Acórdão nº 06B2414 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 24/4/2003, AA moveu a BB acção declarativa com processo comum na forma ordinária de despejo da fracção A - loja situada no r/c - do prédio sito na Av. Duque D'Ávila, …, em Lisboa, dada de arrendamento para estabele- cimento de farmácia por contrato celebrado em 1914, e de que a demandada é arrendatária desde 31/10/95 em virtude de contrato de trespasse.

Fundou essa acção, com referência ao art.64º, nº1º, al.h), RAU, no encerramento desde 26/12/ 2001 da loja em questão. Mais concretamente, alegou que a Ré, que já em 1997 tinha solicitado ao Infarmed a transferência do alvará para o local adiante referido, encerrou em 26/12/2001 o estabelecimento instalado no local arrendado, e passou a explorar outro estabelecimento de farmácia, sito na Rua D. …, …., próximo do anterior.

Contestando, a Ré opôs, em resumo, que o local arrendado tem vindo a servir para armazém de produtos não deterioráveis necessários à sua actividade e não ter saído do local arrendado volunta-riamente, nem a título definitivo, mas sim devido às obras de ampliação do edifício iniciadas pelo A. em 1997 terem vindo a tornar impossível o funcionamento da farmácia.

Deduziu, com indicados fundamentos, pedido reconvencional de indemnização nos montantes de € 146.051,23, respeitante a danos patrimoniais decorrentes das despesas com obras de construção civil e instalação eléctrica e de ar condicionado e mobiliário suportadas com vista ao início de acti-vidade nas novas instalações e a benfeitorias levadas a efeito no local arrendado, e de € 15.000, relativo a outrossim invocados danos não patrimoniais.

Houve réplica.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 3/2/2005, sentença que julgou procedente e provada a acção.

Decretou-se então, por consequência, a resolução do contrato aludido, e condenou-se a Ré a entregar o local arrendado ao A., livre de pessoas e bens.

Considerou-se, a esse respeito, que, ao reclamar o despejo da recorrida com o fundamento referido, o A. teria agido com abuso de direito, pois ao actuar pela forma por que se provou ter actuado, previu e aceitou que a Ré teria de encerrar o locado, podendo depois reclamar o despejo.

Dada, porém, a impossibilidade de a Ré voltar a ocupar o local arrendado, julgou-se, finalmente, não fazer sentido impedir o A. de o reaver, pois a ficar esse local economicamente subaproveitado e em progressivo abandono, estar-se-ia perante uma fracção autónoma que não estaria a ser devi-damente utilizada, nem pelo senhorio, nem pelo inquilino.

Concluiu-se, por isso, não se adequar, neste caso, a sanção da neutralização do exercício do direito.

Inviável a reconstituição natural imposta em primeira linha pelo art.562º C.Civ., visto a Ré não poder voltar a exercer no local arrendado, por o alvará respectivo ter sido cancelado, entendeu-se ter a mesma direito a indemnização em dinheiro, justificando-se, em vista da semelhança da situa- ção em causa com a que essa Lei regula, aplicação analógica, nos termos do art.10º, nº1º, C.Civ., do regime estatuído na Lei nº2088, de 3/7/57.

Condenou-se, nessa conformidade, o A. em indemnização à Ré no montante de € 8.015,55, sendo € 7.670,04 o correspondente ao décuplo da renda anual de € 63,92 e € 345,15 um vigésimo calcu- lado em relação a 9 anos de arrendamento.

A reconvenção foi julgada parcialmente procedente e provada, tendo o AA. sido condenado a pa-gar à Ré, com juros, à taxa legal, desde a notificação desse pedido, o montante global de € 68.592, 90, sendo € 53.948,80 das despesas com obras para instalação da nova farmácia sob pena de não ser aprovada pelo Infarmed ( danos emergentes, consoante art.564º, nº1º, C. Civ.), € 6.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, e € 598,55 de indemnização por benfeitorias.

A esse respeito, observou-se ainda que aquando do início da realização das obras de construção civil no prédio, o AA. não propôs à Ré a saída provisória enquanto elas decorressem e a posterior reocupação de área idêntica, sendo certo não haver impedimento legal para a transferência provi-sória da farmácia, conforme arts.18º, nº1º, al.b), da Portaria nº 806/87, de 22/9, e 20º, nº 1º, da Portaria nº 936-A/99, de 22/10.

Julgou-se então ter a actuação do AA. contribuído para que se tornasse impossível o desenvolvi-mento da actividade de farmácia no local arrendado. Tendo por isso incorrido em responsabilidade contratual, foi com fundamento na consideração do adiantado estado de degradação das instalações, não condignas para o exercício da actividade farmacêutica, que o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento ( Infarmed ), por deliberação de 16/11/2001, obrigou a Ré a sair do locado (1).

Tendo o AA. interposto recurso de apelação dessa sentença, a Ré interpôs, por sua vez, recurso su-bordinado.

