Acórdão nº 0623067 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelALZIRO CARDOSO
Data da Resolução03 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I - Relatório.

B………….., Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu a indemnizar a autora em valor a liquidar em execução de sentença, mas não inferior a € 15 000,00.

Fundamentou o pedido alegando, em resumo, que: Sofreu prejuízos graves em consequência de uma decisão judicial que considera ilícita, proferida no âmbito da acção de despejo que correu termos na comarca de Lamego sob o n.º ……/97, na qual figurava como autora e como Ré a firma C……….., Lda. e outros; A decisão proferida naquela acção assentou em graves erros de apreciação dos fundamentos de facto e de direito que ditaram que tivesse sido julgada improcedente, quando, caso tivesse sido observado o especial dever de cuidado que é exigível aos julgadores, o seu desfecho teria sido outro.

Também a Relação do Porto, na apreciação do recurso interposto da decisão da 1ª instância, violou de forma grosseira e inadmissível o preceituado no art. 645.º, n.º 3, do CPC, bem como o propugnado pelo Acórdão Uniformizador n.º 14/94, ao não ter reapreciado a matéria de facto de acordo com a força emanada de confissão e do teor de documentos não impugnados juntos aos autos, ao mesmo passo que não se pronunciou sobre as alegadas omissões e erros de valoração atrás referidos.

O Estado Português contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pela autora na petição inicial, referindo que aqueles não se mostram consentâneos com a realidade processual verificada, e conclui pela inexistência de qualquer erro de julgamento e, muito menos, de erro grosseiro e indesculpável, em face do que sempre se imporá a natural improcedência da presente acção.

No saneador foi a acção julgada improcedente, com a consequente absolvição do Réu do pedido.

Inconformada a Autora interpôs o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1- A sentença que julgou a acção de despejo improcedente com o fundamento genérico de que o direito à resolução do contrato já caducara, não se pronunciou, em pormenor ou na generalidade, sobre os diversos factos que suportavam o pedido e a causa de pedir; 2- E, contudo, na p. i. dessa acção e atinentes a tal desiderato, alegam-se quatro vertentes distintas: a) Que a Ré efectuara diversas obras de alteração no locado sem o consentimento do senhorio; b) Que a Ré cedera gratuitamente as instalações a terceiros, dando azo à pedida resolução; c) Que ao sublocar, verbalmente e por escrito, permitiu que alterassem os fins do contrato; d) Que a Ré nunca comunicara à A. essa sublocação, e menos, ainda, nos 15 dias posteriores.

3- Apesar de confessadas, pelo menos as aceites pelo ora R. nos arts. 18º e 19º da contestação, a Mª Juiz, com fundamento no art. 64º n.º 1, alínea d) do RAU, considerou que essas obras não tinham de ser autorizadas, ainda que as partes clausulassem no contrato que "os arrendatários não poderiam fazer quaisquer obras ou modificações sem expresso e autêntico consentimento escrito do senhorio".

