Acórdão nº 06S3214 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: I - AA, residente em Rua ..., ..., Bloco ..., ... Dtº, Vila Nova de Gaia, intentou a presente acção comum contra BB, transformada em CEIC pelo DL n.° 117/2003, de 14.06, com sede na Rua da ....., ...., em Lisboa, alegando, em resumo, que trabalhou para a ré desde Outubro de 1992 até 08.02.2003, data em que rescindiu o contrato de trabalho, invocando como justa causa a ofensa da sua honra e dignidade, pessoal e profissional, ao ser lida uma carta anónima em reunião do Conselho Escolar da Faculdade de....., cujo conteúdo lhe imputava determinados comportamentos como docente da ré.

Termina pedindo a condenação da ré a pagar-lhe as seguintes quantias: - € 20.424,80, a título de indemnização por rescisão do contrato de trabalho com justa causa; - € 20.424,80, a título de indemnização por danos morais resultantes da rescisão do contrato; - € 420,77, montante relativo a créditos laborais já vencidos e não pagos; - e, ainda, os juros legais que se vencerem desde a citação da ré.

Na contestação, a ré invoca a incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho de V N Gaia, porque, segundo defende, o contrato celebrado é de prestação de serviços e não de trabalho; sustenta ainda que inexiste justa causa para a rescisão contratual da autora.

Conclui pela procedência da excepção e improcedência da acção.

Houve resposta.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, qualificando como contrato de trabalho a relação contratual existente entre as partes e considerando não existir justa causa de rescisão, julgou improcedente a excepção de incompetência material do TT de V N Gaia e parcialmente procedente a acção.

Consequentemente, condenou a ré a pagar à autora a quantia total de € 420,77, acrescida de juros de mora, absolvendo-a quanto ao mais pedido.

