Acórdão nº 548/06.3TBARC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | JOSÉ IGREJA MATOS |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo 548/06.3TBARC.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Recorrente(s): B…; C….
Recorrido(s): C… e D…; B….
Tribunal Judicial de Arouca.
*****O A. B…, residente na …, nº…, Arouca, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra os RR. D…, residente na Rua …, nº.., .º andar, freguesia …, Guarda, e C…, residente em …, …, Arouca, peticionando a condenação solidária destes a pagar-lhe €405.104,77, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que é sócio, e titular de uma quota de 62.349, 74 euros, correspondente a 45% do capital, da sociedade E…, Lda., sociedade comercial por quotas sendo que os restantes sócios são o réu C… titular de uma quota no mesmo valor, F…, titular de uma quota de 6.234,97; e G… titular de uma quota de 6.234,97.
A partir de 2005 passou a haver desinteligências graves entre os dois sócios maioritários sobre a forma como a sociedade estava a ser gerida o que levou o A. a convocar em 20.1.2006 uma assembleia geral, tendo sido deliberada com dois votos a favor e uma abstenção a destituição da gerência com justa causa, do sócio C….
No entanto, em 14.2.06 o Réu D… convocou uma assembleia geral tendo sido feita uma acta da qual consta que foi efectuada uma deliberação de destituição da gerência do Autor, bem como a nomeação de D… como gerente da sociedade, tendo sido o R. C… o único e exclusivo responsável pela designação daquele.
Tal estratagema criado pelos os RR. visou delapidar e esvaziar e completamente o património daquela sociedade, encerrar a unidade fabril e impedir que o A. pudesse prosseguir com a gestão e exploração da mesma o que conseguiram.
Toda esta actuação causou prejuízos quer à sociedade quer ao A.
Assim, o A. perdeu o valor da sua quota que era de €83.964,64, deixou de auferir a quantia de €187.280,00 relativa ao vencimento anual de €46.820,00 multiplicado por 4 anos, período durante o qual se presume que o gerente exerceria tais funções.
Terá ainda que suportar o pagamento da quantia de €32.259,83 relativamente a uma divida da E…, Lda. à H... e a quantia de €51.600,00 relativa a uma dívida ao I…, dado que a sociedade não o fez.
O autor peticiona ainda o montante de €50.000,00 a título de danos morais.
Regulamente citados, os D… e C…, invocaram desde logo a ilegitimidade do A., impugnando os factos alegados pelo A., sustentando a sua absolvição.
Findos os articulados foi proferido despacho saneador em que julgou a excepção de ilegitimidade invocada pelos RR. improcedente.
Após, seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória, que não sofreram reclamações.
Veio entretanto o A. apresentar articulado superveniente, no qual requereu a ampliação do pedido, peticionando a condenação dos RR. igualmente à quantia de €28.346,38 relativa a metade da dívida que existia relativamente à H…, o qual foi admitido, tendo sido determinado o aditamento de factos aos factos assentes e quesitos à base instrutória.
Após a demais tramitação devida e uma vez efectuada a audiência de discussão e julgamento veio a ser proferida decisão nos seguintes termos: “Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR D… e C… a pagarem solidariamente ao A. B… quantia de €20.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente sentença, até ao efectivo pagamento.” Inconformados com tal decisão, dela interpuseram validamente recurso o autor B… e o réu C… de cujas alegações se extraíram as conclusões que seguem.
Conclusões relativas ao recorrente B…: I. O presente recurso é interposto contra a sentença proferida nos autos à margem referenciados que julgou a acção, interposta pelo ora Recorrente, parcialmente procedente e, em consequência, condenou os R., ora Recorridos, a pagarem, solidariamente, ao Recorrente, a quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por este último sofridos, devidamente acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente sentença até ao efectivo pagamento, devendo as custas serem suportadas pelo A. e pelos RR, na proporção do respectivo decaimento.
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Todavia, diante das peculiaridades do caso concreto em que foi mais do que comprovada a prática dolosa de condutas gravíssimas pelos Apelados, o ora Apelante não pode se conformar com a douta sentença que não reconheceu o seu direito à indemnização pelos danos materiais sofridos e nem com o valor fixado à título de danos morais.
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O Quesito n.º 27 da douta base instrutória foi respondido pelo Juízo de Primeira Instância de forma genérica e enxuta (provado), tendo em vista que tal quesito tinha por escopo verificar se as quantias apostas nos cheques de € 12.500 e € 10.352, sacados contra o H…, haviam sido levantadas pelo ora Autor sem qualquer justificativa (conforme alegado no artigo 24º da Contestação) e o que se provou nos autos foi que tais quantias referiam se ao pagamento de empréstimos feitos pelo A. à sociedade.