4- Aquela norma é inconstitucional na interpretação que lhe foi dada como ratio decidendi, nessa parte do saneador recorrido, por violar os princípios consagrados nos arts. 26º, 62º e 205º n.º 1 da CRP, in casu, o direito da A. à capacidade civil e à propriedade privada, de que é expressão prática o princípio da liberdade contratual previsto no art. 405º do CC e cujos limites da lei, no que respeita à possibilidade de o locatário efectuar obras, são os prescritos nos artigos 1036º e 1043º do CC; 5- Efectivamente, a nossa lei só distingue as obras que ao locatário é permitido efectuar sem autorização do locador, daquelas que lhe estão vedadas, para a hipótese de as partes nada terem convencionado nesse sentido, sendo, pois, tal distinção de natureza meramente supletiva; 6- E assim é que, nessa hipótese, prescreve-se no art. 1036º que o inquilino apenas pode fazer pequenas reparações, mas, ainda assim, só quando haja mora do senhorio ou urgência justificada, cominando-as, porém, com a imediata resolução do contrato nas situações previstas no art. 64º n.º 1, al. d) do RAU; 7- Acresce que a Autora alegou no artigo 10º da p. i. da acção de despejo que a Ré dividira uma das lojas em 5 divisões, não tendo sido tal facto dado como assente, sendo certo que a Autora continua a sustentar tal facto nos arts. 8. a), 9. a), b) e c) da p. i., estando por isso vedado à Mª Juiz afirmar que tal facto não se provara, quando é esse um dos erros grosseiros que se assacam às respostas dadas aos quesitos; 8- A Ré também confessou que cedera as instalações gratuitamente ao D………… e a um médico da cidade, que na garagem eram aparcados diversos veículos e, até, um barco de recreio, sem nunca ter provado, como lhe competia, que tais veículos eram de sua propriedade ou que, para tanto, fora devidamente autorizada; 9- Aduziu a Ré algumas explicações para isso, tendo as mesmas sido levadas aos quesitos 31º e 32º que, todavia, tiveram resposta negativa, assim se vendo que as respostas aos quesitos 16º e 17º deveriam ter sido, e não foram, dadas como não escritas, ex vi do art, 646º nº 4 do CPC, sendo antijurídica a sentença que decretar a caducidade do alegado direito de resolução, pois a mesma não só não ocorrera, como fora até declarada à revelia da vontade dos RR, que alegaram, mas não provaram, os factos levados aos quesitos 24º, 25º, 26º e 27º; 10- Ao sublocar as instalações, verbalmente e por escrito, permitiu que o sublocatário alterasse os fins previstos no contrato, ao montar um escritório e exercer ali a actividade de mediador de seguros, facto que ali e aqui se dá como provado, mas que, no entender da Mª Juiz, por deficiente interpretação do art. 64º n.º 1, b) e f) do RAU, também não apontaria para a resolução do contrato; 11- Na verdade, essa mudança de ramo, ainda que fosse da mesma natureza comercial, e não é, sempre implicaria alteração dos fins do contrato, já que ali se clausulara que o locado apenas serviria para a actividade comercial da Ré, que era apenas a da venda de bilhetes e transportes de pessoas, pelo que o referido entendimento, a proceder, daria azo a que a Ré, amanhã, montasse ali uma fábrica de enchidos, uma farmácia ou um cabaré, tudo actividades de natureza também comercial; 12- A Ré chegou ainda a alegar que comunicara a um dos três sócios da A. a sublocação das instalações ao D………, mas o certo é que - mesmo na hipótese de tal justificação pudesse corresponder à verdade e fosse o bastante para obstar à resolução prescrita no art. 1038º g) do CC - nem desse facto logrou fazer prova e, muito menos, nos 15 dias posteriores à data da referida sublocação; 13- Mostra-se, pois, viciada a afirmação feita na decisão recorrida, em uníssono com os arts. 23º e 24º da contestação, que a "caducidade do direito de pedir a resolução do contrato fora expressamente invocada pela Ré2, pois esta, além de uma alegação vaga genérica, apenas se reportara à vertente das obras, sendo que tal alegação até por aí deveria ter improcedido, por se tratar de factos duradouros e que nem sequer haviam cessado à data da propositura da acção; 14- E no que respeita à falta de comunicação da sublocação ao D………., vê-se que a Ré tentou fazer prova desse facto nos arts. 41º, 42º, 43º e 44º da sua contestação, mas a verdade é que - e tal conclusão está nos autos, como se vê das respostas negativas aos quesitos 31º e 32º, que acompanham a certidão junta pela A. a instâncias do Tribunal - não logrou provar nenhum deles.

15- Donde se conclui - até porque quod non est in mundo non est in actis - que nunca a A. foi avisada pela cedente ou pelo cessionário da referida sublocação, não se tendo iniciado sequer o prazo de contagem da pretensa caducidade do direito que assistia à A. de resolver o contrato com base no incumprimento do art. 1038º g) do CC, pelo que estava vedado ao Sr. Juiz que proferiu a sentença na acção de despejo, julgar a acção improcedente com base nessa imaginária caducidade; 16- A falta de valoração deste facto por parte do Sr. Juiz que proferiu a sentença na referida acção de despejo, porque acompanhada de outras de não menos gravidade, integra o conceito de erro grave e indesculpável, susceptível de gerar a responsabilidade extracontratual do Estado Português pois, ao julgar a acção improcedente com base nessa abstracta e generalizante caducidade, violaram-se grosseiramente as normas dos arts. 64º n.º 1, d) do RAU, 1036º e 1043º do CC; 64º n.º 1 f) do RAU e 1038º f) do CC, 64º n.º 1 b) e f) do RAU e 1038º g) do CC, respectivamente atinentes aos 4 factos que integram a causa de pedir pela ordem da sua enumeração sob as als. a), b), c) e d) do 4º item; 17- Por força do disposto no artigo 646º n.º 4 do CPC que encontrou a sua...

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