Acórdão nº 06S3540 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução21 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" intentou, em 7 de Julho de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra "Empresa-A, S.A.", pedindo a declaração da ilicitude do despedimento de que foi alvo e a condenação da Ré, - a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe - em caso de o Autor, assim, vir a optar - a compensação prevista no artigo 13.º da LCCT (1), agravada pelo carácter abusivo do despedimento; e - a pagar-lhe as remunerações vencidas, desde a data do despedimento, no valor de Esc.: 1.852.560$00, e bem assim as vincendas; a importância de Esc.: 4.040.556$00, correspondente a descontos indevidamente operados nas suas remunerações; a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de Esc.: 10.000.000$00; e juros de mora, à taxa legal.

Alegou, em síntese, que, em 15 de Março de 1989, foi contratado para trabalhar por conta e sob a direcção e fiscalização da Ré, com a categoria de Chefe de Departamento; desempenhava, em regime de isenção de horário de trabalho, as funções de "coordenação da actividade do Centro de Formação" da Ré, tendo sido despedido, em 27 de Janeiro de 2000, no termo de um processo disciplinar, com a alegação de justa causa, que deve ser reputada inexistente.

Na contestação, a Ré defendeu a licitude do despedimento, porque fundado em factos apurados no processo disciplinar, configurando graves manifestações de desobediência e prolongada falta de assiduidade.

  1. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré dos pedidos.

    A Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Fevereiro de 2005, em que decidiu não conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, negou provimento à apelação do Autor.

    Tendo ele pedido revista, este Supremo, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2006, veio a ordenar à segunda instância que conhecesse da impugnação da matéria de facto, com a consequente reapreciação das questões relacionadas com o mérito da causa.

    O novo acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 10 de Maio de 2006, conhecendo da impugnação da matéria de facto, decidiu confirmar o veredicto sobre os pontos objecto de controvérsia, na sequência do que manteve a decisão de direito proferida no seu anterior acórdão.

  2. Ainda inconformado, o Autor vem pedir revista, terminando a sua alegação com as conclusões assim redigidas: 1.ª Na decisão do TRL de 10 de Maio de 2006, em cumprimento do anteriormente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, deveria ter-se procedido à reapreciação da matéria de facto, reapreciação que, porém, não foi feita; 2.ª Com a reforma do processo civil de 1995/1996 consagrou-se, definitivamente, a garantia para as partes de um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, atribuindo-se aos tribunais da Relação um verdadeiro papel de segunda instância, na apreciação, avaliação e fixação da matéria de facto.

    3.ª Ao recorrente incumbe a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, cabendo ao tribunal ad quem, com base na efectiva audição dos depoimentos gravados, uma reapreciação daqueles pontos da matéria de facto, de molde a conduzir a uma séria e fundamentada confirmação ou derrogação da decisão proferida no tribunal a quo.

    4.ª O acórdão ora impugnado negligenciou, de todo, os deveres do tribunal de recurso de justificar, motivar e fundamentar a sua decisão, quer quanto à apreciação e análise realizada à matéria de facto controvertida, quer também no que respeita à decisão de direito.

    5.ª Não pode servir de fundamento à recusa de valoração de um depoimento para alteração de certa resposta a certo quesito dizer-se simplesmente que a testemunha não foi indicada a tal quesito ou que sobre o mesmo foram ouvidas também testemunhas da R.; 6.ª Mesmo quando uma testemunha não tenha sido indicada a certo quesito, o tribunal não pode - pelo princípio da aquisição processual - deixar de tomar em conta o seu depoimento sobre matéria que se ache porventura vertida noutros quesitos, a que não foi indicada. E também não é apenas pelo facto de a um certo quesito terem deposto testemunhas de ambos os lados que o Tribunal fica, em recurso, impedido ou dispensado de reapreciar os seus depoimentos e de, sendo caso disso, alterar as respostas dadas pela 1.ª instância. O que o Tribunal tem de fazer é ouvir e comparar o conteúdo dos depoimentos, avaliar e valorar a razão de ciência e a coerência e seriedade das testemunhas e, a final, optar por uma das versões, com a concomitante alteração das respostas aos quesitos se for caso disso.

    Sem isso não há verdadeira e propriamente renovação ou reapreciação da prova e nem verdadeiro julgamento da matéria de facto em segunda instância.

    7.ª O TRL não teve qualquer preocupação de justificar e fundamentar completa e explicitamente - com efectiva referência ao conteúdo dos depoimentos em confronto - o porquê de manter determinadas respostas aos quesitos, não cuidou de fundada e rigorosamente esclarecer a razão de rejeitar toda a reapreciação de prova que foi pedida, enfim, não fez, como era seu dever, uma análise crítica e cuidada dos depoimentos de que se pedia a audição, reapreciação e reavaliação.

