Acórdão nº 0219/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução06 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I. RELATÓRIO A..., Procurador da Republica Adjunto, recorre do acórdão proferido em subsecção neste Supremo Tribunal a 22 de Fevereiro de 2006 (cf. fls. 88-122), que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e em que pediu "a anulação dos actos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar de 04-05-04, notificado no dia 7 seguinte, e no acórdão do Plenário do Conselho requerido de 22-11-04, notificado no dia 26 seguinte, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar nº..." em que o Autor é arguido.

Rematou a sua alegação de recurso com as seguintes Conclusões: "1ª O recorrente tinha o direito de se defender do conteúdo do relatório elaborado no final da instrução, discretando sobre o mesmo e contrariando as afirmações e conclusões nele feitas a seu desfavor, bem como a qualificação jurídica dos factos, sendo-lhe tal direito assegurado pelo artº. 32º., nº10, da Constituição, pelo que, ao não ser notificado do mesmo antes da decisão final, cometeu-se uma nulidade insuprível prevista no artº. 204º nº 1, do EMP, que o acórdão recorrido deveria ter reconhecido e declarado.

  1. Por não preverem a notificação do relatório logo após elaboração do mesmo, de modo a que o recorrente pudesse discuti-lo, os arts.202º e 203º do EMP colidem com os princípios do contraditório e da defesa, pelo que o acórdão recorrido devia tê-los julgados inconstitucionais, por violação do citado artº.32º., nº10, e recusar a sua aplicação.

  2. Os arts.163º e 183º., nº.1, do EMP estão redigidos de modo vago, impreciso e indeterminado, contendo conceitos vagos e abstractos e não e não se sabendo a que situações concretos se aplicam, pelo que permitem que a entidade que detém o poder disciplinar proceda com toda a arbitrariedade e irrazoabilidade, classificando como infracção todos e quaisquer factos, pelo que ofendem os princípios de tipicidade, da determinabilidade das leis punitivas, da segurança e confiança jurídica, consagrados nos art.ºs 2º., 18º. nºs 2 e 3, 29º, nº1, e 30º., nº1, todos da Constituição, devendo o acórdão recorrido tê-los julgado inconstitucional e recusar a sua aplicação.

  3. A execução da pena aplicada e prevista pelos citados normativos priva o recorrente de alimentação, vestuário e alojamento, pelo que os mesmos são contrários aos art.ºs 11º., nº1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo que, como normas de hierarquia inferior a estas, o acórdão devia tê-las declarado como ilegais e recusar a sua aplicação, para escapar à inconstitucionalidade indirecta prevista no artº 8º, nº 2, da Constituição.

  4. O acórdão recorrido deveria ter interpretado os arts.81º, nº.1, e 183º., nº.1, em conjugação com os arts. 24º., nº.1, al. c), e 25º., nº. 2, al. a), ambos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes do Estado e considerar que à conduta do recorrente, por não ter solicitado autorização hierárquica para advogar em causa própria e do seu cônjuge, apenas lhe é aplicável a pena de suspensão.

  5. Quando interpretados no sentido daqueles arts.24º., nº1, al.c) e 25º, nº.2, al. d), não serem aplicáveis em processo disciplinar instaurado contra magistrado do MP, os arts.81º. nº 1, 163º, 183º, nº1, e 2/6º e os próprios arts. citados colidem com os princípios constitucionais da justiça, da dignidade da pessoa humana, da segurança e confiança jurídicas, da legalidade, da proporcionalidade ou da proibição de excessos, da fixidez e da necessidade das penas e da imparcialidade, consagrados nos arts.1º, 2º, 13º., nº1, 18º, nº2 e 3, 30º, nº1, e 266º, nº2, todos da Constituição, pelo que o acórdão recorrido deveria tê-los julgado inconstitucionais e aplicar os normativos do citado Estatuto Disciplinar.

  6. Os arts. 172º, 175º nºs. 1 e 3, al. a) e 176º, nº1, todos do EMP, ao prescreveram os efeitos automáticos da pena declarados nos acórdãos do ESMP (perda de vencimento, antiguidade, promoção e aposentação) violam os princípios da não fixidez das penas e da proibição da automaticidade dos efeitos das penas, consagradas nos arts.2º. e 30º., nº1 e 4, ambos da Constituição, pelo que o acórdão recorrido deveria tê-los julgado inconstitucionais e recusar a sua aplicação.

  7. O acórdão recorrido, ao configurar os acórdãos do CSMP, que aplicam uma pena manifestamente excessiva, para além de terem errado na qualificação jurídica dos factos, pena que se mostra desadequada do caso concreto, interpretou erradamente e violou, se não forem julgados inconstitucionais os arts. 163º., nº 1, al. e), 170º., nºs 1 e 3, 172º., 175º., nºs. 1 e 3, al. a), 176º., nº.1, 183º, nº1., e 185º, todos do EMP, bem como os arts. 3º., nº1, 5º., nºs 1 e 2, e 6º, todos do CPA.

