Acórdão nº 3026/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelEZAGUY MARTINS
Data da Resolução12 de Julho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- O A. Instituto , intentou acção de despejo, com processo sob a forma sumária, contra B…., pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento do 3º andar Drt.º do prédio urbano sito na Rua …, em Cascais, em que a R. tem a posição de arrendatária, e decretado o despejo imediato do locado, a entregar ao A. livre e desocupado.

Alega, para tanto, e em suma, que sendo o actual dono e possuidor da fracção autónoma correspondente ao referido andar, para a Ré, e por morte de seu marido, se transmitiu o arrendamento, para habitação, que celebrado fora, inicialmente, pela então proprietária, com aquele.

Sendo que a Ré não tem residência no dito andar.

Contestou a Ré, dizendo, no essencial, que mantém residência no locado, embora se veja forçada a passar algumas temporadas nos E.U.A. por razões de saúde, sendo que, anteriormente, aconteceram deslocações àquele País, como acompanhante de seu marido, que se encontrava bastante doente.

Pedindo, em reconvenção, a condenação da A. em indemnização, pelos custos suportados pela Ré, com obras de conservação feitas no locado, e que à senhoria competia ter realizado.

Houve resposta do A., concluindo com a improcedência da excepção arguida pela Ré, bem como do pedido reconvencional.

O processo seguiu seus termos, com saneamento, mas sem condensação, vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a acção procedente, e a reconvenção improcedente, declarou resolvido o contrato de arrendamento em causa, condenando a Ré a entregar o locado ao A., livre e devoluto, absolvendo o A. do pedido reconvencional.

Inconformada recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes, nominadas, conclusões: "

  1. Entende, a ora Recorrente, que o Tribunal a quo, ao proferir a douta sentença ora recorrida, errou na apreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no Art. 690°-A, do CPC, bem como errou na subsunção da factualidade dada como provada ao direito aplicável no caso em apreço.

    Pois, ao proferir a sentença ora recorrida, dando como provados todos os factos constantes da Petição Inicial e julgando improcedente a excepção invocada pela Ré, o Tribunal a quo não tomou em consideração a prova produzida.

    Pois, se o tivesse feito, teria, certamente, absolvido a Ré, ora Recorrente, do pedido. Bem teria como julgado procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrente.

    Assim, mal andou o Tribunal a quo, ao proferir a sentença ora recorrida.

  2. Nos autos em apreço, o A., ora Apelado, pediu a resolução do contrato de arrendamento que vigorava entre si e a Ré, invocando como fundamento o disposto no Art. 64°, n.° 1, alínea i), do RAU.

    A ora Apelante, na Contestação que atempadamente apresentou, impugnou os factos constantes da Petição Inicial, e invocou a excepção prevista no Art. 64°, n.º2, alínea a), do RAU, bem como deduziu pedido reconvencional.

  3. Ora, da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, resulta claro que, na verdade, a Ré tem a sua residência permanente no locado.

    Pois, o A., a quem cabia o ónus da prova, não conseguiu fazer prova de que a Ré não dorme, não confecciona, nem toma as suas refeições no locado, aí não centralizando a sua vivência.

    E isto porque a prova documental apresentada pelo A, ora Apelado, foi afastada pela prova documental e testemunhal apresentada pela Ré, e a prova testemunhal apresentada pelo A., foi claramente insuficiente para fazer prova dos factos alegados na Petição Inicial.

  4. No que se refere ao conceito de "residência permanente", e porque se trata de um conceito jurídico, este tem de ser preenchido, em termos fácticos, para que se possa concluir pela sua verificação ou não, no caso concreto.

    Assim, ao A. cabe alegar e provar que a Ré não dorme no locado, aí não confecciona e toma as suas refeições, aí não recebe os seus amigos, não centra no locado a sua vivência pessoal e social, em suma, não tem no locado instalada e organizada a sua vida familiar e a sua economia doméstica.

    Ora, o ora Apelado, não logrou fazer prova destes factos nos presentes autos, nem por meio de prova documental, nem, tão pouco, de prova testemunhal.

    A Testemunha C…., fiscal do A., limitou-se a afirmar que desde Julho de 2003 a Setembro de 2004, se deslocou ao locado cinco vezes.

    Ora, esta Testemunha apenas se deslocou ao locado cinco vezes no período de catorze meses !! Dessas cinco vezes, numa delas encontrou a Ré, noutra viu a luz acesa e apenas nas outras três vezes não verificou sinais de presença da Ré no locado.

    Pelo que, do depoimento desta Testemunha, apenas se pode concluir que, de Julho de 2003 a Setembro de 2004, por quatro vezes, a Ré não se encontrava no locado! O que é manifesta e grosseiramente insuficiente para demonstrar que a Ré não tem a sua residência permanente no locado.

    Assim, resulta claro que, com o depoimento desta testemunha, não logrou o A. provar o alegado no Art. 7º da Petição Inicial, ou seja, não logrou o A. provar que a Ré "...não dorme no andar arrendado, nele não convive, e nele não confecciona nem toma as suas refeições".