    8.ª Em relação aos quesitos 4.°, 5.°, 6.°, 8.°, 9.°, 10.°, 14.° e 15.°, de que o Recorrente pedia a alteração, a resposta do TRL foi que "... do conjunto de todos estes depoimentos, conjugados entre si, afigura-se-nos que as respostas da[da]s pelo tribunal são as correctas e traduziram com rigor resultado global da prova produzida." Isto sem qualquer menção, referência, confronto e/ou valoração do conteúdo concreto dos depoimentos; 9.ª A Relação não pode aderir genérica e acriticamente, aos argumentos e fundamentos já invocados e avançados pelo tribunal a quo, e mesmo que essa adesão aconteça, e que o tribunal de recurso coincida com a 1.ª instância no julgamento da matéria de facto, o que não pode é fazê-lo de forma cega e absolutamente remissiva. Reapreciar, reavaliar ou reexaminar, é apreciar, avaliar ou examinar novamente...

    10.ª Aliás, este "dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso." (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 798).

    O acórdão recorrido omitiu na sua decisão, os fundamentos e as razões da improcedência total da alteração da matéria de facto que se pedia, com isso violando, em última instância, o princípio constitucional, que obriga à fundamentação das decisões judiciais, presente no artigo 205.º n.º 2 da CRP.

    11.ª É, pois, de revogar o acórdão da Relação de Lisboa, impondo que esta se pronuncie crítica e fundamentadamente sobre a alteração da matéria de facto pedida pelo Recorrente.

    12.ª Tudo o que ficou dito relativamente à falta total de fundamentação da decisão em matéria de facto, se aplica também, mutadis mutandis, à decisão da Relação de Lisboa no que concerne à decisão de direito.

    13.ª Face à inalterabilidade da matéria de facto entende o TRL, sumariamente, que deverá manter-se a decisão de direito proferida no anterior acórdão desta Relação, a fls. 2082 e segs. sendo, porém, certo que já no anterior acórdão tinha, basicamente, elaborado uma remissão para os fundamentos e justificações da 1.ª instância; 14.ª O dever do tribunal de recurso é, em princípio, proceder a um segundo juízo de direito, analisando e criticando o que foram as razões e argumentos do recorrente relativamente à decisão da 1.ª instância, e não uma remissão genérica e acrítica para a sentença do, no caso, Tribunal do Trabalho de Lisboa.

    15.ª A sentença recorrida conclui pela existência de justa causa de despedimento do A com base em duas ordens de razões: a) uma constituída pelo facto de o A ter recusado aceitar a sua nomeação para o lugar de responsável do CAP (Centro de Atendimento Permanente) e não ter iniciado as tarefas ou trabalhos que daí decorreriam; b) a outra, constituída pela violação, naquele mesmo período, pelo A, dos seus deveres de zelo e assiduidade visto que, em cada dia, não comparecia ou só comparecia por pouco tempo na empresa, Mas tais factos não constituem justa causa de despedimento do A.

    16.ª É que só podem servir de fundamento à aplicação da sanção de despedimento os factos que tenham sido levados à acusação e que, além disso, constem expressamente da decisão e fundamentação final que antecede a decisão de despedimento.

    17.ª Ora as faltas (ou as faltas parciais) do A ao serviço não foram aludidas e nem invocadas pela R. na sua decisão de despedimento do A.

    18.ª Tais faltas ou faltas parciais, aliás, só foram levadas à base instrutória apenas por causa do pedido do A. de lhe serem pagas as remunerações dos períodos de ausência, que a R. decidira descontar e nunca como facto integrador da justa causa de despedimento.

    19.ª O A. ter recusado aceitar o lugar e as funções de "responsável do CAP" e não ter chegado a iniciar os trabalhos ou funções a ele inerentes (na definição de tarefas ou funções que a R. fez ad hoc, em documento posterior do Director do Gere, II) não constitui violação do dever de obediência e de zelo por parte do A.

    20.ª Há uma relação lógica de dependência e necessidade entre a obrigação de iniciar o trabalho do CAP e a prévia aceitação do cargo ou lugar que lhe foi proposto.

    21.ª E era legítimo ao A recusar a aceitação do cargo ou lugar para que fora nomeado unilateralmente e sem a sua concordância, (e, pelo contrário, com a sua oposição expressa); 22.ª Não pode haver nenhuma ilicitude no facto de o A não ter iniciado o trabalho e funções inerentes ou descritas pela R como sendo as próprias de tal cargo ou lugar se ele não estava - como não estava - obrigado a aceitar tal cargo de chefia.

    Com...

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