Acórdão nº 8559-06.2TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução27 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório AA Ldª intentou no Tribunal Judicial da comarca de Braga a presente acção declarativa com processo ordinário contra BB SA pedindo a sua condenação no pagamento das quantias de € 48.162,18 e de € 178.952, 97 , a título de indemnização pelo incumprimento do prazo de pré-aviso na denúncia de um contrato de concessão comercial que vigorou entre ambas e de indemnização de clientela, respectivamente , ambas acrescidas de juros de mora, contados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré contestou, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal, impugnando a factualidade alegada pela A, pugnando em conformidade pela improcedência da presente acção e ainda em via reconvencional pela condenação da A a pagar-lhe a quantia de € 216.147,14 emergente de fornecimentos efectuados, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 9,25% e 9,83 % ( art. 102º do Cod. Com.) desde as datas de vencimentos das correspondentes facturas até efectivo e integral pagamento.

A autora replicou, reconhecendo o crédito reclamado pela Ré, mas invocando o direito de retenção sobre os valões em dívida, até que lhe seja paga a peticionada indemnização de clientela e sustentando por via desse direito, não está em mora e, consequentemente poderá ainda beneficiar, mediante a competente dedução do “desconto financeiro ou de pronto pagamento” que era praticado pela Ré no âmbito do relacionamento comercial que com ela manteve e que liquida em €1.953,87.

Deduziu ainda ampliação do pedido inicialmente formulado, pugnando pela condenação da Ré a pagar-lhe a remuneração de Maio de 2006 no montante de € 2.465,11 correspondente ao somatório do “ investimento à força de vendas “ “rappel” e “diferenças de preços” referentes a esse mês e que se venciam no mês seguinte, nos montantes de €1.604,00, €377,27 e € 483,84 respectivamente.

A Ré treplicou nos termos constantes de fls. 329 e 330.

Foi proferido despacho saneador, decidindo pela competência do Tribunal e validade da instância e do processado, organizando-se de seguida a matéria de facto assente e a base instrutória que sofreu reclamação da autora no tocante ao quesito 42º, que foi deferida na acta de 17.06.2006.

Procedeu-se a julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção e em consequência condenou a Ré a pagar à A a quantia de € 184.973,11, acrescida de juros de mora contados á taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a data da citação relativamente á quantia de € 182.508,80 e desde 1 de Julho de 2006 relativamente à quantia de € 2.465,11 até efectivo e integral pagamento e a A a pagar á Ré a quantia de €203. 201,88 igualmente acrescida de juros de mora, contados á taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a data da satisfação da indemnização arbitrada á A até efectivo e integral pagamento.

A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, que através do Acórdão inserido a fls.791 a 833 revogou parcialmente aquela sentença e absolveu a Ré dos pedidos formulados na acção, mantendo a condenação da autora no pedido reconvencional, acrescida de indemnização pela mora.

A Autora não se conformou e interpões recurso de revista para este Supremo Tribunal.

A A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: I-A questão nevrálgica do presente recurso centra-se na insustentável ligeireza do juízo analógico do Tribunal a quo, que destrói todo o raciocínio jurídico da decisão do Tribunal de l.ª Instância com a perturbadora asserção de que a norma excepcional de forma prevista no art. 4.º do DL 178/86, relativa ao acordo de exclusividade, se aplica analogicamente ao contrato de concessão, pelo que inexistindo qualquer escrito entre as partes nesse sentido, a exclusividade não poderia ter sido provada com base em prova testemunhal e, por isso, também o contrato não havia cessado por denúncia da Recorrida que àquela cláusula não estava, por essa via formal, vinculada.

II. Consabidamente, o 11.º do Código Civil reveste de uma rigidez intransigente, não deixando margens interpretativas - quer resultantes do seu elemento literal, histórico, ou teleológico -, nem permitindo quaisquer derrogações, à prescrição de que as normas excepcionais não comportam analogia - cfr., em especial, Inocêncio Galvão Teles, Contrato Promessa, In CJ, Ano X -1985, Tomo 1, p. 39.

III. Ora, considerando que a regra é a da consensualidade da declaração, e que portanto a norma geral é a prevista no citado artigo 219.9, as exigências formais são consideradas normas excepcionais - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., anotação ao art. 219.º, p. 210; neste sentido, veja-se ainda, entre a relevante doutrino, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pp. 49 e 141; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geraldo Direito Civil, Ed. Actualizada, p. 432; Rui de Alarcão, A Forma dos Negócios Jurídicos, in BMJ, n.º 86, Maio 1959, p. 178, Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geraldo Direito Civil, 5ª Ed., p. 704 e Contratos Atípicos, p. 464.

