Acórdão nº 0252/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | FERNANDA XAVIER |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO A……, com os sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nos autos a fls. 388 e segs., que confirmou inteiramente e sem quaisquer reservas a sentença de 1ª Instância (TAF de Lisboa), que julgou improcedente a presente acção administrativa especial e absolveu o Réu Ministério da Administração Interna do pedido.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Vem o douto Acórdão recorrido julgar improcedente o recurso apresentado pelo ora Recorrente e confirmar a sentença do Tribunal de Primeira Instância.
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Com base na interpretação e aplicação do preceito constante do artigo 4º do Decreto-Lei nº 160/92, de 1 de Agosto, por força do artigo 8º do Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro, no referente à percepção de suplementos remuneratórios por parte do pessoal da carreira de investigação e fiscalização, a que o Recorrente pertence.
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Salvo melhor opinião, e tendo sido dada como assente a matéria de facto, a questão central reside, pois, na interpretação da citada norma, em termos de saber se a mesma exclui ou não a remuneração devida por trabalho extraordinário cumulativamente com a atribuição legal de suplemento por especial penosidade da função, constante daquele artigo 4º do Decreto-Lei nº160/92.
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Trata-se, pois, de uma questão de interpretação e aplicação do quadro jurídico em que aquela norma se insere, ainda que a posteriori, consubstanciando a necessidade de uma correcta aplicação do Direito.
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Sendo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a aplicação do preceito no sentido em que o faz o douto Acórdão ora recorrido, constitui uma violação da lei substantiva que regula o estatuto remuneratório do pessoal da investigação e fiscalização.
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Pelo que, o Recurso agora interposto é nestes termos admissível ao abrigo do disposto no nº1, parte final, do artº150º do C. Processo nos Tribunais Administrativos, bem como no nº2 do mesmo preceito.
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Com efeito, trata-se de matéria controvertida de Direito, assente na técnica interpretativa, nada se discutindo sobre matéria de facto, e cuja solução poderá afectar um conjunto de casos semelhantes relativos a um direito fundamental dos trabalhadores da função pública (o direito à remuneração do seu trabalho), ainda que inseridos nos chamados “corpos especiais”, com indiscutível relevância prática.
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Os casos semelhantes abrangem um conjunto de funcionários que se encontram nas circunstâncias do aqui Recorrente, tanto no SEF como noutros corpos especiais da função pública, e que podem vira a ser gravemente prejudicados nos seus direitos pela aplicação da norma em causa.
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Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Setembro de 2009, que considerou que « É de admitir a revista quando se esteja perante matéria sobre a qual se admita a existência de dúvidas interpretativas, exigindo a realização de operações exegéticas de certa complexidade e, também se trate de questões cuja resposta não se limita ao caso concreto, antes podendo vira a interessar a um número indeterminado de outros casos.» 10. Sendo certo, porém, que como considerou o Supremo Tribunal Administrativo no douto Acórdão de 16 de Dezembro de 2009, «o requisito da relevância jurídica ou social da questão a dirimir no quadro do recurso de revista não é exigível quando a revista se fundamenta na necessidade de uma melhor aplicação do direito», o que é o caso.
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Encontram-se, assim, preenchidos os requisitos exigidos no nº1 do artº150º do C. de Processo nos Tribunais Administrativos, nomeadamente a relevância social e de questão jurídica, conforme vem sendo jurisprudência vertida por este Supremo Tribunal.
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Ora, considerou o Tribunal Central Administrativo Sul no douto Acórdão de que se recorre que o pessoal integrado na carreira de investigação e fiscalização do SEF pelo ónus específico do serviço, pela disponibilidade permanente obrigatória, pelo risco e insalubridade próprios das funções tem direito a um suplemento remuneratório, pelo que com a percepção desse suplemento não é devida qualquer outra compensação remuneratória por trabalho extraordinário, ou prestado em feriados, dias de descanso semanal e complementar, nos termos do nº3 do artigo 67º do Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro.
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Alegando ainda que «resulta da norma transitória vertida no artigo 8º do referido Dec. Lei nº290-A/2001 que, até à regulamentação do referido suplemento em diploma próprio, continua em vigor o regime do artigo 4º do Dec. Lei nº160/92, no qual se prevê que o suplemento em causa é fixado com arredondamento para a centena de escudos superior, em 25% do valor índice 100, a que se refere o nº2 do artigo.» 14. Pelo que, «não há qualquer retroactividade ofensiva do direito à retribuição, visto que a norma transitória remete para o regime já existente em 1992, que já exigia a disponibilidade permanente compensada mediante suplemento remuneratório.» 15. Sendo incompatível com a aplicação das regras relativas ao trabalho extraordinário previstas no Decreto-Lei nº 259/98 de 18 de Agosto a ininterrupta disponibilidade que caracteriza o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do SEF.
