O comportamento em apreço é manifestamente abusivo do Direito, nos termos do artº 334 do CC., outro comportamento, ao Sr. Presidente da mesa da AG, lhe era imposto e devido – actuou em violação do artº 21 do CSC.

VII- Ao actuar em flagrante desconformidade ao uso reiterado e prática habitual da convocatória das assembleias gerais da Recorrida por carta registada, o Sr. Presidente da mesa de assembleia geral da Recorrida visou impedir e efectivamente impediu o Recorrente de participar na referida assembleia, sendo que, quanto à accionista (…), impediu-a não só de estar presente, participar, mas também de votar. Tudo contrário ao previsto no artº 21 do CSC, Termos em que deve ser revogada a decisão proferida, e ANTES deverá ser considerada procedente a acção, como peticionado: anulação da deliberação de 09/03/11, com o que se fará JUSTIÇA ! 3. A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados 1. A J (…), S.A. tem por objecto a actividade de concepção, desenvolvimento, produção e comercialização de expositores, plásticos, madeiras, metais e vidros.

  1. O autor é sócio da sociedade ré e foi presidente do conselho de administração de 2003 até 2010.

  2. O acordo social da ré, denominado “contrato da sociedade industrial J (…) S.A.”, no seu art. 6º dispõe que: 4. As acções são nominativas ou ao portador e são reciprocamente convertíveis nos termos da lei (…) No seu art. 13º o mesmo estipula que: “A assembleia geral será convocada pelo presidente da mesa, e nos casos especiais previstos na lei, pelo órgão de fiscalização ou tribunal.

    & 1º - A convocatória para a constituição da assembleia geral deverá observar o formalismo legal em vigor à data da convocação.

    & 2º - Quando as acções sejam nominativas e na ordem de trabalho não se compreenda nenhum dos assuntos para que a lei determine outra forma de convocação poderá o presidente da mesa substituir a publicações por cartas registadas, devendo mediar pelo menos vinte e um dias entre a expedição das cartas registadas e a data da reunião”.

  3. No sítio da internet do portal do Ministério da Justiça – Publicação On-Line de Acto Societário – o Presidente da Assembleia Geral da J (…) S.A., fez publicar, em 1.02.2011 a seguinte convocatória: (…) convoca-se a Assembleia Geral da sociedade para o próximo dia 9 de Março de 2001, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto único: Deliberação sobre a propositura pela sociedade de acção para o exercício do direito de indemnização a intentar contra o Sr M (…) que foi administrador da sociedade, por actos por este praticado no exercício das funções de presidente do conselho de administração, bem como...

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