A autora apelou, mas sem sucesso, pois o Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformada, vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª) - A inflexão na tramitação processual do processo comum que se traduz na conversão da audiência de julgamento (com todos os intervenientes devidamente notificados e presentes) em audiência preliminar, torna todo processado ulterior nulo; 2ª) - O despacho saneador e o despacho que selecciona a matéria de facto ditados para acta de audiência de julgamento são nulos, não podendo as partes consentir numa ilegalidade; 3ª) - O processo é ainda nulo porque o Tribunal a quo omitiu pronúncia quanto aos meios de prova requeridos oportunamente pela autora, sendo que tinha o dever legal de se pronunciar sobre a prova pericial requerida pela autora, deferindo-a ou indeferindo-a; não o tendo feito, verifica-se uma causa de nulidade de todo o processo, pois não é um ónus da parte lembrar ao Tribunal as suas obrigações legais; 4ª) - Em consequência, devem ser declarados nulos todos os actos do processo praticados após os articulados, salvando-se apenas estes e ordenando-se a repetição dos actos subsequentes, por violação do disposto nos artigos 55º, 56°, 62° e 68° e segs. do CPT, com as consequências que resultam, entre outras normas, do artigo 201° do CPC; 5ª) - Sem conceder, a sentença é nula por falta de fundamentação, em virtude de não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 6ª) - Na verdade, quanto aos fundamentos de facto, o Tribunal a quo limitou-se a referir os meios concretos de prova que foram apreciados, sem fazer uma análise crítica dos mesmos, isto é, limita-se a fundamentar a sua convicção repetindo passagens do depoimento de parte e do depoimento das testemunhas, sem referir a razão de ciência de qualquer delas, nem as razões que levaram o Tribunal a valorar certos depoimentos, ou parte deles, em detrimento de outros, ou seja, o motivo pelo qual os meios de prova foram valorados num determinado sentido, sendo certo que, no julgamento em apreço, nem sequer se consegue perceber qual o sentido da valoração dos depoimentos; 7ª) - E, quanto ao direito, limita-se a reproduzir parte de uma norma legal, seguindo-se a negação da verificação da ofensa à trabalhadora, baseada em factos que o próprio Tribunal considera ofensivos, desagradáveis e incorrectos, sendo certo que a lei de processo e a Constituição da República Portuguesa impõem que o Tribunal se refira ao conceito de justa causa e aos elementos que o integram, apelando ao conceito de justa causa previsto no artigo 9º da mesma LCCT e decompondo esse conceito nos seguintes elementos: existência de um comportamento culposo, por parte do empregador, grave, e que pelas suas consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; 8ª) - Face aos factos dados como provados, o Tribunal a quo deveria fazer a subsunção dos mesmos nos elementos do conceito, seguindo as orientações prevista no artº 12°, n° 5, da LCCT, isto é, "atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da trabalhadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes", o que não fez; 9ª) - Só após esta subsunção poderia o Tribunal concluir pela existência ou não de justa causa de rescisão por parte da trabalhadora, concluindo em sentido afirmativo se todos os elementos se encontrassem preenchidos e em sentido negativo se faltasse algum deles, o que o Tribunal recorrido não fez; 10ª) - O artº 35°, n° 1, da LCCT, tipifica situações que podem consubstanciar justa causa, contando-se, entre elas, "as ofensas … à honra ou à dignidade do trabalhador, punidas por lei e praticadas pela entidade empregadora ou seus representantes legítimos" - alínea f) -, pelo que, no que respeita a este ponto, deveria o Tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre os conceitos de ofensa, honra e dignidade e indagado das circunstâncias em que uma agressão a estes bens é punida por lei, importando, especialmente, pronunciar-se sobre a exigência ou não do denominado animus injuriandi para a existência e consumação da ofensa, o que mais uma vez não se verifica na sentença recorrida; 11ª) - De falta de fundamentação jurídica padece ainda a apreciação dos danos morais sofridos pela recorrente, uma vez que, a sentença, nesta parte refere secamente: "Consequentemente claudicam igualmente os peticionados danos morais", sem se vislumbrar qualquer enquadramento jurídico donde tal conclusão possa ser extraída; acontece que a sentença recorrida teria sempre de se pronunciar sobre a ressarcibilidade dos danos que deu como provados, não podendo fazer depender a mesma da existência de justa causa, sendo certo que da própria sentença decorre claramente que existem danos, que esses danos são imputados à ré, em virtude da conduta que assumiu e não se percebe então porque claudicam os peticionados danos morais; 12ª) - O acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação da decisão proferida quanto às nulidades do processo arguidas pela recorrente e que antecedem a presente conclusão mas que aqui se dão por integralmente reproduzidas, isto é, o acórdão cita José Alberto dos Reis e outros autores, diversos acórdãos do século XX, porém, é completamente omisso quanto à indicação da norma legal que legitima o entendimento defendido; sendo certo que, ao assim proceder, viola a disposição constitucional que obriga a fundamentar legalmente as decisões judiciais, ou seja, o artigo 205°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa; 13ª) É ainda nulo o acórdão recorrido por omissão e por excesso de pronúncia: por omissão, porque não se pronúncia sobre as conclusões 38ª e 39ª formuladas pela recorrente no recurso de apelação para onde se remete por facilidade de alegação; por excesso, porque nenhuma das partes suscitou o problema da inconstitucionalidade do artigo 77°, n° 1, do CPT e o Tribunal a quo veio pronunciar-se quanto à mesma, sendo certo que, no caso não havia qualquer necessidade de fazer referência a tal problema, pois, a recorrente teve o cuidado de respeitar integralmente a norma em causa; 14ª) - A recorrente considera que o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 26° e 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, nos artos 35°, n° 1, alínea f), 9°, 12°, n° 5, 35°, n° 4, todos da LCCT e nos artigos 70° e 483°, n° 1 do Cód. Civ., que devem ser interpretadas do modo que se passa a concluir; 15ª) - Os pressupostos de facto a subsumir naquelas normas são: - o presidente da ré recebeu uma carta enviada por fax, anónima, como a própria carta refere; - o presidente da ré, tendo lido a carta, facilmente se apercebeu que o seu conteúdo era ofensivo para a honra, bom-nome e dignidade das pessoas visadas; - sabia também que cartas anónimas não são à partida merecedoras de credibilidade e que aquela, quando muito, poderia levantar uma suspeita, cuja confirmação ou não deveria ser averiguada; - assim, a atitude correcta a tomar era entregar a referida carta ao director da faculdade e que este desse conhecimento dela à recorrente e, se entendesse que esta havia cometido alguma falta, instaurar o competente processo disciplinar; - este comportamento seria o que se afiguraria correcto, segundo o entendimento do homem médio; - no entanto, o presidente da ré apresentou-se no C.E. munido da carta e para surpresa geral determinou a sua leitura, não podendo ignorar que a mesma iria afectar de forma irremediável a honra e a dignidade da recorrente, elemento que o presidente da ré não teve em consideração, nem antes, nem depois da leitura da carta; - se a intenção do presidente da ré fosse levar ao C.E. a notícia da existência de alegados problemas na disciplina de Direitos Reais, deveria informar os presentes e expor a situação com observância de todas as regras de urbanidade e de boa educação que sempre nortearam as reuniões do C.E. e nunca, divulgar publicamente o conteúdo da carta, onde constava o nome da autora, sem autorização, sem consentimento, sem...

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