Acórdão nº 07A1861 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução19 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA intentou, no Tribunal Judicial de Braga, acção ordinária contra BB e CC, pedindo a declaração de nulidade do testamento outorgado porDD e a declaração de abertura da sucessão legítima em relação às jóias, bens de uso pessoal e bens móveis.

Para o efeito alegou incapacidade mental da testadora, por um lado, e nulidade da deixa testamentária per relationem relativa às jóias, bens de uso pessoal e bens móveis, por outro.

Os RR. contestaram, arguindo, desde logo, a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, e impugnaram parte da matéria vertida na petição.

Na réplica, a A. contrariou a defesa excepcional dos RR..

À cautela, deduziu o incidente de intervenção principal de EE e FF.

O incidente foi admitido, tendo os intervenientes, no respectivo articulado, seguido de perto a posição da A., e, outrossim, pedindo a declaração da nulidade da disposição testamentária per relationem com a consequente declaração de abertura da sucessão legítima em relação aos bens nela contemplada.

Mais tarde vieram, ainda, a intervir TT, MT, e GF que declararam fazer seus os articulados dos RR..

O processo seguiu a sua tramitação normal até julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgar improcedente a acção.

Mediante apelação da A., acompanhada de dois agravos entretanto interpostos também por ela, a Relação de Guimarães, confirmou o sentenciado na 1ª instância.

Ainda irressignada a A. pede revista do aresto proferido a coberto de seguinte discurso conclusivo: 1 -DD fez testamento cerrado que foi aprovado pelo 2° Cartório Notarial de Braga, em 24 de Maio de 2001, e faleceu no dia 29 de Abril de 2002, pelas 7 horas e 30 minutos.

2 -DD, adiante designada por testadora, quando fez o testamento cerrado tinha 76 anos e 10 meses de idade e faleceu com 78 anos de idade.

3 - A testadora era irmã da mãe da A. e do R. CC, aqui recorrente e recorrido, respectivamente.

4 - A testadora no seu testamento cerrado nomeou BB e CC como testamenteiros, ficando em 1º e em 2° lugares, respectivamente, e instituiu herdeiro do remanescente o sobrinho CC , testamenteiro nomeado em 2° lugar.

5 - A testadora disse no seu testamento cerrado, quanto às jóias e objectos de uso pessoal (de valor elevado) bem como aos móveis existentes na sua residência ou noutro local, à hora do seu falecimento, que: "Serão distribuídos pelas pessoas que deixo indicadas numas cartas por mim manuscritas, datadas e assinadas com data deste testamento", isto é, com data de 24.05.2001.

6 - Segundo informação dada pelo 2° R., ora recorrido, à A., ora recorrente, a testadora não deixou nenhumas cartas manuscritas, datadas e assinadas com data de 24.05.2001, conforme mencionou no seu testamento e ficou provado na audiência de julgamento que não existiam tais cartas com data de 24.05.2001, mas apareceram cartas com datas de 22.04.1996 e 22.06.2000 que eram referidas noutros testamentos que foram revogados.

7 - Nos termos do art. 2184° do CC - testamento per relationem - a deixa testamentária relativa às jóias, bens de uso pessoal e móveis existentes na sua residência ou noutro local à hora do falecimento da testadora é nula por não existirem nenhumas cartas manuscritas assinadas e datadas com a data do testamento de 24 de Maio de 2000.

8 - Ficou provado no processo que a testadora após ter ficado viúva, em 1999, passou a auto medicamentar-se com sedativos e anti-depressivos, tendo sido internada entre 29/10/99 a 9/11/99 na Clínica de Santa Catarina, no Porto, estabelecimento para doenças mentais, em 09.12.2001 foi internada na Clínica Médica de Santa Tecla, em Braga, estando aí internada até 14.01.2002 e em 24 de Março de 2002 foi internada na Ordem Terceira.

