Acórdão nº 1015/10.6TVPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução07 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1015/10.6TVPRT-A.P1 Sumário do acórdão: I. Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso (art. 303.º do CC), basta no entanto ao beneficiário a sua invocação, não se encontrando o Tribunal adstrito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (1.ª parte do art. 664.º do CPC).

  1. Tendo a instituição bancária, numa acção onde se discute um contrato de intermediação financeira, invocado a prescrição de três anos prevista no artigo 498.º do Código Civil, omitindo a alegação de um regime que lhe é mais favorável (previsto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM), ao Tribunal não está vedada a aplicação do regime omitido.

  2. Revela-se vocacionado para regular a questão da responsabilidade civil do Banco (intermediário financeiro), o regime específico previsto no artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, conjugado com o que preceitua o n.º 2 do artigo 304.º-A do mesmo diploma legal, concluindo-se do confronto dos citados normativos: i) o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima (art. 324.º, n.º 2, do CVM); ii) sendo de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave (art. 309.º do CC); iii) sobre o intermediário financeiro recai a presunção de culpa (n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM).

  3. Em sede de responsabilidade contratual, revela-se inaplicável o prazo prescricional previsto no artigo 498.º do Código Civil.

  4. Uma carta dirigida pelo devedor a uma instituição com funções de supervisão e de regulação (CMVM), onde o devedor admite que por lapso lhe foi indevidamente depositada pelo banco uma determinada quantia na sua conta, não tem a virtualidade de interromper a prescrição, nos termos do artigo 325.º do CC, por não se tratar de uma declaração efectuada «perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido».

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou contra o C…, S.A., a acção declarativa com processo ordinário, que corre termos na 2.ª Vara Cível do Porto, com o n.º 1015/10.6TVPRT-A, formulando os seguintes pedidos: a título principal, que seja declarado nulo, por inobservância de forma escrita, o contrato de intermediação financeira celebrado em Julho de 2007, entre o Autor, como investidor não qualificado, e o Banco Réu, como intermediário financeiro, e que este último seja condenado a devolver-lhe a quantia de € 78.453,43, adicionada de juros moratórios legais, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; subsidiariamente, para a hipótese de vir a ser entendido que o referido contrato é válido, que seja o Banco Réu condenado no pagamento do montante de € 78.453,43, a título de indemnização dos danos sofridos pelo Autor, decorrentes da violação de deveres legais a que o Banco estava vinculado na execução do contrato; cumulativamente com o pedido deduzido a título principal e com o pedido formulado subsidiariamente, que seja condenado o Banco Réu “a proceder ao levantamento” do seu nome “da lista de utilizadores de risco junto do Banco de Portugal” e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 50,00, “desde a data da sua citação e até que proceda ao levantamento do nome do Autor” daquela lista, dado que a inscrição do seu nome nessa lista “carece de fundamento factual e legal”.

    Citado, o Banco Réu contestou impugnando a factualidade alegada pelo Autor e deduzindo as seguintes excepções: i) a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, decorrente da ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 193°, n° 2, al. c), do C.P.C., sob o pretexto de que o pedido de condenação da Ré a proceder ao levantamento do nome do Autor junto da Central de Responsabilidades de Crédito e a causa de pedir em que o mesmo se estribou são substancialmente incompatíveis com os demais pedidos formulados pelo Autor; ii) a excepção peremptória da prescrição do pedido formulado pela Autor, de condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos provocados, alegando, designadamente, que “de acordo com o que dispõe o art. 498°, n.º 1 do CC o direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos”, quando é certo que a petição inicial “entrou em juízo em 09/12/2010”.

    Paralelamente, o Banco Réu deduziu reconvenção contra o Autor, pedindo a sua condenação: a) a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, alegando em síntese que o Autor “difundiu e divulgou” factos perante o Banco de Portugal e a CMVM, “através dos diversos documentos, de si emanados, que passaram a ser do conhecimento das inúmeras pessoas que ali trabalham”, acusando-o “falsamente” de “práticas infractoras, denegrindo o seu bom nome e reputação” e violando os “seus direitos de personalidade”; b) a restituir-lhe a quantia de € 12.619,00, com fundamento na anulabilidade, nos termos dos arts. 247°, 287° e 289°, todos do Código Civil, do acto praticado pelo Banco Réu, alegando em síntese: no âmbito do contrato de intermediação financeira, o Autor efectivou diversas transferências de quantias pecuniárias para a conta do Banco Réu junto do D…; por erro dos serviços do Banco Réu, todas essas transferências foram lançadas numa conta corrente/cliente da titularidade do Autor; ao contrário do que o Autor informou, o mesmo não transferiu, em 06/08/2007, para aquela conta a quantia de € 10.000,00, pelo que, a partir dessa data, todos os movimentos expressos em conta corrente passaram a apresentar um crédito de 10.000,00, permitindo ao Autor realizar operações e movimentações na conta em questão, como se realmente tivesse entregue o montante de € 10.000,00; em 20/08/2007, o saldo representado em conta corrente, no quantitativo de 15.427,94, de acordo com as instruções do Autor, foi transferido para a sua conta bancária junto do D…; em Setembro de 2007, os registos contabilísticos foram conciliados com o extracto bancário e respectivos movimentos, tendo o Banco Réu detectado o excesso em € 10.000,00, lançado a favor do Autor, que mantém, indevidamente, em seu poder essa quantia, não tendo procedido à respectiva entrega.