  5. O mesmo resultado se obtém com o depoimento da Testemunha do A., C…., vizinha da Ré, que afirmou que via a Ré no locado «Várias vezes. Quando calha vejo-a, tal como aos outros vizinhos".

    Quanto aos mais que lhe foi perguntado, a Testemunha respondeu que não sabia.

    Ora, também com o depoimento desta Testemunha não logrou o A. provar o alegado no Art. 7º da Petição Inicial. Muito pelo contrário, pois o único facto ao qual a Testemunha respondeu afirmativamente contraria o alegado pelo A.

  6. No que à prova documental apresentada pelo A. diz respeito, também esta em nada demonstrou que a Ré não tem a sua residência habitual no locado.

    De facto, o A. juntou aos autos um documento emitido pelo Consulado de Portugal em Miami, no qual era referido que a Ré residia nos EUA, tendo estatuto de emigrante.

    Porém, o conteúdo de tal afirmação foi rectificado, posteriormente, pelo Consulado, que emitiu um novo documento no qual referia que a Ré "... não possui o estatuto de emigrante neste país, tendo residido, por períodos curtos, em casa do seu filho no endereço indicado.". Acrescentando que os vistos requeridos pela Ré, sempre foram requisitados e atribuídos na qualidade de turista.

    Também no que se refere aos consumos de água e electricidade a Ré juntou aos autos documentos que demonstram que existem consumos efectuados, bem como as Testemunhas arroladas pela Ré explicaram, de forma clara e precisa, como era fornecida, por uma vizinha, a electricidade e água à Ré, durante o período em que esta não possuía contrato de fornecimento desses bens essenciais.

    Assim, resulta claro que a prova documental apresentada pelo A. foi afastada, quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal produzidas pela Ré.

  7. Assim, analisada que está a prova produzida pelo A., é forçoso concluir que o A. não logrou provar que a Ré não dorme no locado, aí não confecciona nem toma as suas refeições, e aí não convive com os seus amigos.

    Acresce que, a prova produzida pela Ré contrariou cabal e inequivocamente os factos alegados pelo A. na Petição Inicial, nomeadamente o alegado no Art. 7º desse Articulado.

    De facto, todas as Testemunhas arroladas pela Ré afirmaram, como se demonstrou nestas Alegações, sem margem para dúvidas, que a Ré habita, de facto, no locado, é lá que tem centrada a sua vivência, a sua vida social e familiar, e a sua economia doméstica, em suma, que a Ré tem a sua residência permanente no locado.

    Explicaram igualmente ao Tribunal a razão pela qual a Ré se ausentou, por alguns períodos, para os E. U. A.

    Sendo que todas as Testemunhas foram objectivas e exactas nos seus depoimentos, respondendo às perguntas com clareza, e isenção, pelo que, dos mesmos resulta inequívoco que a Ré habita no locado, centrando aí toda a sua vivência.

    Assim sendo, forçoso é concluir que o Tribunal a quo apreciou mal a prova produzida, pois, apesar de o A., como já se demonstrou, não ter produzido prova suficiente e cabal dos factos por si alegados, e a Ré ter produzido prova bastante dos factos que alegou na sua Contestação, ainda assim, o Tribunal a quo, condenou a Ré, dando como provados todos os factos constantes da Petição Inicial!!! Ora, tal só se pode dever a uma erro na apreciação da prova produzida.

  8. Errou igualmente o Tribunal a quo ao não considerar verificada a excepção invocada pela Ré, errando, já não, na apreciação da prova produzida, mas sim, na subsunção dos factos ao direito.

    De facto, o Tribunal a quo apesar de dar como provada a factualidade descrita no Ponto III.A, nos 9,11 e 12, da sentença, decidiu que esta não se subsume ao previsto no Art. 64°, n.º 2, alínea a), do RAU, por entender que essa factualidade não pode ser configurada como uma situação de força maior, ou de doença.

    Ora, atenta a factualidade dada como assente, e a prova produzida pela Ré, não vislumbra a ora Apelante como pode ter o Tribunal a quo decidido como fez.

    Pois, preenchidos facticamente os conceitos de "força maior" e "doença" presentes no supra mencionado preceito legal, verifica-se que a factualidade dada como assente neles encaixa na perfeição.

  9. A Doutrina e Jurisprudência, caracterizam uma situação de "força maior", para efeitos do disposto no Art. 64°, n.º2, alínea a), do RAU, como aquela que, é exterior à pessoa do locatário, e imprevista, forçando aquele a deixar o locado, mas sempre na perspectiva de aí voltar.

    Ora, nos autos aqui em apreço, fico provado que entre os meses de Fevereiro e Agosto de 2002, a Ré foi "forçada" a deslocar-se para os E.U.A., como acompanhante do seu marido, que se encontrava bastante doente (ver n.° 9, do ponto III.A, da douta sentença).

    Tal situação configura uma situação de força maior, pois preenche os requisitos que a qualificam como tal: e) é uma situação exterior à Ré; f) é uma situação imprevista; g) é uma situação que, compreensivelmente, forçou a Ré a deixar o locado; h)...

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