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Sucede, porém, que, salvo o devido respeito e melhor opinião, tal não se nos afigura como uma interpretação sustentável dos referidos preceitos.
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Com efeito, é facto assente que o ora Recorrente prestou trabalho extraordinário, no exercício das suas funções de Inspector-Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Agosto, Novembro e Dezembro de 2000.
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E é nesses termos que entende o ora Recorrente ter direito à remuneração do trabalho extraordinário prestado, conforme resulta do Decreto-Lei nº259/98 de 18 de Agosto em articulação com o Decreto-Lei nº160/92, de 1 de Agosto em vigor à data da prática dos factos.
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Efectivamente, o Decreto-Lei nº160/92, de 1 de Agosto veio definir o Estatuto Remuneratório, como corpo especial, do pessoal de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nele se prevendo o direito a auferir um suplemento «pelos ónus específicos inerentes às funções exercidas pelo pessoal de investigação e fiscalização, designadamente o da permanente e total disponibilidade, o de maior desgaste físico e do risco.» (cfr. Artigo 4º, nº1 do referido diploma).
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Sendo certo que, a percepção de tal suplemento era considerada como vencimento e neste se encontrava integrado, nos termos do nº3 do referido normativo.
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Ora, dúvidas não se suscitam de que o normativo supra transcrito em nada colide com o direito à compensação pelo trabalho extraordinário prestado, regulado pelo Decreto-Lei nº258/98, de 18 de Agosto, designadamente no artigo 28º.
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Tal restrição só viria a surgir com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro, diploma este que estabeleceu o estatuto do pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e que previu no nº3 do artigo 67º que, com a percepção do suplemento, a fixar em diploma autónomo, não é devida qualquer outra compensação remuneratória por trabalho extraordinário, ou prestado em feriados, dias de descanso semanal e complementar.
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O “ diploma autónomo” a que se refere o normativo supra descrito viria a ser a Portaria nº104/2005, de 26 de Janeiro, a qual dispõe que “deste modo com a percepção do suplemento fixado pela presente Portaria, nos termos do nº3 do artigo 67º do estatuto, não é devida qualquer outra compensação remuneratória por trabalho extraordinário ou prestado em feriados, dias de descanso semanal e complementar.
» 24. Ou seja, até à entrada em vigor da referida Portaria, o suplemento a que se refere o artigo 67º do Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras careceu de regulamentação.
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Importa ter em atenção que, abranger no suplemento as situações de trabalho extraordinário, implicava indubitavelmente a fixação de novos valores, nitidamente superiores aos que até então eram praticados.
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E foi isso que aconteceu com a entrada em vigor da referida Portaria, i.e., o valor do suplemento aumentou, atendendo ao facto de os funcionários da carreira de investigação e fiscalização do SEF deixarem de ver o trabalho extraordinário efectivamente prestado remunerado.
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Pelo que, facilmente se compreende que durante o período de tempo em que não existiu regulamentação do referido suplemento, o pessoal da carreira de investigação e fiscalização do SEF tenha o direito a ser remunerado pelo trabalho extraordinário prestado.
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Na verdade, o Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro, como bem nota o douto Acórdão de que se recorre, previu no artigo 8º, sob a epígrafe, “ norma transitória” que: «Até à entrada em vigor do diploma a que se refere o nº2 do artigo 67º do estatuto anexo ao presente diploma, mantém-se em vigor o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº160/92, de 1 de Agosto.
» 29. Ora, como vimos, o referido normativo não exclui o direito à percepção da compensação devida pela prestação de trabalho extraordinário, ao contrário do que é defendido pelo douto Acórdão de que recorre.
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Só uma aplicação retroactiva do Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro, designadamente do nº3 do artigo 67º em articulação com a Portaria nº104/2005, de 26 de Janeiro, afastaria o direito à compensação requerida.
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Porém, argumenta o douto Acórdão de que se recorre que tendo a norma constante do artigo 4º do Decreto-Lei nº160/92, de 1 de Agosto sido mantida em vigor pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº290-A/2001, de 17 de Novembro, este efeito repristinatório afastaria a aplicação retroactiva da lei.
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Salvo o devido respeito, impõe-se uma correcção: no ano 2000, ano em que o trabalho extraordinário foi prestado pelo Recorrente, estava plenamente em vigor o Decreto-Lei nº160/92, de 1 de Agosto na sua...
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