  8. De facto o recorrente não teve o menor desvio no exercício da função, é empenhado e perfeito na execução do seu serviço, é assíduo e pontual, está bem integrado no sistema, não tem quaisquer antecedentes punitivos e confessou os factos materiais de que foi acusado, não a qualificação jurídica dos mesmos, e está arrependido de os ter praticado.

  9. Encontrando-se familiar, social e profissionalmente bem integrado, se não houvesse erro na escolha da pena, sempre a execução da mesma deveria ser suspensa ou fundamentar-se a suspensão, pelo que o acórdão recorrido violou os arts. 50º., nº1, do CP e 33º, nº1, do citado Estatuto Disciplinar dos Funcionários do Estado, bem como o art.2/6º do EMP, tendo-os interpretado no sentido de o art.50º., nº.1, não ser aplicável em processo disciplinar contra magistrado.

  10. Assim interpretados, tais normativos violam os princípios constitucionais da segurança jurídica, da igualdade, da proporcionalidade ou da proibição do excesso e da imparcialidade, acolhidos nos arts.2º., 13º., nº1, 18º, nºs 2 e 3, e 266º., nº.2, todos da Constituição, pelo que o acórdão deveria tê-los julgado inconstitucionais e recusar a sua aplicação com a referida interpretação e interpretá-los e aplicá-los no sentido de o art.50º., nº1, do CP ser subsidiariamente aplicável no processo disciplinar, com a consequência de ter que ser devidamente justificada a não suspensão da pena.

  11. Assim, dando-se provimento ao recurso, devem julgar-se todas inconstitucionalidades arguidas nas conclusões anteriores, ou no caso de assim se não entender, declarar-se que se mostraram violados os citados normativos da lei ordinária, bem com o declarar-se a verificação da referida nulidade insuprível e de nulidade por omissão de pronúncia, sempre com a consequência de se revogar os acórdãos do CSEMP, com o que se fará a devida JUSTIÇA!".

O CSMP contra-alegou sustentando, sem formular conclusões, a improcedência do presente recurso.

Foi cumprido o disposto no artº 92º, nº 1, do CPTA.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II. 1.

    Tendo em vista o disposto no artº 713º, nº 6, do CPC dão-se aqui por reproduzidos os factos (Mª de Fº) registados no acórdão recorrido.

  2. 2. Do Direito Vem impugnado o acórdão proferido em subsecção que julgou improcedente a acção administrativa especial que o ora recorrente intentou contra o CSMP e na qual se pedia a anulação dos actos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar de 04-05-04, notificado no dia 7 seguinte, e no acórdão do Plenário do Conselho requerido de 22-11-04, notificado no dia 26 seguinte, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar em que o Autor/recorrente é arguido.

    O ora recorrente, Magistrado do Ministério Público (Procurador-Adjunto), foi sancionado por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, e que foi mantida pelo Plenário do Conselho, com a pena disciplinar de inactividade por 12 meses.

    Para melhor compreensão do que está em causa no presente recurso jurisdicional transcrevem-se os ponto d) e e) da Mª de Fº do acórdão recorrido: "d) Realizadas as diligências requeridas pela defesa, foi então elaborado, pelo instrutor do processo disciplinar, o relatório de fls. 343 a 354, inc., do qual se transcreve a parte final, para mais fácil apreensão do que, em sede de direito, se dirá.

    "4. Escolha e Medida da Pena Como se disse, os factos apurados sob os n°s 3.1 a 3. 15, que, simultaneamente, se consubstanciam no exercício do cargo de Magistrado do Ministério Público por parte do Dr. A..., e na sua inscrição activa na Ordem dos Advogados, bem como na assunção do estatuto de Advogado, concretizada no efectivo exercício da advocacia, e, por via disso, na demanda do Estado Português em várias e diversas acções instauradas em Tribunais comuns e em Tribunais Administrativos e na formulação de várias queixas contra o Estado Português no Tribunal Europeu, representam também a preterição sistemática da sua condição de Magistrado por parte do Dr. A..., enquanto litigante nos processos já referenciados.

    Reflectem, além disso, a intensidade do dolo e o elevado grau de ilicitude que marcaram todo o comportamento do Senhor Procurador-Adjunto, bem explícito na forma deliberada e consciente, que caracterizou o seu método de actuação e na impressiva extensão da sua actividade processual, e no modo do seu processo delitivo.

    Acresce que não militam quaisquer circunstâncias atenuantes a seu favor, visto que não mostrou arrependimento nem reconsideração, e não admitiu o cometimento de qualquer infracção, apesar da irrefutabilidade dos factos com que foi confrontado e do reiterado comportamento anti-disciplinar que assumiu.

    De resto, só suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados em 10 de Março de 2003, ou seja, na...

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