Acórdão nº 07818/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução10 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO A..., com os demais sinais dos autos, intentou no T.A.C. de LOULÉ acção administrativa comum sob a forma ordinária contra ESTADO PORTUGUÊS – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Pedindo a condenação do Estado a pagar à A., a título de indemnização, € 35.000 acrescido de juros de mora contados à taxa legal até efectivo pagamento, e a pagar à A. a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa às quantias que a B..., SA, venha a reclamar à A. pela não amortização completa do capital mutuado de € 4849,23.

O TAC recorrido decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar o Réu a título de danos patrimoniais nos seguintes termos: a) ao pagamento de 25.000,00€, valor de aquisição do veículo automóvel com a matrícula 41-95-CA, modelo 525 TDS, marca BMW e por perda do mesmo, acrescido de juros de mora à taxa legal que se venceram a contar da data da instauração da presente acção e até ao integral pagamento; b) no pagamento da quantia que a B..., SA, venha a reclamar à Autora pela não amortização completa do capital mutuado.

Inconformado, o réu deduz o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: A. Na presente acção a Autora pede uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente decorrentes da inutilização do seu veículo BMW, modelo 525 TOS, matrícula 41-95-CA, devida a estragos causados no veículo durante o período em que esteve apreendido no processo n.º 52/04.4TBVNF, o que impossibilitou a sua efectiva restituição, posteriormente ordenada nesse processo; B. Na douta sentença recorrida foi a acção julgada parcialmente procedente, e condenado o Estado Português: ao pagamento de 25.000,OO€, valor de aquisição do veículo automóvel, acrescido de juros de mora à taxa legal; no pagamento da quantia que a B..., SA, venha a reclamar à Autora pela não amortização completa do capital mutuado para aquisição do veículo; C. Na douta sentença recorrida a pretensão da Autora foi devidamente enquadrada nas disposições do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, vigente à data dos factos; D. Assim, a responsabilidade civil extracontratual do Réu depende a verificação cumulativa dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar; o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano; E. O veículo da Autora foi entregue em 23 de Setembro de 2004 ao Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, encontrando-se no estado normal para a sua idade e para o uso que tinha no momento em que foi apreendido; F. O Secretário de Justiça daquele Tribunal, na qualidade de fiel depositário por inerência do cargo, deixou o veículo no parque de estacionamento municipal, a escassos metros do edifício do Tribunal; G. E deixou-o aí estacionado porque não tinha melhor local para o deixar, uma vez que não tinha qualquer espaço para o parquear nas instalações do edifício do Tribunal, nem o Tribunal dispõe de quaisquer outras instalações ou local para o efeito; H. Nesse local, o veículo foi objecto de 4 furtos de componentes e danos, ocorridos em, escassos 20 dias, no mês de Janeiro de 2005, da autoria de terceiros desconhecidos, que o deixaram inutilizado; I. Mediante denúncia do Secretário de Justiça do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foram instaurados quatro inquéritos, um por cada furto, mas todos vieram a ser arquivados por não se ter descoberto a identidade dos autores dos factos; J. O local onde o fiel depositário deixou o veículo é um local próprio para o estacionamento de veículos, situado no centro da cidade, pelo que a sua conduta não pode ser considerada ilícita, como o foi na douta sentença recorrida; K. E muito menos pode ser considerada culposa, pois o fiel depositário não tinha qualquer outro local para estacionar o veículo, pelo que a sua conduta não é censurável; L. Os danos que o veículo apresentava foram causados por terceiros, por motivos alheios à acção e à vontade do agente do Réu responsável pela sua guarda, pelo que também não se pode configurar a existência de nexo de causalidade entre qualquer facto (ilícito e culposo) seu e o dano; M. Logo, não se verificam os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar por facto ilícito, pelo que na douta sentença recorrida se incorreu em erro de direito, na medida em que se consideraram verificados esses pressupostos; N. A douta decisão recorrida faz responder o Estado por factos ilícitos praticados por terceiros que não pelos seus órgãos ou agentes, mas da lei não decorre tal responsabilidade, que então seria uma espécie de responsabilidade pelo risco, ou objectiva, e não responsabilidade por facto ilícito; O. Sem conceder, também não se aceita o quantum da indemnização em que a douta sentença condenou o Réu, na parte em que a acção foi julgada provada, restrita ao pagamento do veículo; P. O veículo custou 25.000,00 euros, mas a Autora só pagou 20.000,00 euros, e ainda tinha em dívida o restante, que contabilizou em 4.849,23 euros; Q. Dos pedidos formulados pela Autora consta cerca de 20.000,00 euros pelo que já tinha pago e 4.849,23 euro pelo que lhe faltava pagar; R. Condenando nos termos em que o fez na douta sentença recorrida (25.00000 do custo integral do veículo + o montante de 4.849,23 euros que a Autora ainda tinha pago em dívida), o Tribunal condenou em duplicado no que respeita à parcela do preço que a Autora ainda não tinha pago; S. E porque a Autora apenas pediu 20.000,00 euros pelo que já tinha pago pelo veículo, e considerando a autonomia do pedido relativo ao pagamento do veículo em relação aos demais (que foram julgados improcedentes), poder-se-á mesmo dizer que estamos perante uma condenação ultra petitum; T. Na douta sentença recorrida foram violadas as disposições dos artigos 2.º n.º 1, artigo 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e do artigo 661.º n.º 1 do CPC.

U. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e absolvido o Réu Estado Português dos pedidos formulados pela Autora.

A recorrida apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo: 1. A conduta do Réu foi ilícita e culposa; pois, 2. A partir do momento em que o Estado Português, coercivamente, retira a posse sobre o veículo à recorrida, cria para si a obrigação de zelar pela sua conservação; isto é, 3. Cria para si um conjunto de responsabilidades que lhe impõem um dever de agir, no sentido de tudo fazer para que o veículo - que não é seu - se conserve íntegro (descontada, naturalmente a normal acção do tempo) a fim de poder ser devolvido ao legítimo proprietário, se for caso disso.

  1. Diferentemente do proprietário, o Réu, enquanto simples detentor tem a obrigação de guardar o bem que é colocado sob a sua posse, impondo-se-lhe, ainda, um especial dever de cuidado e diligência nessa guarda.

  2. A obrigação de guarda do Réu, os deveres de cuidado e diligência, não se coadunam com o abandono, durante meses, do carro na via pública, num parque público, como aconteceu no caso dos autos.

  3. Ao fazê-lo, o Réu bem sabia que o carro corrida o risco de ser furtado ou vandalizado como foi.

  4. Impunha-se, assim, ao Réu adoptar comportamento que obviasse ao sucedido.

  5. Não o tendo adoptado, incorre em responsabilidade civil culposa.

  6. No caso dos autos, encontram-se reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil do Réu.

  7. Não merece qualquer censura o quantum da condenação, uma vez que tal acautela devidamente o prejuízo da A. indemniza-a da parte do valor do carro, que já havia pago e indemniza-a do valor que a B..., S.A. venha a reclamar pela não completa amortização do valor financiado (valor do veículo não amortizado, juros e despesas).

  8. Não merece qualquer censura a Douta decisão recorrida, pelo que, deve ser mantida in totum.

* O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).

* Cumpre assim, após os trâmites legais, apreciar e decidir em conferência.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS CONSTANTES DA SENTENÇA A) A Autora é proprietária do veículo marca BMW, modelo 525 TDS, com a matrícula 41-95-C (doc nº 2 da pi); B) Em 2002.01.12, a Autora foi constituída arguida no inquérito nº 52/04.4TBVNF e submetida a Termo de Identidade e Residência (cfr doc° n° 1 da pi); C) Em 2002.01.12, na presença da Autora, foi efectuado o ‘Auto de Busca e Apreensão de Viatura’ da marca BMW, modelo 525 TDS, de cor branca, com matrícula 41-95-CA, que havia tido outra matrícula – AC-260X – desde 1993.02.16, na Alemanha não tendo tido a Autora desde aquela data, mais contacto com ele, não o tendo utilizado mais (cfr doc° n° 1 da pi e por acordo); D) Em 2004.09.23, a viatura, marca BMW, modelo 525 TDS, de cor branca, com matrícula 41-95-CA, foi entregue ao Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, em ordem ao Processo nº 52/04.4TBVNF, que corria os seus termos no 3º Juízo (doc nº 1 da pi); E) O veículo encontrava-se no estado normal para a sua idade e para o uso que tinha no momento em que foi apreendido (cfr docs nºs 3 a 5 da pi); F) Em 2005.03.08, a Autora, absolvida no Processo nº 52/04.4TBVNF do 3º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, requer a restituição dos bens, de entre os quais, a viatura, marca BMW, modelo 525 TDS, de cor branca, com matrícula 41-95-CA (doc nº 1 da pi); G) Em 2004.09.23, procedeu-se ao Termo de Entrega da viatura BMW, modelo 525 TDS, com a matrícula 41-95-CA ao Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira – 3º Juízo, Processo nº 52/04.4TBVNF (cfr doc nº 1 da pi); H) Em 2005.04.19, o Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira lavrou o “Auto de Entrega de Veículo...

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