Acórdão nº 01367/07.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: M. … interpôs o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 11.02.2011, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa especial que intentou contra o E. …, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do despacho do Chefe do Estado-Maior do E., de 10.05.2007 que lhe negou o reconhecimento do seu direito à inscrição no sistema de Saúde da ADM, bem como a determinação à prática do acto material subsequente de comunicação ao IASFA, entidade gestora da ADM, para efeitos de renovação da sua inscrição e emissão do seu cartão de beneficiária.

Invocou, para tanto, em síntese, que decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, as normas igualmente desrespeitadas pelo acto impugnado, a saber, o disposto no artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo, por ter revogado ilegalmente um acto constitutivo de direitos, bem como o disposto nos artigos 66º e 125º do mesmo diploma.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: I - O facto de a Recorrente beneficiar do subsistema de saúde da ADME foi co-determinante com outros factores (rendimentos da Recorrente, possibilidades do seu ex-cônjuge, etc…) para o facto de não lhe terem sido fixados judicialmente os alimentos referidos no preceito legal em questão.

II – A interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo, literalista e estrita, é de molde a espartilhar a realidade que deve presidir à administração de justiça, e não levando em conta as especiais circunstâncias que presidem à composição extra-judicial dos conflitos matrimoniais, indo flagrantemente contra a vontade do legislador que pretende diminuir a necessidade de recurso aos tribunais (com as consequentes despesas e perdas de tempo) para composição de tais litígios (conforme, aliás, é confirmado pela alteração do regime do divórcio operado já após a entrada em juízo da presente acção).

III - Em última instância, tal interpretação, poderia conduzir a uma absurda “pescadinha de rabo na boca”, pela qual a Recorrente precisaria de recorrer, agora, a uma acção de fixação de alimentos contra o seu ex-marido, por não usufruir do subsistema de saúde da ADME, e uma vez fixada tal prestação de alimentos, passar a usufruir dessa protecção.

IV - A interpretação e aplicação da lei não pode conduzir ao absurdo, sendo por isso, e salvo o devido respeito, a interpretação feita pela Recorrente na sua acção a mais consentânea não só com o texto legal, mas com a necessária articulação orgânica do todo jurídico nacional.

V - E a verdade é que foi essa a interpretação que a administração pública militar sustentou ao longo de mais de 19 anos, renovando sucessivamente o cartão de beneficiária da Recorrente e pagando-lhe as comparticipações devidas pelas despesas médicas e medicamentosas.

VI – Dos elementos constantes dos autos não resulta de forma alguma que a situação da Recorrente fosse única, ou uma aberração, não sendo apresentados quaisquer elementos que permitam ajuizar da frequência – ou sequer da existência – de outros beneficiários em idêntica situação, assim confirmando que não se tratou de erro dos serviços, mas sim de uma (correcta) interpretação do preceito legal em causa.

VII – Ora, tal prova cabia ao Réu, não podendo o Douto Tribunal a quo assentar a sua decisão meramente na interpretação legal, sem cuidar de apurar se a interpretação da ADME ao longo de 19 anos não foi em sentido contrário e – mais – em sentido coerente, espelhado na situação de outros beneficiários.

VIII - Também não tem razão a douta sentença em recurso ao considerar que o facto de a Recorrente ter usufruído daquele benefício por mais de 19 anos “é insusceptível de conferir à A. qualquer direito à manutenção da respectiva situação de ilegalidade decorrente do indevido estatuto de beneficiária de que gozou, independentemente do lapso temporal em que tal ocorreu porque, reitera-se, se trata de uma situação de ilegalidade, não podendo admitir-se a formação de expectativas legítimas neste âmbito”.

IX - Isto porque, mesmo que se tratasse de uma situação de ilegalidade, a verdade é que a Recorrente nunca a entendeu como tal; não só a Recorrente foi beneficiária do subsistema de saúde da ADME na convicção de que era um direito que legitima e legalmente lhe assistia, como essa convicção foi reforçada e confirmada ao longo de mais de 19 anos pela própria ADME, pelos seus serviços e pelos demais utentes e beneficiários X - Nenhuma expectativa jurídica pode ser mais legítima e merecedora da tutela do direito do que aquela que é criada e reforçada pelas próprias entidades responsáveis pela sua boa aplicação XI - Ao longo de 19 anos a ADME, na posse de todos os elementos de facto que fundamentam a douta sentença, considerou a Recorrente como sua legítima beneficiária, e tratou-a como tal, reforçando nela esse convencimento.

XII - Pelo que o exercício desse direito ao longo de dezanove anos, de forma pública e pacífica, na mais completa boa-fé e convicção de agir no uso de um direito que é seu e lhe é reconhecido à luz da lei, criou na Impugnante uma expectativa jurídica de continuar a exercer esse direito, que não lhe podia ser já retirado uma vez ultrapassada a fronteira dos 65 anos (Decreto-lei n.º 167/2005, por força seu art. 18º) XIII - Sendo a inscrição da Recorrente legítima (ainda que ilegal – o que se aventa a título meramente académico), a verdade é que a recusa de renovação do seu cartão de beneficiário é ilegítima e ilegal, sendo apenas por causa de um acto ilegal e ilegítimo da ADME que a Recorrente não se encontrava inscrita em 01 de Janeiro de 2006.

XIV - Considera ainda a douta sentença em recurso que o “acto em causa não consubstancia a revogação de qualquer acto. Não está em causa a validade ou conveniência do acto que autorizou a sua inscrição na ADM pois nessa data a A. era casada com um beneficiário, estando reunidas as condições legais para que fosse considerada beneficiária. A superveniência do divórcio constitui facto novo que implica uma nova regulação da situação jurídica”.

XV - Mas se assim é, essa nova regulação da situação jurídica após o divórcio, ou seja, após 1986, foi no sentido de igualmente considerar a Recorrente como legítima beneficiária, sendo esse um acto novo, um acto constitutivo de direitos (ademais, próprios) que é agora ilegalmente revogado (“Os actos administrativos constitutivos de direitos são apenas revogáveis, nos termos do art. 141º do C. P. Adm com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso”, nas palavras do Ac. de Junho de 2004 (0721/03), consultável em dgsi.pt) XVII - Pois se considerarmos que após o divórcio a Recorrente perdeu o direito a usufruir dos benefícios da ADME, então o acto administrativo que permitiu a renovação do seu cartão após o divórcio, instruído com certidão de nascimento onde o divórcio se encontrava averbado, não pode deixar de considerar-se um acto constitutivo de direitos na esfera jurídica da Recorrente, acto esse que nunca...

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