IV. Deste modo, da conjugação do artigo 11.º do Código Civil e do carácter excepcional das normas que impõem exigências de forma, resulta que tais normas não têm, portanto, aplicação analógica.

V. Nem tão pouco o Direito moderno - com declarada vocação para a realização de Justiça e da grande pressão sobre a forma - autorizava o processo analógico, quer por questões de segurança e certeza no tráfico jurídico, quer por questões materiais que se assumem actualisticamente sobrepostas a concepções primitivas de bajulação da forma.

VI. Em suma, se o contrato não for qualificável como de algum tipo legal, nenhum dos preceitos que exija uma forma legal estatuída a propósito de um tipo legal lhe será (por impossibilidade de juízo analógico) aplicável. Valendo para todas as estipulações da contrato atípico da concessão comercial o princípio da consensualidade - veja-se a título de exemplo icástico, o tratamento dado aos contratos atípicos de utilização de lojas em centro comercial -, que obviamente, afasta qualquer exigência de forma para a exclusividade.

VII. Acresce que, a obrigação de forma prevista no n.º 4 do DL 178/86, sendo manifestamente exagerada, não procede de qualquer raciocínio lógico, mas de um contexto meramente circunstancial, donde qualquer tentativa, por mero exercício jurídico, de transportar as suas razões para o exterior do próprio tipo contratual da agência, seria um processo falhado que não confere o mínimo de cientificidade e tratamento racionai ou lógico.

VIII. De resto, a "exclusividade" da concessão comercial, situando-se - quer antes quer depois do DL 118/93 que alterou o art. 4.º do DL 178/86 - no âmbito dos elementos acidentais, não esteve sujeita às vicissitudes político sociais e comerciais operadas na agência, passando à margem das suas rupturas formais.

IX. Sem prescindir, a considerar-se que a exigência formal do art. 4.º do DL 178/86 era aplicável à convenção de exclusividade celebrada entre a Recorrente e a Recorrida, estaríamos no âmbito de uma nulidade por falta de forma dessa convenção (art. 220.º do Código Civil), o que não significa que a convenção não tenha existido como negócio, podendo e devendo admitir-se a prova da sua existência - cfr. Ac. do STJ de 27-06-2006, processo n.º 06A1744, in www.dgsi.pt.

X. E, considerando a confiança das partes na validade da exclusividade, seguida da actuação oportunista da Recorrida na alegação da sua nulidade, deverá, com recurso ao abuso de direito, paralisar-se a invocação de falta de forma.

XI. De qualquer das formas, o citado art. 4.º apenas exige forma para os acordos em que o principal fica impedido de usar outros agentes. Não contemplando, assim, a situação concreta em que o principal fica, ele próprio, impedido de vender directamente numa zona atribuída ao agente.

XII. Por isso, o facto provado 7, sempre teria de conter o seguinte conteúdo mínimo: Em contrapartida, a Ré obrigou-se perante a A. a garantir-lhe a distribuição dos seus produtos na área geográfica que lhe foi atribuída, com excepção das vendas efectuadas às grandes superfícies comerciais, retalhistas ou grossistas, e às cadeias organizadas e centrais de compras de pequenos e médios estabelecimentos comerciais, abstendo-se de vender directamente os seus produtos na citada área, obrigando-se ainda a vender à A. os seus produtos em conformidade com a tabela de preços e promoções da "BB" em vigor e a conceder-lhe diversos descontos e incentivos, a saber: "fee" ou "Desconto Comercial", "Rappei", "Investimento é Força de Vendas", "Abono de Transporte", "Clientes Especiais/Escolas"e "Desconto Financeiro".

XIII. Resulta, portanto, do precedente que o caminho trilhado pelo Tribunal de 1.ª Instância, no sentido de que o contrato cessou por denúncia da Recorrida se mantém plenamente válido.

XIV. Com efeito, do teor da carta da Recorrida datada de 8 de Maio de 2006, retira-se que a Recorrida não mais quis estar adstrita à cláusula de exclusividade - ou à obrigação de não vender pessoal e directamente na zona da Recorrente. Embora pretendo manter uma relação contratual, a sua vontade foi de desvincular-se, de forma impositiva, da obrigação de exclusividade, tanto que, materialmente, tinha...

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