Acórdão nº 10737/08.0TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelANABELA DIAS DA SILVA
Data da Resolução28 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação Processo n.º 10737/08.0 TBVNG.P1 Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia - 1.ª Vara de Competência Mista Recorrente – B…, Ld.ª Recorridos – C…, Ld.ª D…, Ld.ª E…, SA Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues Desemb. Maria Cecília Agante Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – B…, Ld.ª com sede em …, Maia, intentou no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra C…, Ld.ª, com sede em …, Vila Nova de Gaia, D…, Ld.ª com sede no Sabugal e E…, SA, com sede em Lisboa, pedindo: - a) Serem as rés condenadas a pagar, solidariamente, à autora o valor global de €128.979,50 bem como juros de mora à taxa legal, sobre essa quantia, a partir da citação até efectivo e integral pagamento; -b) Serem as rés, solidariamente, condenados a proceder à substituição da guilhotina por uma nova, no prazo máximo de 60 dias a contar da decisão; -c) Serem as rés condenadas a pagar, solidariamente, à autora o valor diário de 2.479,59, desde o levantamento da actual máquina até à data da entrega da nova; Subsidiariamente, -d) Serem as rés condenadas a reparar, no prazo máximo de 30 dias a contar da decisão, com a substituição do chassis/corpo da máquina, condenando, igualmente, as rés a indemnizarem, solidariamente, a autora em valor diário nunca inferior a €2.479,59, conforme o cálculo explanado nos artigos 36.º a 57.º, da P.I., desde a data do inicio da reparação até à datada entrega da guilhotina; -e) Serem as rés condenadas, solidariamente, no pagamento à autora de uma sanção pecuniária compulsória no valor de quinhentos, por cada dia, completo ou não, de desrespeito pela realização integral das obrigações que lhes venham a ser impostas.

Alegou para tanto e, em síntese, que a autora contactou a 1.ª ré, C… para aquisição de duas máquinas para o exercício da sua actividade. A 2.ª ré, D…, era quem procedia à importação das máquinas da Turquia. A autora contratou com as duas rés a aquisição das duas máquinas, mas aquando da descarga da máquina nas instalações da autora verificou-se que a máquina guilhotina tinha sofrido danos ocorridos no transporte. Em consequência a máquina guilhotina tem problemas de alinhamento, não funcionando em perfeitas condições, por tal razão, a dita máquina guilhotina durante um determinado período esteve paralisada, o que provocou prejuízos à autora.

*As rés foram regular e pessoalmente citadas e vieram contestar pedindo a improcedência da acção.

A 3.ª ré, Companhia de Seguros E…, alegou que foi efectuada reparação da dita máquina, tendo pago as quantias (da reparação) que lhe foram peticionadas. No mais, impugnou os factos alegados pela autora.

*A 1.ª ré, C…, contestou, defendendo-se por excepção de ilegitimidade, sustentando que os danos ocorreram durante o transporte, e assim nada poderá ser imputado a si (vendedora). De igual modo, defendeu-se por excepção de caducidade, nos termos do artigo 916.º n.º 2 e 917.º do C.Civil, pois que a autora já era conhecedora dos danos aquando da recepção da máquina. No mais, defendeu-se impugnando motivadamente a versão factual trazida pela autora.

*A 2.ª ré, D…, contestou, defendendo-se por excepção da sua ilegitimidade, alegando que não foi quem vendeu as máquinas à autora. Que foi contactada pela 1.ª ré, para proceder à aquisição das máquinas. De igual modo sustenta que existe contrato de seguro pelo qual transferiu a responsabilidade civil para a 3.ª ré, companhia de seguros, pelo que é parte ilegítima.

Mais se defendeu por excepção de caducidade, nos termos do artigo 916.º n.º 2 e 917.º do C.Civil, pois que a autora já era conhecedora dos danos aquando da recepção da máquina.

Por fim, defendeu-se impugnando motivadamente a versão factual trazida pela autora.

*A autora replicou pugnando pela improcedência da defesa apresentada pelas rés.

Deduziu ainda a autora incidente de intervenção de terceiros, da transportadora das máquinas, sustentando que tudo foi e é decorrente da conduta da transportadora.

*Julgou-se procedente o incidente de intervenção principal provocada de F…, SA e, consequentemente, citou-se a chamada.

*A chamada veio contestar alegando a incompetência (absoluta) material do tribunal. No mais alegou que sempre interveio em nome e por conta e ordem do armador, ou seja, em sua representação e em cumprimento dos deveres para si resultantes do contrato de agência, pelo que não pode responder pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de qualquer obrigação decorrente do contrato de transporte marítimo. Alegou ainda a caducidade do direito da autora, nos termos da legislação da Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga (transporte marítimo). Diz ainda que a indemnização a pagar nunca poderia exceder o peticionado pela autora: E por fim impugnou os factos articulados pela autora.

*Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido quanto à chamada. Julgou-se também as 1.ª e 2.ª rés partes legítimas e relegou-se o conhecimento da excepção da caducidade para sede de sentença final. Depois seleccionou-se a matéria de facto e foi elaborada a base instrutória, sem reclamação das partes.

*Procedeu-se a julgamento da matéria de facto, com gravação em sistema audio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida a respectiva decisão sem censura das partes.

*Por fim, proferiu-se sentença onde se julgou acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveram-se as rés dos pedidos.

*Não se conformando com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.

A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1. A compra e venda celebrada entre a Autora e a 1.ª Ré, consubstancia uma compra e venda de coisa genérica, ou seja, sabemos que é uma máquina de determinada marca e com determinadas características, mas não sabemos, em concreto, qual é a máquina que vai ser entregue (art.º 539.º e ss do Código Civil).

  1. Também poderia ser qualificada como compra e venda de bens futuros, nos termos do art.º 880.º do Código Civil.

  2. De qualquer forma, o direito de propriedade não se transferiu por mero efeito de contrato, ou seja, no momento da realização do contrato (Cf. 408.º n.º 2 do Código Civil).

  3. Os efeitos reais, neste caso, ficam diferidos no tempo e só se verificam no momento do cumprimento da obrigação, isto é, com a entrega da coisa vendida, pois só nesse momento é que se verifica a especificação/determinação (Cf. art.º 408.º n.º 2 e 541.º, ambos do Código Civil).

  4. Concomitantemente, o risco de perecimento da coisa vendida, também só se transfere no momento da entrega (Cf. art.º 796.º do Código Civil).

  5. Daquele contrato resultou para a 1.ª Ré a obrigação de entregar a coisa vendida, ou seja, estava obrigada a entregar uma máquina da marca e com as características acordadas no estado de nova, sem vícios, defeitos e anomalias.

  6. Certo é que a máquina foi entregue à Autora com vícios e defeitos e anomalias que estão abundantemente provados no processo e espelhados na matéria assente, nomeadamente nas alíneas T, V, X a CC, DDD e GGG, havendo uma enorme desconformidade entre aquilo que foi contratado e a máquina que foi efectivamente entregue.

  7. A 1.ª Ré tinha o dever de, antes da entrega, aferir se a máquina estava em condições de ser entregue ao comprador e não estando não a deveria entregar.

  8. Sendo certo que a 1.ª Ré/devedora responde pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados por ela própria, conforme estipula o art.º 800.º do Código Civil.

  9. É inequívoco que a 1.ª Ré procedeu ao cumprimento defeituoso da obrigação, uma vez que não satisfez o interesse da credora/Autora.

  10. O cumprimento defeituoso é imputável à 1.ª Ré.

  11. Consequentemente, por via do art.º 918.º do Código Civil, são aplicáveis ao caso concreto (compra e venda de coisa genérica ou coisa futura) as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artigos 798.ºe ss do Código Civil), aplicando-se, ainda, com as devidas adaptações, quanto às consequências dos vícios, as normas do art. 913.º e ss do Código Civil.

    Acresce 13. A 1.ª e a 2.ª Rés assumiram voluntariamente a responsabilidade, bem como a obrigação de repararem ou substituírem a máquina e a de indemnizarem a Autora pelos danos sofridos (Cf. as alíneas AAA, BBB e CCC da matéria assente constante da sentença).

  12. Aquela assunção voluntária da responsabilidade confirma a responsabilidade da 1.ª Ré pelo cumprimento defeituoso.

  13. Obsta, também, à eventual caducidade dos direitos exercidos pela Autora e constitui, por si só, fonte da obrigação e reparar ou substituir a máquina, bem como de indemnizar os danos causados.

  14. Ora, não havendo relação contratual entre a Autora e a 2.ª Ré, é a assunção da responsabilidade que fundamenta os pedidos contra ela formulados.

  15. Sendo que a responsabilidade da 2.ª Ré está ainda fundamentada na garantia prestada (Cf. alíneas YV, BBBB e CCCC da matéria assente que consta da sentença).

  16. A prestação de garantia, nos termos do art.º 921.º do Código Civil, consubstancia um negócio jurídico unilateral, do qual resulta uma responsabilidade objectiva para a 2.ª Ré, que, assim sendo, responde sem culpa face à Autora, pela reparação ou substituição da máquina.

  17. Consequentemente, a responsabilidade da 1.ª Ré está fundamentada no cumprimento defeituoso da obrigação, bem como na posterior assunção de responsabilidade.

  18. Já no que diz respeito à 2.ª Ré a sua responsabilidade assenta na assunção de responsabilidade que fez, bem como na garantia que emitiu.

  19. Assim sendo, a Autora tem direito a ser indemnizada nos termos do art.º 798.º, 804.º e 496.º do Código Civil, quer pelos danos sofridos com o cumprimento defeituoso, quer com os danos sofridos com o atraso no cumprimento...

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