9 - Não ficou provado o nº 20 dos factos a provar, isto é, que a testadora quisesse ou que fosse a sua última vontade que outras cartas, designadamente as cartas de 22.04.1996 ou de 22.06.2000, substituíssem as cartas por ela mencionadas com data "deste testamento", de 24.05.2001.

10 - A testadora fez legado de uma parte de um prédio, de que era comproprietária com outros familiares, dizendo que o valor da sua parte, após a sua morte, seria a dividir em partes iguais pela recorrente e seu irmão CC, ora recorrido, mas ainda em vida da testadora esse prédio foi vendido por esta e a sua parte do preço foi recebido pela testadora. Assim, 11 - O legado referido no nº 10 destas conclusões deixou de existir por ter deixado de existir o objecto do legado e a testadora não disse que deixava o dinheiro que recebeu correspondente à sua parte do prédio que foi vendido.

12 - Ficou provado que esse prédio referido no nº 10 destas alegações foi vendido pelo preço "verdadeiro" de 40.000.000$00 e não pelo preço de 60.000.000$00 que consta na escritura e que é simulado.

13 - A Recorrente requereu que a alínea I) dos factos provados fosse rectificado, sendo o preço de 40.000.000$00 aí colocado, pois o preço que nessa alínea constava de 60.000.000$00 era o preço simulado, conforme requerimento da recorrente, admitido pelos recorridos, que o não contestaram.

14 - A sentença e o acórdão recorridos não podem ignorar o preço simulado e devia ter rectificado porque lhe foi dado a conhecer o preço verdadeiro e esse facto lhe foi requerido.

15 - O nº 17 dos factos a provar está mal formulado porque não se pode dar cumprimento à distribuição de bens ou valores que à morte da testadora já não existem e o Tribunal tinha conhecimento desse facto que o prédio já tinha sido vendido em vida da testadora e, por isso, esta formulação do nº 17 é contrária à lei.

16 - A recorrente requereu o depoimento de parte do R. CC a factos que lhe foram desfavoráveis o que lhe foi negado, tendo interposto recurso de agravo desse despacho.

17 - Nos termos do art. 2184° do C. Civil, o testamento "per relationem" é nulo por não existirem as cartas manuscritas, assinadas e datadas com data deste testamento de 24.05.2001.

18 - Os bens mencionados no testamento "per relationem" são relegados do testamento e devem entrar na sucessão legítima, devendo ser distribuídos pelos herdeiros legítimos da testadora.

19 - O acórdão recorrido é um acórdão contra a lei porque violou o art. 2184° do C. Civil e, ainda, as als. b) e c) do nº 1 do art. 668° do CPC, em que a decisão está contrária aos factos dados como provados e não provados, havendo, por isso, contradição com os seus fundamentos, devendo ser revogado e substituído por outro que considere o testamento "per relationem" nulo, dando-se, em consequência, provimento ao presente recurso de revista.

Os recorrentes responderam em defesa da manutenção do acórdão impugnado.

II - As instâncias fixaram o seguinte quadro factual: 1º-DD, nascida a 3/07/1924, faleceu no dia 29/04/02, no seu domicílio no lugar de Outeiro, freguesia de Adaúfe, Braga.

  1. -DD deixou testamento cerrado que fez e foi aprovado pelo Segundo Cartório Notarial de Braga no dia 24/05/2001.

  2. - No referido testamento, DD declarou (além do mais) o seguinte: A - lego ao meu sobrinho CC o usufruto vitalício de todas as minhas propriedades sitas no lugar do Outeiro, freguesia de Adaúfe (Quinta de Santa Rita), onde actualmente resido; B - lego aos meus segundos sobrinhos TT e MT, a raiz da acima referida minha propriedade; C - lego o meu jazigo designado pelo nº 57 da 1ª secção do Cemitério Municipal de Monte de Arcos, da cidade de Braga, a meu sobrinho por afinidade BB; D - lego à Casa do Gaiato, de Paço de Sousa, a quantia de dois mil contos; E - lego a minha prima GF, o direito de habitação de uma dependência que mandei construir na minha referida propriedade sita no...

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