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Assim, tendo em conta os depoimentos da testemunha J… e do próprio Autor B… prestados em audiência e os documentos junto aos autos sobre essa questão, deverá a resposta àquele quesito (n.º 27) da base instrutória ser alterada, considerando-se o mesmo como “não provado” ou contemplar uma resposta explicativa, explicando as razões ou motivos que justificaram os levantamentos das quantias de €12.500,00 e € 10.352,33 inscritos nos cheques sacados contra a H….
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Quanto aos danos materiais, não há como negar que diante do contexto fáctico, todos os danos sofridos pelo Apelante assim o foram de forma directa, impondo-se a responsabilização dos réus.
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São gravíssimas as particularidades das condutas praticadas pelos Apelados no caso concreto (assumindo contornos do "old farwest"), sendo merecedoras da mais severa censura ético-jurídica.
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Os Apelados não podem ficar impunes pelos actos lesivos que praticaram, devendo ser levado em consideração que a Doutrina, diante da configuração flagrante do dolo dos agentes, tem admitido a configuração do dano directo, para os efeitos de preenchimento do requisito exigido pelo art. 79, nº 1 do CSC, principalmente quando provado que as condutas lesivas e de dissipação dos valores sociais se deu em benefício próprio dos RR.
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Ainda que se considere a existência de danos reflexos, a respectiva indemnização decorrente da privação ilegal dos vencimentos que o Apelante recebia como gerente, bem como o ressarcimento dos valores pagos na qualidade de avalista da sociedade, serão devidos ao Apelante, porque devidamente configurada, também, a hipótese prevista no artigo 78º, nº 1 do CSC.
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A própria sentença de primeira instância reconheceu que os RR. actuaram de forma ilícita e dolosa, ao arrepio de uma gestão societária normal, ao delapidar o património societário e fazer com que o valor dessa delapidação ingressasse em seus patrimónios pessoais (artigos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º dos factos provados na base instrutória), em prejuízo não só da sociedade, mas também do ora Autor, trabalhadores, fornecedores, Fisco e Segurança Social.
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Ficou provado que o ora Autor exercia as funções de gerente da sociedade E…, Lda., auferindo um salário mensal de € 3.250,00, acrescidos de € 110,00 a título de subsídio de refeição e que, em razão da conduta dolosa e ilícita dos RR, deixou de auferir a quantia de €187.280,00, considerando o valor de € 46.820,00 anuais - a título de vencimentos – multiplicado por 4 anos, conforme disposto no art. 257º, nº 7 do CSC.
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No caso da responsabilização dos administradores por danos causados aos sócios e/ou terceiros, não releva para a análise se era ou não a sociedade que deveria proceder ao pagamento dos vencimentos, pois é evidente que assim sempre deverá ser.
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Na verificação do dano directo, a análise que deve ser feita é no sentido de saber se com a conduta perpetrada pelos Réus, em impedir dolosamente o pagamento dos vencimentos do Autor, a sociedade sofreu um dano, ou se foi somente o Autor, directamente, quem sofreu os danos de privação de seus vencimentos.
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De facto, as diversas condutas ilícitas dos RR tiveram como consequência a impossibilidade da sociedade honrar seus compromissos, mas daí não decorre (bem pelo contrário!) que a mesma sofreu um dano pelo não pagamento dos vencimentos devidos ao Autor, uma vez que, nesta questão, foi o Apelante que, exclusivamente, deixou de receber os seus vencimentos, em razão da conduta dolosa dos RR que foi reconhecida pela sentença.
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Com efeito, uma das condutas ilícitas dos RR, que sempre actuaram em conluio, no caso em questão, foi a de não proceder ao pagamento dos vencimentos seja o do Autor, seja os dos trabalhadores que foram dispensados de forma ilegal, sumária e selvagem.
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Tal conduta somada à delapidação do património da empresa, fazia parte do confessado plano de desmantelamento da empresa engendrado pelos RR, aqui Apelados, com o único fim de beneficiarem-se dos valores sociais indevidamente apropriados e prejudicar o Autor.
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Um mesmo acto da administração pode gerar danos distintos, tanto aos sócios como à sociedade e terceiros, o que autoriza a utilização tanto das acções sociais de responsabilidade como das acções individuais dos sócios e terceiros.
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Portanto, há que se admitir que a destituição ilegal do Autor da função do gerente, pelos RR, causou danos directos tanto à sociedade como ao ora Autor, pois se por um lado tal destituição facilitou o desmantelamento e delapidação da empresa (dano ao património social), por outro, privou, directamente, o ora Autor, legítimo sócio-gerente, do recebimento de seus vencimentos (dano ao sócio-gerente).
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É inarredável a conclusão de que o Autor sofreu um dano manifestamente directo, em razão da dolosa falta de pagamento de vencimentos.
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Aliás, isolando-se o acto lesivo (cessação ilegal do pagamento dos vencimentos do sócio-gerente) do fim que no caso em tela foi almejado pelos Réus...
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