Por acórdão de 17/1/2006, a Relação de Lisboa julgou ocorrer efectivamente o abuso de direito considerado na sentença apelada. Provado, porém, que a Ré continua a utilizar o local arrendado para a guarda de materiais não deterioráveis, " como fraldas, sapatos, perfumaria e outros produtos congéneres", entendeu que o abuso de direito imputado ao AA. tinha, no caso, de conduzir à absol-vição da Ré do pedido de resolução do contrato de arrendamento então proferida. No tocante à in-demnização, confirmou o decidido na instância recorrida, exceptuando, no final, os € 598,55 de benfeitorias.

Vem pedida pelo AA. revista dessa decisão da 2ª instância.

Em fecho da alegação respectiva, deduz 53 conclusões (2) , o que briga frontalmente com a exigên-cia de síntese expressa no art.690º, nº1º, CPC. Os meios mecânicos de que actualmente se dispõe permitem que, para evitar maior demora, se tenha, também desta vez, prescindido do convite pre-visto no nº 4º desse mesmo artigo. Segue, pois, transcrição das conclusões da alegação do recor-rente : 1ª - Foi dado como assente que desde 26/12/2001 a recorrida não abre ao público o estabelecimen- to instalado na fracção A - loja no r/c - sita na Avenida …, …, em Lisboa, não aten-dendo ali o público, nem ali vendendo medicamentos.

  1. - Desde essa altura, o locado tem vindo a servir para que a Ré armazene nele alguns produtos não deterioráveis necessários à sua actividade.

  2. - Ora, no contrato de arrendamento celebrado em 1914 ficou exarado que o arrendamento se destinou a estabelecimento de farmácia, que serve não apenas interesses comerciais, mas também interesses gerais de saúde pública - sendo, em consequência, objecto de controlo administrativo.

  3. - Foi o próprio Infarmed a considerar o locado inidóneo e sem os requisitos necessários para o exercício da actividade de farmácia, pelo que o exercício de uma actividade meramente acessória e pouco significativa - armazenamento de alguns produtos - não releva em termos de se considerar que o locado não está encerrado.

  4. - Porém, o acórdão recorrido absolveu a recorrida do pedido de resolução do contrato de arren-damento existente entre as partes, atinente à fracção A - loja no r/c sita na Avenida …, …, em Lisboa.

  5. - E manteve a condenação nos montantes indemnizatórios fixados pela sentença da 1ª instância.

  6. - Em síntese, e para o que ora interessa, o acórdão recorrido, determinou sancionar o alegado a-buso de direito por parte do recorrente de uma dupla forma : inibindo o exercício do direito do re-corrente de exigir a resolução do contrato de arrendamento, absolvendo, em consequência, a re- corrida desse pedido, e condenando o recorrente no pagamento de uma indemnização à recorrida.

  7. - As questões que se colocam neste recurso são as de saber, em primeira linha, se existe no caso vertente abuso de direito, e em segundo lugar, se for esse o caso, qual a sanção aplicável.

  8. - Importa salientar que a recorrida vem pagando a renda mensal de € 63,92, como consta da matéria de facto dada como provada.

  9. e 11ª - A doutrina inclina-se claramente para o sancionamento do abuso de direito numa de duas vertentes - reparação natural ou indemnização pecuniária - cfr., por todos, Cunha de Sá, "Abuso do Direito" (1997), 637 e 646, e Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 7ª ed.. (1999), 74, e nunca pela cumulação das duas, como pretende o acórdão recorrido.

  10. - Das notas doutrinais e jurisprudenciais recenseadas neste recurso - cfr., por todos, sentença do juiz da comarca de Almada de 22/1/79, CJ, IV, 1362, Ac. STA de 14/4/88, BMJ 376/462, ARE de 16/3/89, BMJ 385/627, e Acs. STJ de 9/5/91, BMJ 407/551, de 2/7/96, BMJ 407/551, e de 25/ 11/99, CJSTJ, VII, 3º, 124 - resulta claramente um entendimento unânime sobre a natureza excep- cional do instituto do abuso de direito, o carácter alternativo ( e não cumulativo ) da oposição ao exercício do direito ou da obrigação de indemnizar, e os princípios de razoabilidade que devem estar subjacentes a tal decisão.

  11. - O entendimento do acórdão recorrido no sentido de que existe abuso de direito assenta, no essencial, no ponto 49 da matéria de facto dada como provada: " O referido em 33 a 43 e 46 a 48 contribuiu para que se tornasse impossível o desenvolvimento da actividade de farmácia no locado por inexistirem padrões mínimos de qualidade a nível da segurança e higiene dos trabalhadores e doentes, bem como da segurança dos medicamentos ".

  12. - O reconhecimento da (im)possibilidade do exercício da actividade de farmácia é da competência exclusiva do Infarmed, entidade com atribuição legal para a avaliação das condições para o exercício daquela actividade.

  13. - Estamos assim perante matéria de direito, pelo que sempre se deveria ter como não escrita a resposta ao mencionado ponto 49 da matéria de facto dada como provada.

  14. - Mas tal entendimento assenta também no ponto 50 da matéria de facto dada como provada : "O referido em 33 a 43 e 46 a 48 constituiu um dos fundamentos do referido em 51".

  15. - O " referido em 51 " diz respeito ao ponto 51 da matéria de facto dada como provada : " A Ré solicitou ao Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, a...

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