Acórdão nº 05104/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelEUGÉNIO SEQUEIRA
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.

  1. A...– A...SGPS, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: 1ª O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela A...contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2004, mediante a aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT (CGAA).

    1. Entende a Recorrente que a Sentença em referência está ferida de anulabilidade.

    2. Esta resulta, em primeiro lugar, de uma apreciação errada da matéria de facto provada. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu no sentido da improcedência da impugnação judicial baseando-se, para tal, numa fundamentação de facto que se encontra em clara oposição com este resultado: para decidir como decidiu, o Tribunal a quo admitiu como provado um conjunto de factos que depois ignorou na construção da sua decisão ou que com ela se revelou incompatível.

    3. Assim, por exemplo, se o Tribunal admitiu como factos provados que a constituição da C...teve como objectivo inicial um interesse organizatório do Grupo, não dominado por razões fiscais, o que explica, aliás, que ela tenha ocorrido alguns anos antes de existir qualquer negócio com a H...; que, em face da instabilidade económica que se fazia sentir em alguns mercados externos, e tendo em conta a debilidade do sistema bancário nacional, o grupo B...decidiu financiar o seu programa de internacionalização através da criação de sociedades localizadas na Zona Franca da Madeira, que ficariam responsáveis por canalizar para cada mercado alvo e para cada negócio os meios financeiros necessários à sua consolidação; que esta estrutura foi escolhida para reduzir o risco de contaminação dos investimentos no exterior à sociedade holding em Portugal; que todas as operações de carácter administrativo e financeiro, no seio do Grupo B..., eram proporcionados por sociedades destinadas a esse fim, pelo que não havia razão para duplicar meios e estruturas nas respectivas sub-holdings; e, finalmente, que a prestação destes serviços externos eram os que se mostravam adequados a uma sociedade como a C..., em função dos activos que detinha e das operações que realizava; como pode depois concluir que “não se vislumbra que a operação em causa tivesse objectivamente qualquer substância económica, limitando-se a mesma a evitar ou reduzir a tributação a que de outro modo estaria sujeita” ou que “a operação em causa poderia, sem outra consequência que não fosse fiscal, ter sido praticada por qualquer outra sociedade do grupo B...

      ” ou ainda que “o único motivo pelo qual os empréstimos foram concedidos pela C...foi para que a operação em causa não fosse tributada como seria caso tivesse sido lC...da a cabo por outra subsidiária da impugnante”? 5ª Estas conclusões apenas se compreendem num contexto em que outros “factos” terão determinado o juízo final da causa: para suportar a decisão que proferiu o Tribunal a quo deve ter-se apoiado em quaisquer outros fundamentos de facto que não especificou – e que, de resto, de modo algum se retiram dos autos –.

    4. Em muitos casos, até, em vez de factos, a Sentença prC...leceu-se de puras especulações e observações tendenciosas, insusceptíveis de operar como base de apoio da tese jurídica com que subjaz à decisão final da causa.

    5. A apreciação errada da matéria de facto tem ainda que ver com a circunstância de o Tribunal a quo praticamente se limitar à reprodução acrítica de partes substanciais do acórdão do TCA – Sul, de 15/02/2011, proferido no âmbito do processo de recurso nº 04255/10, as quais, sobre o tema da CGAA, se limitam à simples descrição geral e abstracta da doutrina mais corrente. Além disso, este acórdão versa sobre uma matéria fáctica distinta da dos presentes autos, e, em rigor, nem sequer discorre a respeito da mesma matéria jurídica, debruçando-se antes e essencialmente sobre uma matéria de natureza puramente procedimental, para cujo tratamento acaba por se bastar com a mera existência de indícios ou cenários de aparência.

    6. Sendo assim, temos, em conclusão, que o Tribunal a quo tomou uma decisão contrária aos factos que reconheceu como provados; para tanto, usou, provavelmente, factos que não especificou, para além de especulações ou apriorismos; e, finalmente, lançou mão de factos e argumentos que correspondiam a um processo distinto daquele a que a situação dos autos dizia respeito, onde se discutiam problemas jurídicos diferentes e uma situação fáctica, embora semelhante, diversa.

    7. O vício que determina, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da Sentença recorrida resulta ainda, para além do erro no julgamento da matéria de facto assinalado, de uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito aplicável.