    Notificado, o Autor replicou, rebatendo as excepções deduzidas pelo Banco Réu e pugnando pela improcedência da reconvencão.

    No que concerne ao pedido reconvencional de condenação do Autor a restituir ao Banco Réu a quantia de € 12.619,00, com fundamento na anulabilidade, por erro, do acto praticado pelo Banco Réu, o Autor veio invocar a excepção da prescrição do direito à anulação, alegando, em síntese, que, face ao preceituado no art. 287° do Código Civil, o Banco Réu “não pode vir anular um suposto erro por si cometido passados mais de três anos sobre a data do conhecimento de tal erro”, o qual se terá verificado em Setembro de 2007, quando “teve conhecimento do suposto direito que lhe competia e do alegado responsável”.

    Em sede processual de saneamento e condensação, foram proferidos vários despachos a apreciar as questões suscitadas.

    Por despacho de fls. 243 e 244, foi julgada improcedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, decorrente da pretensa ineptidão da petição inicial, alegada pelo Banco Réu.

    No despacho de fls. 244 e 245 considerou-se que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, apreciar a excepção peremptória, invocada pelo Banco Réu, da prescrição do direito de indemnização que o Autor pretende fazer valer, tendo a mesma sido julgada improcedente, com os seguintes fundamentos: o Autor, para a hipótese de vir a ser entendido que o contrato de intermediação financeira, que celebrou com o Banco Réu, não se encontra ferido de nulidade, mas que, ao invés, é válido, pediu, subsidiariamente, a condenação do Banco Réu no pagamento do montante de 78.453,43, a título de indemnização dos danos que lhe foram provocados, decorrentes da violação dos deveres legais a que aquele estava vinculado durante a execução de tal contrato; ou seja, com essa pretensão, o Autor pretende, manifestamente, efectivar a responsabilidade contratual do Banco Réu, cujo prazo prescricional é de 20 anos (cfr. art. 309° do Cód. Civil); na sua contestação, o Banco Réu, invocando o estatuído no art. 498°, n.º 1 do Código Civil, veio alegar que o direito de indemnização que o Autor aqui pretende fazer valer se encontra prescrito; simplesmente, a norma convocada pelo Banco Réu para sustentar a prescrição do apontado direito de indemnização - o art. 498° do CC - respeita à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos; logo, tal preceito não pode, aqui, de forma alguma, ser chamado à colação, sendo inaplicável no caso sub iudice.

    No despacho de fls. 245 a 250 foi apreciada a admissibilidade processual da reconvenção deduzida pelo Banco Réu, na qual pede a condenação do Autor no pagamento da quantia de € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, tendo o M.º Juiz proferido sobre esta matéria, a seguinte decisão: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo inadmissível o pedido reconvencional, deduzido pelo Banco Réu, de condenação do Autor a pagar-lhe, a titulo de indemnização dos danos não patrimoniais que terá sofrido, a quantia de € 50.000,00 e, consequentemente, absolvo o Autor/Reconvindo da correspondente instância reconvencional».

    No despacho de fls. 250 a 254 foi apreciado o pedido reconvencional formulado pelo Banco Réu, de condenação do Autor a restituir-lhe a quantia de € 12.619,00, com fundamento na anulabilidade, por erro, nos termos dos arts. 247°, 287° e 289°, todos do Código Civil, do acto praticado pelo Banco Réu.

    Considerou o M.º Juiz que neste domínio, o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito de tal pedido, passando a apreciar a excepção peremptória da prescrição do direito de anulação, invocada pelo Autor na tréplica, e concluindo com a seguinte decisão: «Nestes termos, julgo procedente, por provada, a invocada excepção peremptória da prescrição do direito à anulação do acto, que o Banco Réu aqui...

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