    8. Neste domínio, considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não refuta com argumentos consistentes a alegação, apresentada pela impugnante, segundo a qual teria caducado o direito de utilizar o procedimento especial previsto no nº 1 do artigo 63º do CPPT, sem o que não é possível à Administração aplicar a CGAA. Assim sendo, tendo o processo de inspecção subjacente à liquidação impugnada iniciado em 24/04/2007, e a “interposição” da C...e a celebração de contratos entre esta última e a H...ocorrido em momentos que antecedem em mais de três anos a mencionada data, caducou o direito da Administração fiscal àquele procedimento.

    9. Esta conclusão resulta do facto de, no nº 3 do artigo 63º do CPPT, a referência ao acto ou à celebração do negócio jurídico como marcos a partir dos quais se inicia a contagem deste prazo especial só poder querer abranger, pela forma como se encontra redigido, os actos ou negócios jurídicos realizados através da “utilização de meios artificiosos ou fraudulentos ou realizados com abuso de formas” – os chamados também “actos fraudatórios” – e já não os actos fraudatórios ou abusivos e a obtenção de uma vantagem fiscal, conforme o que ocorra mais tarde.

    10. A leitura do Tribunal Tributário de Lisboa não é esta, contudo. Ela pressupõe que o prazo de caducidade em análise pode contar-se justamente a partir da obtenção de uma vantagem fiscal – que, de resto, pode distar vários anos dos actos alegadamente abusivos –, muito embora seja a “interposição” da C...que verdadeiramente, na perspectiva da Administração fiscal e agora também na sua, constitui um abuso de formas.

    11. Ora, lC...da ao limite, esta tese – que já de si pressupõe uma violação crassa do elemento literal da norma do nº 3 do artigo 63º do CPPT – redunda numa frontal contradição com aquela que parece ser a sua ratio e, assim, numa extensão desmesurada do intervalo temporal de actuação da Administração.

    12. Além disso, se a “interposição” da C...é, como cremos e parece indiciar a própria actuação da Administração fiscal e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o marco decisivo para iniciar a contagem do referido prazo, coloca-se ainda um segundo problema: é que, ao tempo do licenciamento e constituição desta sociedade – i.e., em 3/08/1995 e 16/08/1995, respectivamente –, não se encontrava em vigor o nº 2 do artigo 38º da LGT. Nestes termos, pretender aplicar a estes factos a referida disposição legal da LGT significa obviamente incorrer numa aplicação retroactiva da lei, em violação manifesta do nº 3 do artigo 103º da CRP, ilegalidade que a Recorrente expressamente invocou na impugnação judicial e a respeito da qual o Tribunal a quo não chegou a pronunciar-se directamente, senão num sentido conclusivo e absolutamente não fundamentado.

    13. Ainda quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrente, em segundo lugar, que o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de interpretação da norma do nº 2 do artigo 38º da LGT – da sua função e do seu conteúdo –, designadamente por entender que na CGAA se enquadram situações que, de todo, não fazem parte do seu campo de aplicação.

    14. Neste contexto, a decisão recorrida limita-se a sublinhar que dos negócios jurídicos em causa nos presentes autos resultou uma vantagem fiscal que não se verificaria caso eles não fossem realizados (pelo menos com a configuração, conteúdo ou sequência em que o foram), ou se o fossem através de outras subsidiárias da Recorrente, sem, contudo, cuidar de demonstrar por que razão as formas utilizadas se afiguram como artificiosas ou fraudulentas e realizadas em abuso de formas, ao arrepio de um qualquer programa normativo contido, de forma explícita ou implícita, numa determinada norma ou conjunto de normas.

    15. Ora, sendo da natureza das coisas que todos os ganhos realizados pela C..., dentro dos limites legais, seriam isentos de imposto e, mais tarde, naturalmente distribuídos ao respectivo accionista – o qual é uma SGPS –, impor-se-ia ao Tribunal que demonstrasse, no fundo, que a A...não poderia deter a C..., que esta não preenchia as condições para poder beneficiar do regime fiscal que sempre lhe adviria pelo facto de se encontrar licenciada para operar na Zona Franca da Madeira e que esta, enquanto participada daquela, não poderia exercer qualquer actividade lucrativa (a menos que não distribuísse lucros!).

    16. O entendimento da Recorrente é, pois, o de que essa demonstração não foi tentada porque, pura e simplesmente, ela não é possível. É que, em boa verdade, no caso em apreço foram realmente realizados negócios perfeitamente usuais, foram escolhidas formas que cumpriram a sua vocação habitual e desencadearam os seus efeitos típicos, tal como estes foram representados e queridos pelo legislador.

    17. Por um lado, a C...foi constituída na Zona Franca da Madeira com o...

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